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O ponto de partida para as reflexões aqui desenvolvidas é apreender como se caracteriza o trabalho das (os) assistentes sociais que atuam nos hospitais da Rede Estadual na RMN. Para chegar a essa caracterização, precisa retomar elementos que apresentam a emergência da profissão nesse campo. Nesse contexto, Lessa (2003, p. 66) ressalta

que o Serviço Social emergiu como profissão paramédica (subsidiária da ação médica) na divisão sociotécnica do trabalho em saúde, num contexto de ascensão do saber clínico e hospitalar contemporâneo, destacando que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira instituição de saúde a incorporar o trabalho dos assistentes sociais em 1943.

Nessa época, de acordo com Iamamoto (2003), no campo do Serviço Social ‘médico’, as iniciativas dos assistentes sociais eram ligadas à puericultura e à profilaxia de doenças transmissíveis e hereditárias. Portanto, a atuação se dava a partir de triagens, elaboração de fichas pessoais, distribuição de auxílios financeiros, conciliação de acesso dos pacientes, vistos como clientes, aos tratamentos e cuidados quanto aos aspectos psicológicos e emocionais, assim como atuavam na adequação de comportamentos dos seus clientes44 às normas e rotinas

institucionais a fim de garantirem os objetivos da classe dominante a partir do processo de produção capitalista. Desse modo, a função do assistente social de auxiliar o médico e suas atribuições eram determinadas por esse profissional, função subalterna desde os primórdios devido a utilidade social da profissão.

Somente no final do ano de 1960, a partir da criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) que se deu com mais intensidade, no Brasil, a abertura do campo de trabalho na área da saúde para além da ação coercitiva e assistencialista do profissional de Serviço Social.

A partir de então, segundo Iamamoto (1982), é institucionalizada a profissão, sendo o Estado o maior empregador, passando o assistente social a trabalhar no desenvolvimento das Políticas Sociais implantadas pelo governo, como um profissional assalariado, condição assalariada que envolve parâmetros institucionais e trabalhistas, os quais regulam as relações de trabalho consubstanciadas nos contratos de trabalho (jornada, salário, controle do trabalho, índices de produtividade e metas a serem cumpridas).

Com a Constituição Federal de 1988, na qual a saúde passa a ser um direito de todos e dever do Estado, houve ampliação de postos de trabalho para os assistentes sociais nos serviços de saúde dentre outros da Seguridade Social do Brasil.

Lessa (2003) destaca que esse avanço no campo da Política de Saúde trouxe algumas mudanças para a profissão do Serviço Social, dentre elas as três dimensões seguintes: as alterações do mundo do trabalho, as novas demandas que foram postas ao assistente social e a identificação da direção das respostas para essas demandas. Diante disso, surge para esses profissionais a necessidade de um novo posicionamento, um novo modo de realizar suas ações.

As exigências atuais da interlocução com os sujeitos participantes das relações sociais, econômicas e políticas descrevem o que Vasconcelos (2006), afirma ser o Serviço Social: indispensável à dinâmica institucional, que precisa de ‘tranquilidade’ no seu cotidiano, o que exige ‘abafar’ os conflitos, dando uma aparência de calma e normalidade ao andamento da ação médica. A equipe médica requisita medicamentos e exames necessários ao tratamento, sem ter a preocupação se o paciente tem ou não a condição financeira de prosseguimento ao tratamento, ou mesmo quer saber as condições sociais e econômicas para aquisição destes medicamentos e serviços através de recursos próprios.

Para o profissional do Serviço Social cabe a responsabilidade de intervir nas situações, dando respostas e encaminhamentos que poderão propiciar o tratamento e suas mediações. Especificidade do trabalho dos assistentes sociais que na sua cotidianidade se vê em meio às alienações frente aos confrontos entre possíveis e impossíveis, ou seja, poder que coisifica as relações entre as pessoas.

A partir de 199945 o assistente social (Artigo 2º.) é considerado profissional da saúde, sendo qualificado com competência técnica, teórico-metodológica, para intervir nas diferentes dimensões da questão social, no âmbito das Políticas Sociais presentes nos espaços sócio-ocupacionais do serviço público de saúde.

Essa normativa regulariza a intervenção do assistente social junto às questões socioculturais e econômicos na prestação de serviços nos níveis de promoção, proteção e/ou recuperação da saúde. Embora, contribua para o atendimento às demandas imediatas da população, democratiza o acesso às informações e ações educativas para que a saúde possa ser percebida como produto das condições gerais de vida e da dinâmica das relações sociais, econômicas e políticas do País.

O amadurecimento da trajetória46 da profissão47 na área da saúde pode ser

vislumbrado a partir da resolução CFESS em março de 2009, ao estabelecer atribuições do profissional de Serviço Social e nos parâmetros de atuação do assistente social na saúde voltado à direção dos projetos da Reforma Sanitária e do Ético-Político do Serviço Social, no intuito do fortalecimento do trabalho dos (as) assistentes sociais na saúde, imprimindo maior qualidade ao atendimento prestado à população usuária dos serviços de saúde em todo o Brasil.

Apesar desta regulamentação a conjuntura política e econômica está a favor da recomposição do ciclo de reprodução do capital, determinando mudanças no

45 A Resolução n.º 383 de 29/03/1999 do CFESS/CRESS, que considerando a resolução do Conselho

Nacional de Saúde - CNS nº 218 de 06 de março de 1997, caracterizou o assistente social como profissional de saúde (Art.1º) para atuar no âmbito das Políticas Sociais. (CFESS, 1999).

46 Sobre a trajetória intelectual ver Anexo C.

47 O encontro com a teoria marxista permitiu a profissão a compreensão do seu sentido e o lugar que

esta ocupa no conjunto das contradições capitalistas. A incorporação desta orienta a construção do Projeto Ético Político da profissão que se expressa na formação da (o) assistente social através de um novo currículo, permitindo assim, um direcionamento na sua formação para uma visão crítico- dialética, a partir da qual, pode-se avançar de práticas assistencialistas a respostas efetivas através das Políticas Sociais, as quais são estratégias do sistema capitalista para responder as expressões da Questão Social. Desta forma os assistentes sociais contam ainda, com legislações que balizam o fazer profissional, dentre elas, o Código de Ética Profissional e a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº. 8662/93) que norteiam a prática deste profissional possibilitando-a ser mais politizada.

mundo do trabalho provocando impactos nas práticas sociais que intervém no processo de reprodução material e espiritual da força de trabalho.

Desse forma, tais impactos são vistos no trabalho do assistente social em diversas dimensões: nas condições de trabalho, na formação profissional, nas influências teóricas, na ampliação da demanda e na relação com os demais profissionais e movimentos sociais. Amplia-se o trabalho precarizado e os profissionais são chamados a “amenizar” a situação da pobreza absoluta a que a classe trabalhadora é submetida, da qual o profissional de Serviço Social também é participante.

Assim, faz-se necessário elucidar o exercício profissional nas particulares condições e relações de trabalho em que se inscreve, reconhecendo tanto suas características enquanto trabalho útil48 ou concreto, quanto a sua dimensão do trabalho humano abstrato49.

Exercício profissional realizado pela mediação do trabalho assalariado que tem no Estado (serviço público) e nos seus organismos privados os pilares de maior sustentação dos espaços ocupacionais desse profissional. Trabalho que na maioria das instituições hospitalares da RMN não são exercidos de acordo com as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social estabelecidos na Resolução CFESS nº. 493/2006, de 21 de agosto de 2006.

Essa Resolução determina que o local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas; espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado (Art. 2º).

Ao analisar a refração da reestruturação produtiva para a classe trabalhadora Mota e Amaral (2008) destacam seus rebatimentos também para a (o)

48 O trabalho como criador de valores de uso, características dos processos de trabalho.

49Trabalho abstrato é o trabalho humano na sua dimensão QUANTITATIVA que leva em conta o

tempo de trabalho realizado e se abstrai dele sua utilidade, qualidade e heterogeneidade. É a quantidade de trabalho existente na mercadoria, que possibilita que se troque por outra mercadoria que contem outro trabalho humano indiferenciado, homogêneo, igualado somente pela quantidade.

assistente social, enquanto trabalhador assalariado, inserido na divisão sócio-técnica do trabalho, dispondo de sua força de trabalho e da sua relativa autonomia, embora dependa das instituições empregadoras para a viabilização da sua intervenção profissional, bem como a construção de outras formas de sociabilidade figuradas em alternativas à ordem do capital.

Essa conjuntura adversa é responsável, de acordo com Behring e Boschetti (2007, p.133), pelas mudanças na organização do trabalho, como por exemplo: “o desemprego de longa duração, a precarização das relações de trabalho, a ampliação de oferta de empregos intermitentes, em tempo parcial, temporários, instáveis e não associados a direitos.”.

A (o) assistente social, colocado nestes espaços, requer o conhecimento da problematização e análise prospectiva e propositiva sobre a realidade em que atua, tendo consciência que não dispõem de todas as condições necessárias à efetivação de uma prática coerente com os princípios do Projeto Ético-Político do Serviço Social, o qual não se pauta pela defesa de interesses específicos de uma profissão, ou de um segmento, suas lutas fundamentam-se: no reconhecimento da liberdade, autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; na defesa intransigente dos direitos humanos e na recusa do arbítrio e do autoritarismo; na ampliação e consolidação da cidadania, com vistas à garantia dos direitos das

classes trabalhadoras; na defesa da radicalização da democracia, enquanto

socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; no posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegurem universalidade de acesso aos bens e serviços, bem como sua gestão democrática; e no empenho para a eliminação de todas as formas de preconceito. (CFESS, 2011).

O desafio ético-político consiste na transformação da consciência do direito numa possibilidade efetiva, uma vez que o Serviço Social não está alheio à realidade social da sociedade capitalista.