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A FORMAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL

A Saúde do Trabalhador no Brasil surgiu enquanto uma prática social instituinte, que se propõe a contribuir para a transformação da realidade de saúde dos trabalhadores, e por extensão a da população como um todo, a partir da compreensão dos processos de trabalho particulares, de forma articulada com o consumo de bens e serviços e o conjunto de valores, crenças, ideias e representações sociais próprios de um dado momento da história humana.

Em condições práticas, as ações de Saúde do Trabalhador apresentam dimensões sociais, políticas e técnicas indissociáveis. Como consequência, esse campo de atuação tem interfaces com o sistema produtivo e a geração de riqueza, a formação e o preparo da força de trabalho, as questões ambientais e a seguridade social. As ações de saúde do trabalhador estão ainda integradas às de saúde ambiental, uma vez que os riscos gerados nos processos de trabalho podem afetar, também, o meio ambiente e a população em geral.

Para Lacaz (1996), a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com a Constituição Federal de 1988 e as leis nº. 8.080/90 e nº. 8.142/9031 previram

a incorporação das ações em saúde dos trabalhadores como parte da Política social de Saúde na perspectiva do direito à saúde.

Em 1998 destaca-se a portaria nº. 3.908 de 30 de outubro instituindo no Ministério da Saúde a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (NOST) em que se recomendava a criação de unidades especializadas de referência em saúde do trabalhador. A Rede nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) principal estratégia do SUS fora um marco dessa recomendação, onde a criação de uma rede nacional de informação e práticas de saúde organizada propunha a implementação de ações assistenciais de vigilância e de promoção à saúde no SUS.

31 Desde essa época colocou-se em debate a necessidade de se implantar e implementar uma

Política Nacional em Saúde do Trabalhador (PNST) que integrasse os vários ministérios afetos a essa problemática dentre eles, principalmente o Ministério da Saúde (MS), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério da Previdência Social (MPS). (LACAZ, 2010, p.199)

Desta maneira, entre os determinantes da Saúde do Trabalhador encontram- se os compreendidos como condicionantes macro estruturais vinculados aos aspectos sociais, políticos, econômicos e tecnológicos, além daqueles inerentes aos processos e ambientes de trabalho, tais como os fatores de riscos ocupacionais (físicos, químicos, biológicos, mecânicos, ergonômicos) e aqueles decorrentes da organização laboral. Portanto, as ações de Saúde do Trabalhador deveriam ter como foco as mudanças nos processos de trabalho que contemplem as relações saúde-trabalho-doença em toda sua complexidade, por meio de uma atuação interdisciplinar, intersetorial e multiprofissional.

O objetivo da implantação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST), desde 2002, fora ser polo irradiador como suporte técnico e científico em saúde do trabalhador nas relações do processo de trabalho com a saúde dos trabalhadores em todos os territórios. Entretanto, Lacaz, Machado e Porto (2002), consideram que ele não se tornou unidade de retaguarda técnica e sim porta e entrada para acolher trabalhadores vítimas de doenças e acidentes do trabalho no sentido de tratá-los e reabilitá-los à reinserção no mercado de trabalho.

A 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (I CNST) fora um marco legal para a superação da vinculação aos conceitos de medicina do trabalho32 e ao da saúde ocupacional33, diante do processo saúde-doença socialmente determinado historicamente e biologicamente na relação trabalho e saúde.

Como forma de enfrentamento aos problemas advindos no/pelo trabalho, na década de 1990, diversas portarias e leis foram criadas com o objetivo de garantir os princípios básicos e a efetivação da Política Nacional em Saúde do Trabalhador34

(PNST).

32 Para Domingos e Pianta (2012), concepção baseada na unicausalidade, que reconhece que todo

acidente ou doença tem uma única causa e cada causa determina um único acidente ou doença. Os acidentes são explicados como a resultante exclusiva da ação isolada do trabalhador, ato inseguro, e as doenças como resultantes específicas da atuação de agentes patogênicos específicos sobre o organismo do trabalhador através da Abordagem biologicista e individual; Centrada no conhecimento médico; Exposição a agentes externos e Relação causa-efeito.

33 Para Domingos e Pianta (2012), concepção baseada na multicausalidade, que reconhece a

multiplicidade ou interação de vários agentes físicos, químicos, mecânicos e biológicos como causadores de acidentes e doenças. Valoriza os aspectos externos ao trabalhador, reproduzindo a forma tradicional da engenharia e da medicina de encarar os acidentes e as doenças, fenômenos de ordem técnica ou biológica centrados no indivíduo, e adotando medidas saneadoras sobre o ambiente de trabalho, higiene no trabalho através da Abordagem multicausal e interprofissional; Centrada nas relações técnicas do trabalho; Intervenção baseada na diminuição da frequência e no nível de exposição e da Relação risco versus doença.

34 Conforme Dias (1994) a Saúde do Trabalhador pode ser abordada a partir de três principais

Nesse enfrentamento temos os protagonistas sociais e políticos envolvidos na II Conferência Nacional de saúde do Trabalhador (II CNST, março de 1994) que debateram e reafirmaram a responsabilidade do SUS frente aos acidentes de trabalho. O relatório final da II CNST garantiu “[...] a unificação no SUS de todas as ações de saúde do trabalhador”. Esta conferência também foi marcada pela disputa quanto aos espaços de atuação entre os Ministérios do Trabalho e da Saúde.

Segundo Lourenço e Bertani (2007, p.122), na área da Saúde do Trabalhador, a participação política de trabalhadores35 e demais sujeitos foi responsável pelas definições dos elementos de incentivo, tanto econômicos como ideológicos, do Ministério da Saúde (MS) para implantação concreta dessa área do conhecimento e de intervenção, a qual passa a ter condições concretas de ser efetivada a partir da publicação da Portaria 1.679 de 19 de setembro de 2002 (BRASIL, 2002a).

Esta portaria normatiza a “habilitação” e o convênio entre os municípios, o Estado e o Ministério da Saúde (MS) para a implantação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST)36 em âmbito regional, reconhecendo que, nos ambientes e processos de trabalho, há condições que favorecem agravos à saúde “de quem trabalha” na perspectiva epidemiológica dos trabalhadores expostos à insegurança no trabalho.

realização de eventos sobre a temática trabalho e saúde e pela criação dos Programas de Saúde do Trabalhador (PST) possibilitou uma aproximação do movimento sindical nesta temática. O segundo período (1987-1990) fora norteado pelos acontecimentos da construção da Carta Constituinte e da Lei Orgânica da Saúde, dando legitimidade e inclusão legal à saúde do trabalhador como atribuição da saúde pública e para implantação na rede de serviços de saúde. O terceiro momento corresponde ao da contradição entre o avanço legal do setor saúde do trabalhador e a adoção política do neoliberalismo com proposição inversa às garantias constitucionais para defesa do Estado mínimo frente às políticas sociais públicas.

35 O modelo da Saúde do Trabalhador foi construído a partir da intervenção direta dos trabalhadores

nas questões que dizem respeito à sua saúde, no local de trabalho. [...] Cansados de terem seus direitos violados passaram a exigir das empresas e do governo a sua participação direta no controle da saúde e do risco nos locais de trabalho. O modelo de fiscalização do Estado através das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT) do Ministério do Trabalho (MTb), passou a ser questionado, já que apenas reproduz o controle “técnico” dos riscos ambientais, sem prever a participação permanente dos trabalhadores nas decisões que dizem respeito à sua saúde. Viu-se também que estas intervenções “pontuais” e esporádicas do Estado não eram suficientes para garantir boas condições de trabalho e o fim das doenças e acidentes.

36 Através de uma rede de Centros de Referência e Saúde do Trabalhador (CRST) associado à rede

de Atenção Básica (AB) e ao Programa Saúde da Família (PSF) hoje Estratégia da Saúde da Família (ESF). Essa rede fora a principal medida apontada na portaria 1.679 para organização das ações e serviços voltados à atenção da saúde dos trabalhadores.

Segundo a portaria supracitada, o pessoal que comporá as equipes dos CRTS, deverá ser composto de 03 (três) profissionais de nível superior37 para o

CRST regional e 05 (cinco) do estadual, mediante pactuação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) tendo parâmetro de carga horária mínima de 20horas de acordo com cada tipo de CRTS.

A portaria nº. 2.437 de 07 de dezembro de 2005 dispusera sobre a ampliação e fortalecimento da RENAST passando o CRST a ter a sigla de CEREST, ainda como unidade especializada de retaguarda para as ações em Saúde do Trabalhador. Assim a forma de atendimento definida pelo modelo de atenção da RENAST e operacionalizada pelos CERESTs responsáveis pela rede de cuidado segundo as vertentes: da atenção a agravos à saúde relacionada ao trabalho e alocada em atenção básica, urgência, emergência, e média e alta complexidade através da rede sentinela e a vertente da atuação em ambientes e situações de trabalho geradoras de doenças através da Vigilância em Saúde englobando a Vigilância Sanitária, Epidemiológica, ambiental e em Saúde do Trabalhador. Desse modo, ampliaria e fortaleceria a intrassetorialidade de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, a fim da adequação e ampliação da rede de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) e da inclusão das ações de saúde do trabalhador na atenção básica.

O agravamento dos problemas de saúde relacionados ao trabalho é importante indicador para avaliar os efeitos do processo de reestruturação produtiva para os trabalhadores. As mudanças no universo da produção e do trabalho agravadas pelas condições de trabalho e pela quase impossibilidade de fiscalização nos ambientes de trabalho resultou em agravos físicos e psíquicos à saúde dos trabalhadores.

Logo, identifica-se um amplo espaço de intervenção do trabalho do assistente social na área da saúde na atribuição de esclarecimento, na

37 Pelo menos dois médicos e um enfermeiro com formação em saúde do Trabalhador. Para a equipe

do CRST estadual, está previsto 05 (cinco) profissionais de nível superior, sendo dois médicos, e um enfermeiro e mais 03 (três) profissionais de nível médio, sendo um auxiliar de enfermagem. Dentre os profissionais de nível superior com formação em saúde do trabalhador que podem compor as equipes dos estão os médicos generalistas, médico do trabalho, médicos sanitaristas, engenheiro, enfermeiro, psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, sociólogos, ecólogos, biólogo, terapeuta ocupacional e advogado (BRASIL, 2002a).

democratização de informações, dados e pesquisas sobre as condições de trabalho, as doenças, controle de riscos e determinantes sociais e ambientais.

Compete a assistentes sociais no campo da Saúde do Trabalhador no que diz respeito ao SUS:

I- Participar da assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

II- Participar em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais a saúde existentes no processo de trabalho; III- Tornar público os agravos que as tecnologias provocam a saúde; IV- Informar ao trabalhador e a sua respectiva entidade sindical e as

empresas, a partir de estudos dos usuários atendidos, sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho;

V- Tornar publico a ausência/deficiência de fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

VI- Participar da comunicação as instancias competentes sobre doenças originadas no processo de trabalho, buscando a colaboração das entidades sindicais;

VII- Publicizar dados que indiquem a necessidade de interdição de maquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, que signifiquem exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. (VASCONCELOS, 2007, p.262-263 apud OLIVEIRA, 2009).

Contudo, para intervenção profissional se faz necessário saber que a Lei Orgânica da Saúde de 1990 delegou ao SUS a revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho a partir da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, revista anualmente possibilitando ainda, a inclusão de novas doenças, assim como a inclusão por parte do Ministério da Previdência e Assistência Social, da regulamentação do conceito de Doença Profissional e de Doença Adquirida pelas condições em que o trabalho é realizado (BRASIL, 2001b), sendo ainda utilizada a expressão acidentes de trabalho para ser referido às doenças ocasionadas pelo e no trabalho.

De acordo com Bravo (2000, p. 113), “a política de saúde tem sua consolidação articulada a dois projetos societários em direções opostas”. O primeiro, a Reforma Sanitária - projeto contra-hegemônico e democrático - em busca da ampliação dos direitos sociais. O outro projeto privatista - hegemônico neoliberal - pautado na política de ajuste neoliberal com caráter focalizado para atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços em nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento.

Nessa construção histórica da saúde no Brasil, a implantação da atenção à saúde do trabalhador no SUS foi marcada pelo caos do Sistema de Saúde, no embate entre propostas antagônicas construídas, uma na perspectiva do projeto da Reforma Sanitária e outra do projeto neoliberal; pelas disputas corporativas e pela ausência de mecanismos claros e efetivos de financiamento para as ações no SUS.

Portanto, a apreensão das contraditórias implicações das condições de trabalho na saúde (processo saúde-doença) das (os) assistentes sociais na Região Metropolitana de Natal (RMN), sujeitos dessa pesquisa38, se faz necessário para analisarmos aspectos que podem influenciar no processo de adoecimento ocasionado a partir das condições de trabalho nos serviços de saúde pública.

Como exemplo, tem-se a falta e/ou perda do adicional de insalubridade, condição objetiva inserida na condição econômica que retrata o direito do trabalhador em ambientes que ocasionam algum dano a sua saúde dentre as perdas de direitos que refletem complexas relações de interesses na dinâmica do capital na contemporaneidade diante dos investimentos na Atenção à Saúde do Trabalhador não se limitando apenas ao financiamento dos Cerest’s.