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2. CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA INFÂNCIA

5.2. Orientações nas atividades: ―Eu nunca separo‖

A partir da categoria anterior já é possível sinalizar quais as orientações mais frequentes nas atividades com as crianças realizadas nos diversos espaços da instituição, especialmente na sala de aula. Questionei as docentes e monitoras: ―Como você orienta as atividades na sala para meninos e para meninas?‖

P-MI: “Não, é geral, é uma coisa só. Não tem diferencial não. Tanto no brinquedo que a gente coloca lá... tanto carrinho, como boneca: ‗— ah esse é de menina...‘, não, não, não, a gente não tem essa discriminação não. Aí vai deles de pegarem, né?‖

P-MII: ―Eu nunca faço individual, e sempre misturo quando eu faço trabalho em grupo, cartaz e colagem, sempre misturo, não boto só meninas, não boto só meninos, só uma quantidade certa‖.

P-PI: ―As atividades eu faço no geral com eles, qualquer uma... sempre as atividades que eu aplico, tanto é para os meninos como é para as meninas. Então, eu abordo como se fosse no geral com todos eles, eu não digo: ‗ – menino isso, menina aquilo‘, não, é no geral‖.

P-PII: ―Eu generalizo. Eu não separo... eu nunca separo, porque eu acho que não tem que ter essa separação, entendeu? de gênero na atividade. Nem dinâmica, nenhuma atividade, nem prática nem teórica‖.

M-MI: ―Tem que ser em conjunto com as crianças, menino e menina tudo junto‖.

M-MII: Informou que ajuda a professora [P-MII] e complementou: ―Tem menino que é mais difícil né? ele não... assim, ele não quer fazer. A menina não, a menina já quer fazer‖.

[Entrevistas com docentes e monitoras].

Todas as docentes e monitoras afirmaram que não fazem atividades diferenciadas para meninos e meninas na sala de aula, não separam nas atividades externas à sala, e observei que não há separação por sexo de forma orientada e legitimada pela instituição. O que elas indicam é que meninos e meninas fazem as mesmas atividades, mas não se dão conta que pode ser de forma separada. Com

exceção dos banhos, as atividades externas às salas, refeição e recreio, a separação das crianças é por idade, sempre vão das crianças menores às maiores.

Uma monitora (M-MII) informou que alguns meninos precisam de mais atenção porque não querem fazer as atividades. A supervisora também confirmou essa informação, alegando que é mais comum os meninos não quererem fazer as atividades do que as meninas, pois são mais inquietos. O que sinaliza características de uma identidade de gênero masculina desinteressada das atividades por elas planejadas. Todavia, isso não foi confirmado por outras professoras.

Durante a observação presenciei uma atividade de competição de meninos contra meninas:

A professora iniciou uma disputa de meninos contra meninas para quem recitasse melhor uma quadrinha com a letra D. Ela falava e os grupos repetiam. Os meninos foram mais eufóricos na repetição e as meninas foram mais tímidas. [Registro de observação: Encontro 6, abril de 2017, turma Pré-escolar II].

A atividade promove, ainda que de forma não intencional, a ideia de superioridade do grupo vencedor sobre o outro e, nesse caso, reforça a ideia de superioridade masculina. A atividade também me provocou um questionamento: se não houvesse a competição as meninas teriam a oportunidade de repetir o texto? De que outra forma se poderia incentivar as meninas a falarem? Observei que as meninas ficaram acuadas durante a participação, e a professora teve que insistir várias vezes para elas falarem mais alto.

Sobre essa categoria, Orientações das atividades, anunciei no questionário às famílias que meninos e meninas tinham as mesmas capacidades de aprendizagem. Dezesseis concordaram, e uma mãe justificou: ―todos são capazes de aprender tudo que necessita saber e tudo que é certo aprender‖ (Mãe 3. Questionário com famílias).

Duas mães discordaram da afirmação, e uma justificou: ―depende muito da criança‖ (Mãe 18. Questionário com famílias). Em certa medida ela pode ter razão se for uma criança que tenha alguma dificuldade física, motora, cognitiva, ou necessidade educacional especial, pois irá precisar de uma atenção diferenciada

conforme sua necessidade, mas não será o gênero que determinará sua capacidade de aprender.

As docentes e monitoras afirmaram que não realizam ou orientam atividades separadas ou diferentes para meninos e meninas. O que observei é que elas executam essa diferenciação, como já mencionado, mas não refletem e não conseguem visualizar suas práticas e os efeitos delas para além da ficha de avaliação das crianças. A gestora afirmou na entrevista que muitos profissionais não estão preparados/as para trabalharem sobre gênero:

Gestora: ―Ainda existe realmente alguns preconceitos. Vamos dizer que existe os preconceitos, sim existe, mas também existe, é... falta de preparação para alguns profissionais que trabalham na área, então eu não posso considerar preconceito, é não saber como lidar, uma coisa é você ter preconceito, não querer de forma alguma, rejeitar... e a outra é, exemplo: ‗— o que eu faço? Eu não sei trabalhar!‘‖

[Entrevista com gestora].

De fato, nenhuma das professoras e monitoras teve discussão sobre gênero em suas formações, e gestora e supervisora informaram que a secretaria de educação também não promoveu formação com essa temática. Insisto em afirmar que a formação seria importante porque o conhecimento teórico ajuda na reflexão crítica sobre a prática que, segundo Freire (1996 p. 39), é a capacidade docente de superar a “consciência ingênua” pela “consciência crítica”: “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.

No projeto pedagógico da instituição nada consta formalmente sobre a abordagem de gênero, mas supervisora e gestora afirmaram que as orientações para as atividades, com exceção do banho, é que meninos e meninas realizem juntos. A instituição escolar e as famílias, pelo menos nos discursos, convergem na percepção de que meninos e meninas possuem as mesmas capacidades de aprendizagem, sem necessidade de atividades diferenciadas para atingir os mesmos objetivos.