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32 Nesse diapasão, por exemplo, STOLZ, Sheila Ponderações sobre o caráter universal dos direitos humanos São Paulo: Anais do Conpedi, 2009 p 8835 A autora diz que: “Precisamente agora que a

1.3 A proposta de Joaquín Herrera Flores

Partindo da premissa - a qual se comprova facilmente, basta olhar para fora de si mesmo e escolher uma das tantas mazelas existentes (mesmo que não inseridas dentro da temática indígena) para refletir - de que tanto o universalismo quanto o relativismo radical defende que pelo menos em alguns casos existe tal diferença.” MURCHO, Desidério. Ética e Direitos Humanos. Disponível em: <http://criticanarede.com/valoresrelativos.html>. Último acesso em: agosto de 2013.

141 FACHIN, Op. Cit. p. 61.

142 Ideia elaborada em artigo que propõe a concepção marxiana acerca do processo histórico de constituição da

riqueza humana universal para a superação do embate universalismo versus relativismo especificamente para a área de educação. Interessante para entender que, apesar da mudança de área, os problemas no enfrentamento da problemática do fundamento dos direitos humanos apresentam interfaces. DUARTE, Newton. A contradição

entre universalidade da cultura humana e o esvaziamento das relações sociais: por uma educação que supere a falsa escolha entre etnocentrismo ou relativismo cultural. Revista Educação e Pesquisa. Vol. 32, nº

3. São Paulo, Sept/Dec. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 97022006000300012&lang=pt>. Último acesso em agosto de 2013.

fracassaram na tarefa de serem fórmulas fundantes adequadas aos direitos humanos e fundamentais propõe-se um novo horizonte teórico para o mesmo tema.

É, então, justamente para superar a bipolaridade anteriormente plantada que o aporte de Joaquín Herrera Flores surge como proposta norteadora e, advoga-se, deve ocupar o lugar de dicotomias que não tenham logrado sucesso prático no trato dos direitos humanos.

Nas palavras do próprio:

As duas visões contém razões de peso para serem defendidas. O direito, visto desde sua aparente neutralidade, pretende garantir a “todos” e não a uns frente a outros, um marco de convivência comum. A cultura, vista desde seu aparente encerramento local, pretende garantir a sobrevivência de símbolos, de uma forma de conhecimento e de valoração que orienta a ação do grupo para fins preferidos por seus membros. O problema surge quando cada uma dessas visões passa a ser defendida apenas por seu lado e tende a considerar inferior as demais, desenhando outras propostas. O direito por sobre o cultural e vice-versa. A identidade como algo prévio à diferença ou vice- versa.144

O autor foi o marco teórico escolhido, pois se julga ser adequado para concluir o debate sobre a invenção dos direitos humanos e seu atual estágio paradoxal uma proposta voltada a reinventá-los. Já foi lançado anteriormente nesse trabalho afirmação parecida, mas frise-se: sendo necessário, nos trabalhos científicos, adotar uma linha especulativa, isto é, se há que se tomar uma posição, ela está tomada: “A aventura de experimentar a teoria crítica dos direitos humanos exige um compromisso ético inicial, uma tomada de posição prévia sem a qual a reflexão crítica emancipatória não tem lugar.”145

Antes de começar uma explicação: para construir as ideias subsequentes foram consultadas 6 obras, todas escritas/organizadas por Joaquín Herrera Flores ou por outros autores que compactuam de sua linha filosófica para homenageá-lo: i) A (re)invenção dos

direitos humanos146; ii) De habitaciones proprias y otros espacios negados: una teoria critica

144 FLORES, Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Mimeo

145 PRONER, Carol. Reinventando los derechos humanos: el legado de Joaquín Herrera Flores. In:

MARTINEZ, Joaquín Recio. Reinventemos los derechos humanos: aportaciones a la memoria y a la obra

de Joaquin Herrera Flores. Sevilla: Atrapasueños Editorial. (Não foi encontrada a data da publicação). p. 16.

de las opresiones patriarcales147; iii) Reinventemos los derechos humanos: aportaciones a la

memoria y a la obra de Joaquin Herrera Flores148; iv) El vuelo de anteo: derechos humanos

y crítica de la razón liberal149; v) Teoria Crítica dos Direitos Humanos: os direitos humanos

como produtos culturais150; vi) Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de

resistência151 (esta, um artigo).

O olhar de Flores integra o conjunto de visões ao qual se convencionou chamar Teoria Crítica do Direito, ao passo que é chegada a hora de, fluidamente ao detalhamento de algumas de suas ideias, tratar de certos aspectos dessa escola que opera essencialmente na busca de libertar os sujeitos negados do processo histórico.152

Não há apenas uma teoria crítica, senão muitas visões críticas englobadas nessa terminologia genérica153. Boaventura de Souza Santos, Panikkar e Helio Gallardo são outros referenciais bastante interessantes para se estudar nessa área. Mas, apesar disso, existem alguns verbos fundamentais que toda teoria que se proponha crítica deve conjugar: viabilizar,

desestabilizar e transformar.

Há, ainda, quatro deveres básicos para uma teoria crítica apoiar-se:

1. Assegurar uma visão realista do mundo em que vivemos e desejamos atuar utilizando os meios que nos trazem os direitos humanos (...);

2. Mas, o pensamento crítico vai além disso. É um pensamento de combate. Deve, pois, desempenhar um forte papel de conscientização que ajude a lutar contra o adversário e reforçar os próprios objetivos e fins. Quer dizer, deve ser eficaz com vistas à mobilização (...);

3. O pensamento surge em coletividades sociais determinadas, que dele necessitem para elaborarem uma visão alternativa do mundo e sentirem-se seguras ao lutar pela dignidade (...);

4. Por tais razões, o pensamento crítico demanda a busca permamente de exterioridade - não em relação ao mundo em que vivemos mas em relação ao sistema dominante.154

147 FLORES, Joaquín Herrera. De habitaciones próprias y otros espacios negados: uma teoria de las

opresiones patriarcales. Bilbao: Universidad de Deusto, 2005.

148 MARTINEZ, Op. Cit. 149 Op. Cit.

150 FLORES, Joaquín Herrera. Teoria crítica dos direitos humanos: os direitos humanos como produtos

culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

151 Op. Cit.

152 Id. Observação: livro em formato e-book e sem páginas demarcadas.

153 Aqui a abordagem escolhida é tratar da ideologia crítica desenvolvida por Herrera Flores. No entanto, as

origens dessa teoria remontam para a “Escola de Frankfurt”, tendo como pensadores inaugurais Adorno e Horkheimer, por exemplo.

Voltando ao plano da reinvenção dos direitos humanos, ao considerar que falar dessa matéria hoje é bastante diferente do que à época da Declaração de 1948 (naquele momento os economistas e políticos keynesianos formulavam estrategicamente uma “geopolítica de acumulação capitalista baseada na inclusão” e hoje, desde mais ou menos a década de 70, essa política vem se mostrando, na verdade, à serviço da exclusão generalizada155) Joaquín propõe que a teorização e o enfrentamento que existem por trás desses direitos também mudem, de forma a acompanhar e para além disso, efetivar, alçar ao mundo prático, as demandas humanas inseridas nesse contexto globalizante cada vez mais excludente e permeado por desafios.

Logo, o marco da necessidade de se aprofundar o debate sobre a reinvenção dos direitos humanos dado por Herrera Flores é o liberalismo político e econômico:

Os direitos humanos na atualidade devem ser entendidos de um modo diferente daquilo que foi estabelecido em 1948 na Declaração - autoproclamada - Universal. Necessitamos de uma perspectiva nova, pois o contexto é novo. Para os redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os objetivos principais eram dois: 1) a desconolização dos países e regiões submetidos ao poder e ao saqueio imperialista das grandes metrópoles; e 2) a consolidação de um regime internacional ajustado à nova configuração de poder surgida depois da terrível experiência das duas guerras mundiais, o qual culminou na Guerra Fria entre dois sistemas contrapostos. Para nós, ao final do século XX e depois da queda de um dos dois sistemas em confronto, o desafio consiste em nos defender da avalanche ideológica provocada por um neoliberalismo agressivo e destruidor das conquistas sociais arduamente alcançadas pelas lutas de movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e sindicatos durante mais de um século e meio.156

Flores leciona que é necessário construir uma cultura dos direitos que una os dois lados da moeda (expostos nos dois tópicos anteriores desse capítulo) que há muito não conseguem convergir: garantias universais e respeito pelo diferente em uma só teorização.157

Essa referida cultura necessariamente deve passar por algumas etapas obrigatórias, sinteticamente recortadas da seguinte maneira: uma visão complexa (que se localize na

155 Ao citar alguns dados dos nossos tempos como, por exemplo, a ainda presença massiva da miséria, a negação

de direitos trabalhistas para um contingente enorme de trabalhadores, mortes totalmente evitáveis por falta de saneamento básico que ainda ocorrem aos milhares, Joaquín fala, inclusive, que “estas são as cifras do fim da história, do final da bipolarização e do triunfo do pensamento e do poder únicos.” In: FLORES, Op. Cit,

Mimeo..

156 FLORES (2009, Florianópolis), p. 71. 157 FLORES, Mimeo, Op. Cit.

periferia e incorpore como conteúdo os contextos existentes e as múltiplas vozes sonantes ao seu redor), a racionalidade de resistência (voltada a não negar que é possível chegar a uma

síntese universal das mais diversas opções relativas aos direitos158) e, por fim, a prática intercultural.

É a partir do universalismo de chegada (ou de confluência) e não do universalismo de partida (ou a priori) que Flores propõe a superação da dicotomia universalismo X relativismo - ao universalismo há que se chegar, não do universalismo que necessariamente todos partimos. Esse caminhar até o “chegar”, assume-se, não é fácil senão conflitivo, construído por rompantes, contrastes, entrecruzamentos, mesclas e entremeado por diálogos159. O resultado, ao final, é o intercultural e o socialmente híbrido.

A pretensão, então, não deve ser que sejam todos os seres humanos iguais, mas sim que consigam estabelecer marcos interculturais, que possam encontrar maneiras de travar diálogos.

Para aclarar o alcance desse intercultural nada melhor do que as próprias palavras de Joaquín:

Toda prática cultural é, em primeiro lugar, um sistema de superposições entrelaçadas, não meramente superpostas. Este entrecruzamento nos conduz até uma prática dos direitos inserindo-os em seus contextos, vinculando-os aos espaços e às possibilidades de luta pela hegemonia e em estrita conexão com outras formas culturais, de vida, de ação, etc. em segundo lugar, nos induz a uma prática social nômade que não busque pontos finais ao acúmulo extenso e plural de interpretações e narrações e que nos discipline na atitude de mobilidade intelectual absolutamente necessária em uma época de institucionalização, regimentação e captação globais. E por último, caminharíamos para uma prática social. Nada é “puramente” uma só coisa.160

Dessas ideias colocadas, surgem outras tantas. Para começar, no que tange ao mundo jurídico, há, hoje, que se pensar em uma condição de Direito que não seja só dogmática, mas sim dinâmica, dialética, emanada das práticas, dos movimentos sociais161 - portanto é necessário fazer com que fora das leis também existam direitos. Isto porque os direitos, conforme exposto nos tópicos 1 e 2 deste capítulo podem ser vistos por várias perspectivas, mas diante da crise de valores da Modernidade o viés de entendê-los como fenômenos

158 Ibidem. 159 Ibidem. 160 Ibidem.

complexamente dotados de várias facetas (cultural, política, social, econômica, etc)162 deve sobrepor-se ao conceito dominante que os entende somente como frutos de uma normatividade pretensamente universalizante:

Toda formação social contém pautas culturais próprias a partir das quais se pode explicar, interpretar e intervir no mundo. É preciso reconhecer em todas as formas de vida algo assim como um direito à opacidade, ao próprio. Quer dizer, àquilo que, no caso do encontro, enriqueça a discussão com as diferenças que não nos diminuam nem justifiquem as desigualdades intergrupais. (...) Cada formação social que se desenvolve neste mundo imanente, em que vivemos como seres fronteiriços, estabelece uma determinada e particular forma de encaminhar as ações humanas para a dignidade. Em cada formação social, há quem aceita a concepção hegemônica/dominante de dignidade e de luta por ela e os que mostram uma atitude antagonista diante dela. (...) Por conseguinte, há plurais e multiformes modos de entender e atuar no mundo e, a partir deles, há plurais vias para alcançar esse algo diferente que supõe a luta antagonista pela dignidade.163

O pensamento crítico de Flores, dessa maneira, propõe a introdução de novas formas de sociabilidade não excludentes, que levem os seres humanos a recuperar a utopia164 (não no sentido daquilo que se mira, mas nunca alcança, mas com a conotação de uma visão de mundo melhor e plausível), que tenha o compromisso com a emancipação, que possibilitem o repensar do Direito em seu âmbito positivo e prático, apaziguando suas contradições e ambiguidades.

Até agora, como algumas vezes já sustentado, o Ocidente absolutizou sua racionalidade, já que prioritariamente alimentamos um estado monocultural de percepção. Ao revés, temos que buscar as respostas na forma tradicional de existência de outros povos, estabelecer diálogos com outras formas de resolução de conflitos, dar voz às narrativas alheias - o que inclui os povos indígenas, detentores de inúmeros saberes e ensinamentos sobre, dentre outras coisas, práticas de coletividade.

Há, ainda, que se desconstruir a ideia de que o essencial é alcançar o patamar em que todos tenham direito a ter direitos - este é um círculo vicioso e que tem se mostrado ineficaz, já que a igualdade formal não é suficiente para que tenhamos, todos, as mesmas

162 Ibidem, p. 45.

163 FLORES, (2009, Rio de Janeiro), e-book. 164 FLORES, (2009, Florianópolis), p. 112-116.

oportunidades165. Como substituto propõe-se a metodologia relacional de direitos humanos, a qual lança sua compreensão no sentido de que deve ser possibilitada a toda e qualquer pessoa a busca de sua dignidade humana.

Outra ação necessária na prática da teoria crítica é dar lugar à educação em direitos humanos. Como o primeiro passo para uma educação em Direitos Humanos passa pela própria crítica do conceito de educação há que se dizer que a educação é um processo social, mas também um processo político: sempre se educa direcionando a algum viés e por algum objetivo. Sendo assim, a educação pode ser tanto reprodutora de um discurso dominante como também, alternativamente, crítica e emancipatória.

São pontos importantes para a pedagogia dos Direitos Humanos: i) o empoderamento depende de cada contexto histórico, isto é, há que se buscar a causa de cada assimetria de poder para combater as expressões indesejáveis; ii) a fragmentação do conhecimento pode ser didática, mas como dito, por se tratar de um processo social deve ter-se em mente que são indissociáveis, também, fatores de caráter econômico, político, dentre outros. Sendo assim, parece ser mais vantajosa a separação por núcleos problemáticos do que meramente por matérias; iii) as instituições, entendidas como as emissoras de procedimentos e normas para a resolução de conflitos, também devem ser afetadas pelo processo de educação; iv) os processos sociais estão compostos pela interação permanente entre as forças produtivas e as relações sociais de produção.

Por fim, importante pontuar que uma maneira encontrada por Herrera Flores de demonstrar como pode se dar na prática a implementação adequada (complexa e relacional) dos direitos humanos nos moldes apontados anteriormente foi usando a metáfora, a ferramenta do diamante ético166, conceito em que criou categorias de análise para a compreensão e transformação da realidade.

O diamante é a figura escolhida por ser translúcida e com muitas facetas distintas. Ademais, falar em diamante pressupõe partir de algo bruto e que pode ser lapidado e, a partir daí, irradiar muito brilho - transformação também importante na prática cotidiana de Direitos Humanos.

165 Ibidem, p. 33.