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CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 LINHA DO TEMPO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DA EXTINÇÃO À

2.1.1 Pensamentos filosóficos sobre a PcD

Na Antiguidade, nos anos de 4.000 antes de Cristo (a.C) até o ano 395 depois de Cristo (d.C.), a preocupação parecia ser a de eliminar ‘diferenças incômodas’, independentemente de meios, técnicas ou estratégias utilizadas.

O registro mais antigo de uma PcD se dá pelos anos de 1.250 a.C., por meio de uma obra de arte que mostra um porteiro de um templo de Astarte2, Rama, apoiado em um comprido bastão por causa de uma anomalia na perna esquerda. Uma das primeiras gravuras alegóricas de uma cadeira de rodas está em um vaso grego do século IV, onde aparece Hefesto, considerado o deus grego da metalurgia, sentado em uma cadeira de rodas.

Nos anos de 380 a 322 a.C., alguns filósofos demonstravam seus posicionamentos e a necessidade de extinguir as pessoas com deficiência, como se vê a seguir:

En cuanto a la exposición o crianza de los hijos, debe ordenarse que no se crie a ninguno defectuoso, pero que no se exponga a ninguno [...], deberá praticarse el aborto antes de que se produzcan en el embrión la sensación y la vida, pues la licitud o ilucitud de aquél se definirá por la sensación y la vida (ARISTÓTELES,1970, p. 145.1335b, grifo nosso).

Isso significa que Aristóteles, defendia a criação de uma Lei para a extinção de toda a criança que tivesse alguma deformidade. Sendo assim, esta criança não poderia sobreviver. Acrescenta-se que o aborto poderia ser realizado desde que fosse antes da criança começar a ter sensações de vida (a legalidade ou a ilegalidade do aborto era definida pelo critério de haver ou não sensação de vida).

Aristóteles (1970) também afirmava que deveria ser determinada pelo governo a idade dos pais se casarem e ter filhos, pois rotulava que uma pessoa muito jovem ou com uma idade avançada teriam filhos com deficiência física (DF) ou mental/intelectual e, ainda, afirmava que pais anciãos teriam filhos ou filhas débeis mentais. Conforme trecho abaixo:

Puesto que hemos determinado el comienzo de la edad conyugal en el hombre y la mujer, es decir, cuándo debe empezar su unión, determinemos cuánto tiempo conviene que dure el servicio de la procreación. Los hijos de padres demasiado viejos, como los de padres demasiado jóvenes, nacen física y mentalmente imperfectos, y los de padres ancianos nacen débiles (ARISTÓTELES, 1970, p. 145.1336b).

Aristóteles trata ainda de questões relativas às diferenças de espécies e se expressa quanto a essas espécies afirmando que “[...] umas tem a superioridade, outras a inferioridade. Pois é preciso que aquelas que são defeituosas ou que hajam sofrido

2Considera na época como a mais importante deusa dos fenícios. Filha de Baal e irmã de Camos. Deusa da

alguma alteração, estejam situadas abaixo das em que nada há para se criticar” (ARISTÓTELES, 2004, p. 79).

Aristóteles, ao se referir à união de um casal jovem, demonstrava claramente a sua discriminação, associando a baixa idade ao perigo dos filhos nascerem imperfeitos e com algum tipo de deficiência, algo indesejado: “Nota-se que em todas as espécies de animais, os produzidos por jovens são fracos, imperfeitos, em geral do sexo feminino, e de pequeno porte, de onde se conclui de modo natural, que coisa idêntica deve suceder na espécie humana” (ARISTÓTELES, 2004, p. 149).

Na história (BRASIL.SDH, 2012d, p.4), percebe-se, com evidência, como Aristóteles não aceitava as pessoas surdas e entendia que os deficientes auditivos não deveriam ter direitos como as pessoas com deficiência intelectual ou ‘doentes’ (denominação da época). Muitas vezes, eram sugeridas ações absurdas, como a ordenação de que pessoas surdas ou deficientes auditivas fossem levadas à morte.

No livro ‘A República’, redigido por Platão, em um dos diálogos entre Sócrates e Glauco, encontra-se a seguinte descrição que afirma a discriminação e sugestão de extermínio para com as pessoas defeituosas:

Sócrates — Estes encarregados levarão os filhos dos indivíduos de elite a um lar comum, onde serão confiados a amas que residem à parte, num bairro da cidade. Para os filhos dos indivíduos inferiores e mesmo os dos outros que tenham alguma deformidade, serão levados a paradeiro desconhecido e secreto (PLATÃO, 1997, p. 163).

Sêneca, filósofo romano, escreveu mais de 100 cartas a seu amigo Lucilius. Em uma delas, ele fala sobre outro amigo (Claranus), seu colega de escola, o qual possuía anomalias. Silva (2012) registra:

Eu acho que Claranus foi feito como um padrão, a fim de que possamos entender que uma alma não fica desfigurada pela feiúra de um corpo, mas, pelo contrário, um corpo pode ser embelezado pela graça da alma e, [...] que os recém-nascidos com deformidades físicas eram mortos no próprio momento do parto, por afogamento.

O mesmo filósofo expressa: “[...] matamos os fetos e recém-nascidos monstruosos; [...] não devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das saudáveis” (BRASIL. SDH, 2012d, p. 4).

Outros filósofos se destacavam pelas ‘anomalias da época’, tanto pelas suas análises e comentários sobre as deficiências, ou mesmo por serem possuidores de algum tipo de deficiência. Entre esses, cita-se o filósofo Homero, nascido no século VII a.C., o

mais famoso dos poetas gregos que era cego e escreveu os belos poemas de Ilíada de Odisseia. Na época, muitos especialistas não acreditavam que ele era autor único das belas obras e questionavam como poderia descrever com tanta precisão.

A história nos anos de 380 a 322 a.C. também revela a contradição em relação ao tratamento das pessoas com deficiência. Alguns países entendiam que as pessoas com deficiência tinham poderes, eram sobrenaturais; outros, que era algo ruim e, por isso, os deficientes necessitavam ser exterminados: “No Egito, os surdos eram adorados como se fossem deuses. Na China, são lançados ao mar [...]. Na Grécia eram encarados como incompetentes e, em Esparta, jogados dos rochedos” (BRASIL, 2012, p. 4).

Percebe-se que nem sempre os países pensavam igualmente sobre o fim que se deveria dar para as pessoas com deficiência, mas a grande parte desses países optava pelo extermínio. Em Roma, os pais podiam matar por afogamento as crianças que nasciam com anomalias físicas, e os poucos sobreviventes eram explorados nas cidades. Stobäus enfatiza esses fatos com a seguinte descrição:

Ao longo da idade média, nos países europeus, os ditos diferentes eram associados à imagem do diabo e aos atos de feitiçaria, eram então perseguidos e mortos, pois faziam parte de uma mesma categoria: a dos excluídos. Então deviam ser afastados do convívio social ou, mesmo, sacrificados [...]. Havia posições ambíguas: que seria a marca da punição divina, a expiação dos pecados; a outra, a expressão do poder sobrenatural, o privilégio de ter acesso às verdades inatingíveis para a maioria (CARDOSO, 2003, p. 16).