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2. CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA INFÂNCIA

4.2. Confraternizações

4.2.2. Festa dos pais

Sobre as festas em homenagem aos pais, as duas de que participei ocorreram no café da manhã. A gestão usou o argumento de que os pais tinham pouco tempo para participar, por isso faziam no horário do café que não seria tão demorado. O mesmo argumento foi apresentado na pesquisa de Paz (2010), indicando um papel de pai que não tem tempo a dedicar à vida escolar dos/as filhos/as.

No ano de 2017, o CREI foi decorado apenas no refeitório, as mesas com toalhas brancas, balões brancos e um cartaz parabenizando os pais (Foto 12, p. 87). Mais sóbria, menos colorida em relação à das mães.

Foto 12: Festa dia dos pais 2017

Fonte: Pesquisadora. Agosto de 2017.

Quem coordenou a confraternização foi a supervisora pedagógica, porque a gestora estava de férias, mas esta ainda se fez brevemente presente para falar com os pais. A supervisora apresentou a metodologia de trabalho do CREI e exibiu vídeos das crianças realizando as atividades. Em seguida, todas as turmas cantaram uma canção que caracterizava o pai como super-herói, que também foi cantada em 2018:

PAI, MEU SUPER-HERÓI Meu super-herói Não tem capa vermelha Nem usa sua teia Meu super-herói Não tem arma secreta Nem máscara discreta Mas a sua identidade eu já conheço bem Pois quando a noite chega e ele então vem Num abraço apertado Carinho que me faz tão bem! Ah, eu tenho tanto pra falar do meu pai Essa canção vai te mostrar Ah, eu tenho tanto amor pra dar pro meu pai Essa canção vai te mostrar! (Composição: Marcelo Serralva/Marissa De Britto; Intéprete: Turminha do Tio

Marcelo)

A imagem de pai que as crianças aprendem, de acordo com o discurso da canção, é de ausência-presença, vazia em contraste com as múltiplas dádivas da “mãe maravilha”. Presença e abraço já são suficientes para a expressão do poder do pai quando chega à noite, momento em que supostamente está em casa e que teria

disponibilidade para seus/suas filhos/as. Em todo caso, a canção aponta um pai carinhoso.

Após a apresentação da canção a gestora falou com os pais sobre a importância deles na vida das crianças ressaltando que o pai é o exemplo a ser seguido e a meta a ser alcançada:

―Eu não tenho muito o que dizer.. porque pai... ele é tudo. O pai ele é... nosso patamar na nossa vida, na nossa caminhada, aonde a gente quer chegar. Eu tive um pai que eu sinto muito... maravilhoso, que me ajudou, que me ensinou a ser uma pessoa que eu sou hoje.‖ (Gestora)

[Registro de observação: Encontro 14, Confraternização em homenagem aos pais, 2017].

Os pais estiveram em menor número nas festas, em média de vinte, enquanto a participação das mães alcançava uma média de cinquenta. Mesmo estando em menor número nas festas em relação às mães, mesmo as festas sendo breves para que os pais não se atrasassem para o trabalho por gastarem tempo com seus/suas filhos/as na escola, mesmo que sua presença seja restrita ao momento da noite em casa, o discurso da gestora atribui a ele o papel de ser bom exemplo para seus/suas filhos/as.

Na festa dos pais de 2018, a decoração foi no pátio, onde também foi servido o café da manhã pelas crianças da turma de 5 anos. O tema da festa foi “Super Pai”, em alusão ao personagem “SuperHomem” (Fotos 13 e 14 p. 89). Dessa vez as mesas tinham toalhas coloridas, e todas as paredes com cartazes de mensagens aos pais.

Foto 13: Festa dia dos pais 2018 (entrada)

Foto 14: Festa dia dos pais 2018 (pátio)

Fonte: Pesquisadora. Agosto de 2018.

A confraternização seguiu o mesmo ritual das anteriores. A gestora falou para os pais de sua importância na vida dos/as filhos/as, e as crianças cantaram a mesma canção usada em 2017. Novamente foi reforçada a ideia do pai herói, demonstrando como as construções das identidades de gênero binárias e dicotômicas estão nas práticas e discursos escolares.

Em sua fala, a gestora apontou as responsabilidades das famílias na educação das crianças, destacando os limites que devem ser estabelecidos, a formação religiosa e o comportamento. Fez um comentário confuso sobre uma notícia que ouviu na televisão: ―um cantor em Pernambuco disse que Cristo é travesti‖, tentando dizer que tanto as orientações sexuais e as identidades de gênero, bem como as crenças religiosas devem ser respeitadas.

Enfatizou que todos somos livres, mas que o respeito deve prevalecer, e que é dever do pai ensinar sobre o respeito aos filhos e filhas. Finalizou falando sobre a alimentação saudável e a mudança dos hábitos alimentares das crianças, devido ao CREI ter participado de um programa sobre o tema. Após o café, os pais e filhos/as foram colher legumes na horta.

É importante ressaltar que a imagem do pai herói, é tão problemática quanto a da mãe maravilha. E se o pai for presidiário, alcoólatra ou usuário de entorpecentes, socialmente é caracterizado como bandido/vilão? Essa é inclusive uma realidade presente no CREI investigado.

Nesse sentido, o que é indicado às famílias por meio das mensagens nessas comemorações escolares é uma forma de ser pai e ser mãe, que, na ordem binária de gênero, precisa ser reforçada e afirmada continuamente em todos os espaços. A mãe maravilha e o pai herói ecoam um imaginário tradicional e atualizado no caso

das mães – amorosas, mas multifuncionais. Já o pai chega à noite e só tem o abraço a oferecer; ocupado e ausente, não pode dedicar tempo à vida escolar dos/as filhos/as, nem se demorar nas festas escolares. Em todo caso, nessas ocasiões a escola está veiculando expectativas parentais e prescrevendo o que pais e mães devem ser e, ao mesmo tempo, o que as crianças precisam aprender sobre esses papéis. E ainda não evidencia outros/as possíveis responsáveis pelas crianças: tios/as, avôs/avós, madrastas/padrastos etc.