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CAPÍTULO 2: O OLHAR DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE OS POVOS INDÍGENAS

2.5 Filtros imponderáveis da pesquisa

Importante alertar que os casos coletados e que serão aqui expostos não correspondem ao panorama da judicialização de todas as demandas dos povos indígenas das Américas e mais restritamente ainda, tampouco correspondem a todas as demandas dos povos indígenas levadas ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. São várias as razões para isso.

Primeiro porque o próprio método de fazer a pesquisa estabeleceu-se a partir dos documentos disponibilizados no site da CIDH, o que pode ser coincidente com o número real de casos, mas também pode não ser. A dinâmica para “alimentar” os endereços eletrônicos é institucional, sendo assim, obedece tão somente a regras próprias que podem não coincidir exatamente com o tempo real (os casos já julgados podem demorar um tanto para serem publicizados) e, eventualmente, também com o número real de casos (casos julgados que eventualmente, por quaisquer motivos, idôneos ou não, não sejam publicizados). Em outras palavras: existe uma presunção de que os dados disponíveis sejam os de fato julgados e existentes, mas essa presunção não pode ser absoluta.

Outro ponto que deve ser analisado para entender adequadamente, sem distorções ou superestimações, a amostra de pesquisa, diz respeito à matemática abismal entre o número de petições levadas até o sistema interamericano e o número de casos remetidos para serem julgados pela CIDH. Enquanto vimos no gráfico anterior que pouco mais de 150 casos “sobreviveram” ao crivo da Comissão e foram remetidos ao julgamento da Corte, o número de denúncias levadas por (supostas) vítimas de violações ao Sistema Regional Americano de

1997 até o ano de 2010 é praticamente dez vezes maior que isso, totalizando 14.880 petições individuais ou em grupo232. Fica evidente que muito mais casos envolvendo os povos indígenas podem ter sido levados até o Sistema Interamericano, mas sofreram a incidência de vários filtros e, com isso, não chegaram até a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Para começar, muitas comunidades indígenas vítimas de violações de direitos humanos jamais, por razões inúmeras que não cabe aqui levar à exaustão (falta de conhecimento dos seus direitos seria apenas uma delas...), terão seus pleitos alçados até o âmbito internacional de proteção.

Segundo, mesmo para aqueles que escolhem acionar o Sistema Interamericano, o caminho para se chegar até a Corte é bastante longo. Pensemos nos indígenas pátrios para melhor exemplificar: dentre os que levaram suas demandas até o Judiciário brasileiro muitos podem ter logrado satisfazê-las internamente - o que não significa necessariamente conseguir a resposta pretendida, mas simplesmente as terem processadas e julgadas de acordo com ritos processuais e constitucionais pré-estabelecidos que resultarão em uma sentença devidamente motivada e, via de regra, passível de reexame(s) - e, desse jeito, não poderão (ou nem terão o porquê) acessar o Sistema Interamericano. Logo, o primeiro filtro atende pelo nome de

princípio do esgotamento dos recursos de jurisdição interna233.

Seguidamente, no âmbito procedimental, na hipótese de o caso ser submetido à Comissão em forma de uma petição inicial, novos filtros incidirão sobre ele. São exigidos, como é práxis, o cumprimento de alguns requisitos de admissibilidade para que as petições

232 Os números ano a ano são: no ano de 1997, 435 denúncias; no ano de 1998, 571 denúncias; no ano de 1999,

520 denúncias; no ano de 2000, 658 denúncias; no ano de 2001, 885 denúncias; no ano de 2002, 979 denúncias; no ano de 2002, 1050 denúncias; no ano de 1004, 1319 denúncias; no ano de 2005, 1330 denúncias; no ano de 1006, 1325 denúncias; no ano de 2007, 1456 denúncias; no ano de 2008, 1323 denúncias; no ano de 2009, 1431 denúncias; no ano de 2010, 1598 denúncias.

233 “O esgotamento dos recursos internos apresenta-se como um princípio clássico do direito internacional aplicado comumente à proteção diplomática. O princípio dita que a responsabilidade de um Estado por danos causados a estrangeiros só pode ser implementada em âmbito internacional depois de esgotados os recursos de direito internos interpostos pelos indivíduos em questão. Constitui-se em uma forma de oferecer sempre aos Estados a oportunidade de aplicar os mecanismos soberanamente estabelecidos por seu sistema jurídico interno para remediar ou ressarcir um ato ilícito. (...) Um histórico do Sistema Interamericano demonstra que o não atendimento ao princípio já resultou nas mais diferenciadas providências por parte da Comissão. Alguns casos foram rejeitados porque não atenderam ao requisito prévio de admissibilidade; outros foram simplesmente arquivados; outros casos ainda receberam por parte da CIDH uma maior atenção, o que possibilitou aos demandantes e/ou aos governos dos Estados a apresentação de informações adicionais a respeito das razões de não se terem esgotado os recursos de jurisdição nacional.” IN: PRONER, Carol. Op. Cit. (2002), p. 134.

possam “entrar” no Sistema Interamericano que vão para além do princípio enunciado acima - no caso, eles estão dispostos no artigo 46 da Convenção Americana234.

Cumpridos esses requisitos, a própria Comissão declarará cada caso como admitido e solicitará ao governo denunciado algumas informações. Concedidas ou não essas informações dentro de um prazo pré-estabelecido, a Comissão verificará se existem ou subsistem os motivos que ensejaram o peticionamento ou comunicação. Caso entenda que não, o caso será arquivado. Eis aqui a incidência de mais um fator limitante bastante poderoso.235

Na hipótese de entender que os fatos concretamente existem, a Comissão realizará uma investigação pormenorizada do assunto e tentará uma solução amigável entre Estado e denunciante; se o acordo for alcançado o caso nada mais terá a ver com qualquer ação jurisdicional, o que configura uma nova “peneira”.

Se não for alcançado, a Comissão redigirá um relatório, apresentando recomendações baseadas em seu exame sobre a matéria ao Estado-parte e terá três meses para decidir se remete o caso à Corte ou não236.

É possível notar, então, que além de um grande percurso até chegar a hora da CIDH “agir”, sua participação ficará vinculada ao crivo da Comissão, que tem o poder de entender (ou não) se a remissão deve ser feita.

Assim, os dados colhidos estão repletos de valor, mas devem ser visualizados sem perder de vista a incidência de todas essas condicionantes.

234

“Artigo 46: 1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: a. que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos; b. que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c. que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e d. que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. 2. As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando: a. não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados; b. não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c. houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.” Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm.

Último acesso em 20 de agosto de 2013.

235 PIOVESAN, Op. cit., p. 135. 236 Ibidem, p. 138.