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32 Nesse diapasão, por exemplo, STOLZ, Sheila Ponderações sobre o caráter universal dos direitos humanos São Paulo: Anais do Conpedi, 2009 p 8835 A autora diz que: “Precisamente agora que a

1.2. O relativismo cultural

A pergunta que deve inaugurar esse tópico é: homem (individualmente considerado) ou a cultura (atrelada à ideia de um(a) meio social/coletividade)?

Sim, olhar os direitos humanos e fundamentais a partir da lupa do universalismo ocidentalizado e que direciona o olhar àquela dignidade inerente, espontânea e automática de que seriam dotados todos os homens não é o único caminho existente possível. Eis aqui mais um.

Pode-se dizer que o embate universalismo versus relativismo ganhou realmente a condição de um dos problemas protagonistas, até hoje sem consenso doutrinário, na teoria dos direitos humanos e fundamentais com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos

104 ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2011. p.

46 e 47.

Homens e dos Cidadãos em 1948.106 Pretendendo os países responsáveis por sua concepção propagandear esse documento como a expressão máxima e irrefutável de que o caráter universal dos direitos humanos e fundamentais a partir de então era um ponto pacificado, ou seja, de que estava firmado um pacto global acerca de uma moral universal a ser trilhada por todos os povos indistintamente, faz sentido que esse período tenha se mostrado bastante fecundo para que alguns pensadores (e também alguns Estados107) começassem a indagar se esse novo paradigma era o mais adequado para comandar o mundo do Direito e dos direitos e se realmente conseguiria amoldar a ambos as particularidades políticas, legais e culturais de cada civilização, sem deixar de representar as tradições dos países “menos fortes”108 - e, caso

a resposta fosse negativa, como poderia ser criticado.109

Assim, essa onda de reação à estruturação da corrente majoritária110 - que se estabeleceu em diversas nuances, chegando até mesmo a refutar por completo os direitos humanos - fez com que o relativismo cultural ganhasse corpo e, desde então e ainda, hoje, a teoria relativista se tornou o principal antagonismo extremo existente à já estudada teoria hegemônica, pautada no universalismo etnocêntrico.111

Para situar o debate desde logo uma breve conceituação do que, filosoficamente, significa o vocábulo “relativismo”:

Relativismo é a doutrina (ou, nalguns casos, simplesmente a atitude) filosófica que, valendo-se da contraposição entre o uno e o múltiplo, frisa esta última polaridade, enfatizando o carácter relacional entre as unidades que a compõem e recusando sistemas de valores que por aquela polaridade e esse carácter não estejam devidamente regidos. Outra forma de o definir será a de dizer que relativismo desenvolve a perspectiva segundo a qual nenhuma coisa pode ser adequadamente encarada se total e artificialmente isolada daquelas com que, de uma ou outra maneira, se articula necessariamente. Assim, do ponto de vista de quem sustente tal doutrina, as coisas e os valores em consideração carecem de contextualização e terão de ser tomados como

106 BAEZ, Narciso Leandro Xavier. FORTUNA, Patrícia. As teorias relativistas dos direitos humanos:

aspectos históricos, principais argumentos e críticas. In: Anais eletrônicos do III Simpósio Internacional de

Direito: dimensões materiais e eficácias dos direitos fundamentais. p. 237. Disponível em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/simposiointernacionaldedireito>. Último acesso em agosto de 2013.

107 Nesses casos a argumentação baseava-se bastante no fato de essa nova ordem estar sendo construída e

imposta pelos vencedores da 2ª Guerra Mundial. Seria mais um caso dos vencedores ditando a história.

108 Do ponto de vista de político e econômico de conseguir capitanear decisões.

109 Importante pontuar que esse pensamento não nasceu “do nada” - já existiam vozes relativistas antes da

aprovação da Declaração, tendo inclusive algumas delas participado dos debates que precederam a aprovação do documento.

110 Obviamente que o mesmo ocorre com os adeptos da teoria universalista relativamente à teoria relativista, já

que os primeiros também criticam fortemente essa abordagem filosófica dos direitos humanos. Tal fato será aprofundado ao fim desse tópico.

relativas a outros e a um ou mais sistemas em que se integram e que os enquadram, não podendo ser afirmados em absoluto.112

Mas o que é cultura?113

Waldenir Caldas desencoraja os que pretendem lograr respostas fáceis e fixas a114 essa pergunta. Diz o autor, inclusive, que “a cultura é indefinível”, mas, por outro lado, seria também “a única obra eterna do homem”.

Afora a polissemia e também a vagueza, imprecisão e o largo uso da palavra115, outra dificuldade na conceituação desse termo se encontra justamente em como conciliar a unidade biológica dos seres humanos com a grande multiplicidade cultural da espécie a que pertencem. É, afinal, inegável, irrefutável, um verdadeiro fato que somos múltiplos. Mas talvez também seja igualmente verdadeiro que temos dificuldade de lidar com o “outro”. 116

Um, dentre incontáveis, exemplos dessa dificuldade de ampliar a visão para a compreensão das sutilezas alheias está na atitude de Padre Anchieta que ao estabelecer seus primeiros contatos com os índios tupinambás emitiu algumas reflexões permeadas de bastante espanto sobre os hábitos desse povo, principalmente no tangente às práticas antropofágicas e às relações sexuais parentais. 117

Em contato com a mesma etnia, Montaigne, dotado de um pouco mais de “jogo de cintura”, pode ser considerado um dos pioneiros do relativismo cultural, já que para o filósofo francês do século XVI as práticas antropofágicas desses ameríndios poderiam até ser consideradas bárbaras, mas não deveriam fazer com que os que as olhassem esquecessem de seus próprios defeitos. Daí sua frase: “na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra.”. 118

112 ROMÃO, Rui Bertrand. Relativismo. In: Dicionário de Filosofia Política e Linguagem. Instituto de Filosofia

e Linguagem da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Disponível em: <http://www.ifl.pt/private/admin/ficheiros/uploads/6a96111a6a1ebdb216a083cec75e711e.pdf>. Último acesso em agosto de 2013.

113 A dúvida aqui se refere à abordagem antropológica de cultura e não às acepções vulgares, já que normalmente

cada pessoa tem um conceito (ou vários) de cultura internalizados.

114 CALDAS, Waldenyr. Cultura. 5. ed. São Paulo: Global, 2008. Epígrafe. 115 Nos vocabulários, por exemplo, chegam a oito os sentidos da palavra.

116 Sobre isso aduz Manuel Gandara Carballido: “No planeta existe uma grandissíssima diversidade de culturas; tal fato evidencia-se pelo número de línguas vivas nos Estados independentes do mundo que chega a exceder 600, repartidas em mais de 5000 grupos étnicos.” CARBALLIDO, Manuel E. Gandara. En torno a la universidad de los derechos humanos: el aporte de Joaquín Herrera Flores. In: Revista de Derechos

Humanos y Estudios Sociales. Ano II.. Nº 4. Julio-Decembre, 2010. p. 91.

117 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,

2008. p. 12.

O que é certo é que as teorias deterministas (tanto biológicas quanto geográficas) ou evolucionistas, bastante remotas na tentativa de explicar as diferenças entre as pessoas, não foram suficientes para explicar a diversidade cultural do mundo e atualmente encontram-se totalmente superadas. 119

Cultura não é, pois, uma questão de raça, portanto é aprendida e não simplesmente transmitida por genes. 120

Mas o caminho até chegar a essa ideia (ou livrar-se da ideia que entendia o contrário) e, ainda, agregar-lhe outros símbolos, foi longo. E sem dúvida foi (e ainda o é) a Antropologia o terreno mais fértil em lançar luzes para o entendimento da cultura. Faz-se necessário, pois, nesse momento, abrir o peito a outra área do conhecimento e tentar navegar em suas águas.

Vasculhando esse campo do saber é possível aprender que genealogicamente o estudo da cultura remonta a três tradições europeias distintas: a francesa, a alemã e a inglesa.

121

Na teoria francesa, cultura era um conceito atrelado à ideia de civilização - esta, por sua vez uma concepção abstrata bastante conectada com a noção de universalidade já que dizia respeito às manifestações existentes não só dentro, mas também para além da nação francesa; em terras alemãs, no entanto, o vocábulo tinha significação contrária, visto que permeado de bastante nacionalismo. Exemplificando as ideologias para melhor aclaramento da questão: quando um francês expressava orgulho por suas realizações, falava em

Civilisation. Esta servia, então, para simbolizar os aspectos espirituais de toda uma comunidade122; já um alemão, na mesma situação, ou seja, para expressar orgulho por suas realizações, falava de sua própria Kultur. 123 Esta servia, então, para simbolizar as conquistas materiais de um povo.124 Por fim, na Grã Bretanha a preocupação essencial dos pensadores ao

119 Ibidem, p. 16.

120 KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p. 288. Na mesma toada

bastante interessante o exemplo traçado por KROEBER apud LARAIA, Op. Cit, p. 43-44, ao dizer que:

“Tomemos um bebê francês, nascido na França, de pais franceses, descendentes estes, através de numerosas gerações, de ancestrais que falavam francês. Confiemos esse bebê, imediatamente depois de nascer, a uma pajem muda, com instruções para que não permita que ninguém fale com a criança ou mesmo veja durante a viagem que a levará pelo caminho mais direto ao interior da China. Lá chegando, entrega a bebê a um casal de chineses, que o adotam legalmente, e o criam como seu próprio filho. Suponhamos agora que se passem três, dez ou trinta anos. Será necessário debater sobre que língua falará o jovem ou adulto francês? Nem uma só palavra de francês, mas o puro chinês, sem um vestígio de sotaque, e com a fluência chinesa, e nada mais.” 121 Id, p. 73.

122 LARAIA, Op. Cit., p. 25. 123 KUPER, Op. Cit., p. 54. 124 LARAIA, Op. Cit., p. 25.

falar de cultura era traçar um paralelo relacional entre alta cultura, cultura popular e progresso material na sociedade industrial. 125

Avançando no desenvolvimento do termo, Edward Tylor (1932-1917) foi um nome de destaque, posto que pioneiro, para os estudos sobre o tema. O antropólogo britânico foi responsável por visualizar e interpretar a seguinte equação: Civilisation + Kultur = Culture.

Com ela, derivaria o primeiro conceito de cultura reunido em uma só palavra, o “rascunho” dos moldes usados atualmente. 126

Para Tylor, em seu livro “Primitive Culture”, cultura é:

(...) tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.127

Além disso, Tylor buscou mostrar que a cultura poderia ser “objeto de um estudo

sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução.”128

Mas foi justamente por não se preocupar com o relativismo e com a diversidade cultural, mas ao contrário, somente se preocupar com a igualdade existente na humanidade, afirmando coisas como que raças no mesmo grau de evolução poderiam ser estudadas comparativamente, que a teoria de Tylor encontrou críticos.

Stocking, por exemplo, apesar de não ser o mais famoso deles, é um dos que lhe atacou por “Deixar de lado toda a questão do relativismo cultural e tornar impossível o

moderno conceito de cultura.”. 129

Naquele momento, Franz Boas130 foi o autor que deixou o maior legado ao criticar o conceito evolucionista (método comparativo) de Tylor e, com isso, ampliar sobremaneira os

125 KUPER, Op. Cit., p. 71.

126 Importante dizer que nesse meio tempo foram importantes os contributos de Locke, Turgot (1727-1781) e

Rousseau (1712-1778) para que Tylor chegasse ao seu conceito.

127 LARAIA, Op. Cit., p. 25. 128 Id, p. 30.

129 Id, p. 36.

130 Para entender mais sobre a vida e a obra de Boas consultar PEREIRA, José Carlos. Educação e cultura no

horizontes da cultura, dissociando-a do engessamento causado pelo atrelamento à ideia de raça ou de evolução. Esse autor bateu bastante na tecla de que a cultura não seria algo evolucionista ou transmissível geneticamente, pontos já tratados aqui anteriormente. Afirma categoricamente, por exemplo, que “não existe uma diferença fundamental nos modos de pensar do ser humano primitivo e do civilizado”.

Note-se que a tecnologia é o parâmetro utilizado pela teoria evolucionista para graduar/hierarquizar selvagens, bárbaros e civilizados e, inegavelmente, esse conceito é muito raso. Impossível não lançar da provocação: do que adiantam, per se, as máquinas?

Faz-se necessário abrir parênteses no que vinha sendo tratado para trazer um dado bastante interessante sobre a realidade dos indígenas sul-matogrossenses (notadamente os

guarani e kaiowa): enquanto o MS é o ente federativo com o maior número de abates de gado bovino dentre todos os estados do Brasil131, é também considerado o “oeste brasileiro” segundo o jornal inglês The Guardian132, já que o número do assassinato de indígenas em suas fronteiras é maior do que a soma de em todos os outros 25 estados brasileiros. Há agronegócio de ponta, mas também há, conforme já semeado na Introdução, ausência de direitos humanos e fundamentais aos povos indígenas. De fato o conceito de cultura que se baseie na ideia de “evolução tecnológica” não atende aos objetivos deste estudo.

Dando um salto no tempo e partindo para as teorias modernas de cultura (cultura como sistema adaptativo, cultura como sistema cognitivo, cultura como sistemas estruturais, cultura como sistemas simbólicos133), pensa-se ser importante, para esse trabalho, abordar, mesmo que sumariamente, o que pensam sobre o tema dois autores, ambos antropólogos: Levi-Strauss e Manuela Carneiro da Cunha. Esses dois nomes foram escolhidos porque entende-se que fornecem aporte para amarrar o pequeno desenrolar histórico do termo traçado

agosto de 2013. Disponível em: <http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n10/artigos/pdf/pv10-09-pereira.pdf>. O autor explica que: “Na Introdução [da obra The mind of primitive man], Boas pontua a diversidade de povos

que habitam o globo, cada um com seus diferentes aspectos, idiomas e vida cultural, suas próprias invenções e costumes. Destaca que é crença muito generalizada, que raça e cultura devem estar intimamente associadas e que a origem racial determina a vida cultural. Isso levaria a crer também na teoria da superioridade de uma raça sobre a outra, o que Boas vai contestar ao longo dessa sua obra. Com uma série de questionamentos, Boas introduz a leitura de sua obra com um olhar crítico sobre teorias até então muito aplicadas, como, por exemplo, o evolucionismo e o determinismo.”

131 Segundo fontes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento foram 4,3 milhões de abates entre os

anos de 2010 e 2011.

132 WATTS, Jonathan. Killings of Brazil’s indigenous Indians highlight tensions of land disputes. 08 de

agosto de 2013. Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/2013/aug/08/brazil-land-indigenous- people-killings>. Último acesso em agosto de 2013.

133 Para entender mais sobre cada uma delas consultar KEESING, Roger. In: Theories of culture. Annual

anteriormente e trazem ainda algumas outras elucidações para os estudos da cultura especificamente dos povos indígenas.

Levi-Strauss, filiado à escola estruturalista, produziu o texto “Raça e História” sobre encomenda da UNESCO após a 2ª Guerra Mundial com o escopo de derrubar ideias de ódio e preconceito sobre raças. Um ponto dessa narrativa é fundamental para os objetivos desse trabalho já que a mirada Levi-straussiana não deixa sem punição a falsa ideia de evolução, a qual entende que só contribuiria para a cumulação de riquezas, a ocidentalização mundial e o atropelamento da diversidade cultural.

Fala-se do conceito desconstruído por Strauss a respeito da dualidade entre as culturas que se movem (avançam no tempo) e as que não se moveriam (permaneceriam para sempre primitivas)- sendo estas últimas a, por exemplo, dos índios.134 Este trabalho está longe de compactuar com essa ideia de primitividade, desejando, ao contrário, analisar possibilidades de diálogos (e como elas podem se fazer mais efetivas) entre os povos indígenas e o Direito.

Para Manuela Carneiro da Cunha existem dois tipos de cultura: a sem aspas, cultura, e a com aspas, “cultura” - esta relacionando-se com a ideia de etnicidade que, “como qualquer

forma de reivindicação de cunho cultural, é uma forma importante de protestos eminentemente políticos.”135. Em um exemplo prático (atentar para o jogo das as aspas/não

aspas!) a autora os diferencia da seguinte maneira:

(...) os Kayapó não estão preocupados em preservar nomes em geral, mas apenas aqueles pertencentes a cada casa materna. Deveríamos concluir que a cultura tem sua própria “mão invisível” e não é senão o resultado geral do apego de cada um às suas próprias prerrogativas? Talvez seja mais relevante perceber que, dado o caráter fracionado desse apego à riqueza imaterial de cada casa, a noção de um patrimônio cultural coletivo e compartilhado pode não ser pertinente na chave tradicional Kayapó. (...) Há uma marcada diferente entre a cultura entendida desse modo, passível de acumulação, empréstimos e transações, e aquela que chamei de “cultura” e que opera num regime de etnicidade. Nesta última, entre outras coisas, a cultura é homogeneizada, estendendo-se democraticamente a todos algo que é, de um outro ponto de vista, uma vasta rede de direitos heterogêneos. Num regime de etnicidade, pode-se dizer que cada kayapó tem sua “cultura”; no regime, anterior, que coexiste com o outro, cada kayapó tinha apenas determinados direitos sobre determinados elementos de sua cultura.136

134 STRAUSS, Op. Cit.

135 CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 372. 136 Ibidem, p. 244.

Saindo da Antropologia e respirando um pouco na História da Literatura, bastante interessante a investigação de Alfredo Bosi, que em sua obra “Dialética da colonização”

aduz que:

Começar pelas palavras talvez não seja coisa vã. As relações entre os fenômenos deixam marcas no corpo da linguagem. As palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é

cultus e o particípio futuro é culturus.

E mais especificamente sobre a cultura continua:

O termo, na sua forma substantiva, aplicava-se tanto às labutas do solo, a agri-cultura, quanto ao trabalho feito no ser humano desde a infância; e, nesta última acepção vertia romanamente o grego paideia. O seu significado mais geral se conserva até nossos dias. Cultura é o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social. (...) Cultura supõe uma consciência grupal operosa e operante que desentranha da vida presente os planos para o futuro. (...) Esse vetor da cultura como consciência de um presente minado por graves desequilíbrios é o momento que preside à criação de alternativas para um futuro de algum modo novo.

Assim, visto o que significa “relativismo” por si só e também já traçadas algumas possibilidades de entendimento do termo “cultura” autonomamente falando (ou pelo menos do que não é cultura, das armadilhas que devem se evitar para uma adequada compreensão antropológica do termo...), pode-se continuar dizendo que as duas terminologias agregadas, isto é, a expressão relativismo cultural, designaria a ideia de que “bem” ou “mal”, “certo” e “errado” seriam padrões relativos, a depender de como cada cultura onde esses padrões inserem-se os encarar. Com isso, nenhum padrão cultural seria melhor do que outro, e por isso passível de ser considerado a lógica definitiva para toda a sociedade.

Nas palavras de Harry Gensler:

O relativismo cultural defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O "bem" coincide com o que é "socialmente aprovado" numa dada

cultura. Os princípios morais descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas normas da nossa sociedade.137

Nas de Flávia Piovesan:

Para os relativistas, a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Não há moral universal, já que a história do mundo é a história de uma pluralidade de culturas.138

Atentar para o fato de que, embora comumente possam ser descritos como sinônimos, relativismo cultural é um conceito eticamente diverso da simples diversidade cultural: muito mais amplo e consolidado com o status de uma verdadeira tese139, com suficiente força para manter-se mesmo contra-hegemonicamente, do que a mera coexistência de diversas culturas diferentes em um mesmo espaço.140

137 GENSLER, Harry. Ética e relativismo cultural. 2004. Disponível em:

<http://criticanarede.com/fil_relatcultural.html>. Último acesso em agosto de 2013. Em outra parte de seu texto, o autor cria a figura ficcional da “Ana Relativista” para explicar mais didaticamente o que seria a corrente. Essa personagem diz, de forma bastante despachada, sobre si mesma: “O meu nome é Ana Relativista. Aderi ao relativismo cultural ao compreender a profunda base cultural que suporta a moralidade. Considere a minha crença de que o infanticídio é um mal. Ensinaram-me isto como se se tratasse de um padrão objectivo. Mas não