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Formação de Professores: um processo de reconceptualização

8 Supervisão – estilos e funções

10. Formação de Professores: um processo de reconceptualização

Compreendida como processo complexo, a formação de professores é assumida hoje como missão da mais alta complexidade, pela natureza social e humana das suas implicações e pelo carácter simbólico das subjectividades com as quais se tecem as perspectivas e as práticas.

A emergência da globalização colocou o mundo perante a dificuldade de serem defendidas as especificidades culturais e as formas muito particulares de gerar conhecimento. Abandonou os cidadãos a um certo arbítrio e acaso geográfico, e à invasão da informação veiculada pelos mais impositivos canais de comunicação, confrontando o homem com a impreparação face à dimensão incomensurável da complexidade dos sistemas de pensamento e de conhecimento contemporâneos. Talvez por isto, Morin (2003) tenha alertado que “Já não há mais solo firme, a «matéria» já não é a realidade maciça elementar e simples à qual se podia reduzir a physis. O espaço e o tempo não são mais entidades absolutas e independentes” (pp.27-28).

Neste contexto, aos professores é-lhe cometida a difícil missão de suportar a pressão que a realidade social impõe, pela miscigenação de interesses que a demanda multicultural acentuou, cabendo-lhes por isso, um papel social e socializante de grande responsabilidade.

A tentativa que temos vindo a fazer de exploração reflexiva de um problema de tal dimensão na conjuntura global actual, tende a desafiar-nos para a possibilidade de fazer alguma análise prospectiva sobre a importância e a especificidade da função docente no futuro. A história demonstra que o mundo descobriu há muito a capacidade reciclável de operar mudanças. É verdade também que, há muito, o homem deixou de se deslumbrar com a possibilidade de processar descobertas estruturalmente importantes - diz-se até, que tudo já foi inventado.

Parece pois, restar a possibilidade de outras dimensões planetárias na perspectiva de se encetarem conversações com o futuro, do qual se desconhece, pela sua própria natureza, a identidade. Provavelmente, civilizações de uma luz de duração desconhecida, cromatismo e textura ainda não sentido, contorno activo e inteligível imprevisível – o homem e o avanço científico e tecnológico tornaram o planeta Terra excessivamente pequeno. E agora, questionamo-nos.

Morin (2003) sugere que o mundo parece estar farto de si próprio, que a capacidade inventiva do homem parece esgotada naquilo que verdadeiramente é essencial, acentuando o autor que:

“O objecto e o sujeito, abandonados cada um a eles próprios, são conceitos insuficientes. A ideia de universo puramente objectivo está privada não apenas de sujeito, mas do meio e do além; é de uma extrema pobreza, fechada sobre si mesma, repousando unicamente sobre o postulado da objectividade, cercada por um vazio insondável como, no seu centro, lá onde o pensamento deste universo, um outro vazio insondável” (p.61).

Tempos houve, em que a figura institucional do professor não se assumia explicitamente – a vida em comunidade e a ligação muito próxima à terra garantia a fluidez de um sereno microcosmos formativo e cultural, que gradual e paulatinamente se foi alastrando a territórios que, hoje, parecem não suportar a velocidade exponencial da ambição humana, muito para além da noção do que é material e imaterial.

Será então que a função objectiva de ensinar deixou de fazer sentido? A educação estará em risco quando a radicalização de culturas impede um design capaz de contribuir para o reequilíbrio social?

Na verdade, o flutuar natural(mente) das caravelas quinhentistas é diferente da rapidez supersónica dos aviões contemporâneos. Da germinação natural da cultura, passou-se à cultura da imposição culturalista – uma espécie de clonagem aplicada à sociedade global do planeta, com consequências que o rosto activo dos media não cansam de anunciar num ritual de habituação, que será de consequências imprevisíveis. Talvez o limite encontre resposta no ciclo cultural e natural da existência: nascimento, vida e morte de um planeta, que há muito teima em girar em torno do Sol - sem que se conheçam ainda as forças que o determinam.

Não obstante, ou talvez por essa eminência latente, é urgente inovar através da (re)construção de representações numa perspectiva de (re)elaboração de referências essenciais do passado, tendo em conta a necessidade urgente de considerar valores sociais e culturais do presente, para uma (re)estruturação de atitudes e comportamentos que concorram para o reequilíbrio ecológico e social, na linha do que escreve Correia (1994), quando defende que a formação e a educação precisam da sustentação do “(…) referencial sócio-cultural que sintetize as crenças, concepções, valores e interesses que, em cada fase do processo de mudança social, são significativos e caracterizadores do estado global da sociedade” (p. 41).

Para tal, considera Nóvoa (1992), que a formação “ (…) implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional” (p.25), fundada na capacidade de reelaborar processos implicando a educação para a atitude criativa, reorientada de um atributo pessoal para um bem social, porque como defende Saturnino de La Torre (1991) “(…) sin creatividad no es posible el progreso” (p.21).

Ser professor, tenderá então a ser mais do que uma profissão, um relevante desígnio social que todos teremos de assumir se quisermos activar um processo de mudança, marcado por um

retrocesso estratégico de vanguarda, uma tentativa essencial de recuo ao tempo e ao ritmo próprio do homem, contra as artificialidades que nos pretendem robotizar a alma e o gesto activo.

Constatação que encontra eco profundo nas palavras de Sá-Chaves (2003):

“Trata-se de reclamar para a educação e para os professores esta chamada histórica, que o retorno à Ética e à Cultura possa representar, enquanto legítimo fundamento de uma nova cidadania e que possa, por essa via, ser também fundadora de uma outra modernidade centrada no conhecimento regulado por valores e cujo uso social não fique, tal como agora, associado às actuais desilusões do progresso.” (p.13)

A formação de professores deve, por isso, implicar estratégias que contemplem as malhas complexas da contemporaneidade, numa perspectiva formativa que prepare para as mudanças cada vez mais bruscas que a sociedade produz e reproduz na escola. É essencial o desenvolvimento de projectos (em evolução) que decorram de uma nova filosofia temporal e situacional, e que possam ser a resposta ética a novas formas de estar e de agir, situadas no cruzamento de várias influências concorrentes com a escola. A propósito poderá ser importante citar Schön (1992), quando o autor refere que “(…) temos mais a aprender com as tradições da educação artística do que com os currículos profissionais normativos do sistema universitário de vocação profissionalizante” (p.88).

Também Correia (1994), refere uma matriz educacional percebida como processo de adaptação à dinâmica social, cultural e contextual, actualizada de acordo com o referencial de vida social. Conforme o autor, “(…) pelo seu carácter normativo, a matriz educacional recolhe informação daquele referencial e integra-a, suscitando novos modos de ver a acção educativa (…) (re)estruturando referências acerca de modos de agir” (p.42), nunca descurando a dimensão humana e humanizante.

A este propósito, e tendo por referência o âmbito específico e alargado deste estudo, Zeichner (1992) considera que, “(…) se não alterarmos os padrões normais das relações entre a escola e a comunidade nas grandes áreas urbanas, incentivando o aparecimento de ambientes escolares mais democráticos, poderemos ver-nos confrontados com graves problemas. Por isso, a introdução desta problemática nos programas de formação de professores é uma iniciativa da maior pertinência” (p.129).

Isto exige investimento e risco por parte das instituições de formação e dos próprios profissionais, que devem ter em conta o contraponto entre as posturas rotineira e inovadora, tantas vezes presentes no quotidiano de dúvida dos professores.

De igual modo e face às dificuldades obscuras que o futuro parece predizer, é necessário, segundo Sá-Chaves (1997);

“ (…) um programa de acção que toma alento nas dimensões positivas do desafio, da ousadia e da exigência. Que se nutre do efeito multiplicador que a diversidade e a pluralidade de estratégias, modelos, situações e perspectivas têm o poder de gerar. Que se alicerça no clima

estimulante, em termos de reflexão, que a diferença aduz e contrapõe às regularidades, às rotinas e aos sistemas uniformes e fechados” (p.114).

Deste ponto de vista, a formação de professores deve estar fundada numa matriz que concilia as problemáticas do pluralismo democrático, do exercício da liberdade e da responsabilidade, da importância dos valores do património natural e cultural, da formação/educação para a integração da mudança, da invenção da mudança e da aprendizagem de e para a mudança, numa perspectiva que está para lá do espaço físico da escola. Por isso, implica e convoca a cultura local, que como Correia (1994) sugere, apela ao juízo crítico, à lucidez e à sensatez, à criatividade e à imaginação, à sobriedade e à autonomia e aos laços solidários, deixando fluir o caudal de vida, porque lhe importa despertar a construção da própria vida.

Esta nova visão da formação tem subjacentes os princípios de inacabamento e de continuidade propostos por Sá-Chaves que assumem particular importância no exercício profissional dos professores. Conforme a autora (2000),

“(…) a dialéctica entre o sujeito em formação e os contextos em permanente evolução evidenciam não apenas a extrema complexidade dos processos formativos como, sobretudo, a total incerteza, instabilidade e consequente imprevisibilidade das condições futuras do exercício profissional e, consequentemente, a radical impossibilidade de encontrar na formação soluções de tipo standard para ecologias diferenciadas e frequentemente singulares pela teia de factores que, na sua extrema variabilidade, fazem de cada situação um caso único”(p.96).

É necessário, como tal, reflectir e reagir, porque, tal como Morin (2003) salienta, “(…) hoje não se trata de soçobrar no apocalipse e no milenarismo. Trata-se de ver que estamos talvez no fim de um certo tempo e, esperamo-lo, no começo de tempos novos.” (p.174).

É, portanto, na consciência das imensas dificuldades e das perplexidades que elas desencadeiam, que este estudo procura fazer sentido e encontrar lugar, pertinência e legitimação no augúrio de novos tempos, que cedam lugar a novos desafios e às convicções que suportam a ideia de um mundo mais humano e de uma outra educação.

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