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4.1 As contribuições de Foucault para a análise discursiva

4.1.3 Formação discursiva

A noção de formação discursiva (FD) tem sido questionada e revisitada com frequência por diversos pesquisadores. Essa noção-conceito teria sido abandonada pela AD na França, nos anos 1980, e as razões para a renúncia, de acordo com Baronas (2007, p. 169), “vão desde a alegação de que a formação discursiva possui um caráter eminentemente taxionômico até a existência de uma relação conflituosa entre marxismo e Michel Foucault”. No entanto, apesar de a FD ter sido rejeitada por alguns membros do grupo de Michel Pêcheux na França e por se apresentar com uma conceituação atualmente indefinida na pesquisa, Baronas (2007) esclarece que seu conceito “permanece ainda bastante operativo nas pesquisas sobre o discurso, tanto no Brasil, quanto na França” (p. 169).

Na história da Análise do Discurso francófona, a noção de FD, inicialmente fundamental, começou a declinar a partir da década de 1980, sem, contudo, desaparecer. Segundo Maingueneau (2007), ela continua sendo utilizada, mas de uma forma não tão evidente como a definida pela arqueologia foucaultiana em 1969 nem pela AD com Pêcheux até os anos de 1970. Conforme o autor, o que há na atual Análise do Discurso praticada na França é uma confusão com relação ao uso da noção de FD, pois os seus pesquisadores não deixam claro as fronteiras e os significados que a compõem.

Jacques Guilhaumou (2007) pontua que essa noção-conceito de FD, que esteve presente nas suas primeiras pesquisas, desapareceu logo no início dos anos 1980 e de forma definitiva em 1983. A preocupação do pesquisador está centrada em uma “descrição empírica da materialidade da língua no interior mesmo da discursividade do arquivo” (GUILHAUMOU, 2007, p. 112-113). Hoje, suas pesquisas trabalham

[...] na articulação entre a descrição dos enunciados de arquivo, que configuram um trajeto temático, na colocação em evidência dos efeitos de sentidos recuperáveis na análise de um momento de corpus e da valorização de uma série de categorias explicativas da Revolução Francesa no interior mesmo da tradição marxista. (GUILHAUMOU, 2007, p. 113)

Courtine (2007, p. 119) ressalta que Foucault foi pouco compreendido pela AD, pois, quando se referia ao discurso, o conceituava de outra maneira. O autor ressalta, todavia, que foi da Arqueologia do Saber que Pêcheux tomou a noção de FD, da qual a AD se apropriou, submetendo certos elementos à pesquisa. Mesmo os objetivos da AD e da Arqueologia sendo divergentes, Courtine (2007) relê Foucault não para aplicá-lo à AD, mas para trabalhar a perspectiva do filósofo no interior dela e estabelecer aproximações com as concepções de Pêcheux.

O conceito de formação discursiva é essencial para compreender o que Foucault entende por arqueologia, mas também se apresenta como um “conceito original, pois transforma a noção de linguagem, de sujeito, de verdade e de ciência” (ARAÚJO, 2006-2007, p. 89). A autora explica que, nessa abordagem, o conceito de discurso não é empregado como “um produto de retórica e nem como estrutura significativa de um texto” (p. 89). O discurso, para Foucault (2007b), é um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns. Isso significa que o discurso é um conjunto de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva e que os enunciados mudam de sentido quando passam de uma formação discursiva para outra.

Foucault não trabalha com elementos tradicionais, tais como teoria, ideologia ou ciência, na abordagem arqueológica. O discurso que lhe interessa são os atos discursivos que levam à constituição de um campo autônomo, que ganham autonomia após ser aprovados por testes institucionais, como regras de argumento dialético, interrogatório inquisitório ou confirmação empírica.

Para se chegar a uma formação discursiva, de acordo com Foucault (2007b), faz-se necessária a descrição de certo número de enunciados que remeta a um mesmo objeto, tipos de enunciação, conceitos e escolhas temáticas. A formação de um objeto está condicionada a determinados critérios, a saber: em que condições históricas surgiram o objeto (demarcação das superfícies de sua emergência)? Quais os mecanismos formais e informais de delimitação do objeto (instâncias de delimitação)? Quais os sistemas empregados para a separação dos objetos entre si (grades de especificação)?

A formação discursiva, para Foucault (2007b), pode ser considerada como um conjunto de enunciados que são ao mesmo tempo singulares e repetitivos, e que podem ser apreendidos na sua dispersão e na sua regularidade de sentidos. A descrição desses enunciados deve levar em conta a sua singularidade, mas também a “dispersão desses sentidos, detectando uma regularidade, uma ordem em seu aparecimento sucessivo, correlações, posições, funcionamentos, transformações” (p. 43). Dessa maneira, o conceito de FD em Foucault (2007b) é derivado da concepção dos enunciados como forma de repartição e sistemas de dispersão:

Sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos uma formação discursiva. (p. 43)

A preocupação teórico-metodológica de Foucault (2007b) parte do problema da descontinuidade no discurso e da singularidade do enunciado, e tem a história como o campo das formações discursivas, por isso, os métodos históricos ganharam importância nas análises do autor, pois, conforme afirma Gregolin (2004, p. 90), é “nelas que se encontram o discurso, o sujeito e o sentido”.

As modalidades enunciativas do discurso compreendem o estilo e as formas de expressão que o definem, o que significa dizer que é necessário saber os lugares institucionais dos quais emergem os enunciados e as circunstâncias. Quanto à formação de conceitos, ela ocorre pela descrição do jogo de compatibilidades e incompatibilidades conceituais, das coações e regularidades que tornam possível a diversidade dos conceitos na prática discursiva (FOUCAULT, 2007b).

A FD pode ajudar-nos a compor um conjunto de enunciados sobre um objeto (o DS) e identificar os seus tipos de enunciação e escolhas temáticas, a partir das condições históricas que possibilitaram o seu surgimento. Isso contribui para identificarmos, na singularidade da sua emergência em um dado determinado período histórico, a sua repetição, ou seja, perceber a sua dispersão e a sua regularidade de sentidos, correções, funcionamento e suas transformações no presente. Dessa maneira, a história torna-se um campo privilegiado para que se percebam as formações discursivas que compõem o discurso da sustentabilidade e suas práticas.