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2 Organização de conteúdo em documentos digitais

2.1 Hipertexto

2.1.3 Formas de hipertextualização

O leitor do hiperdocumento ou navegador é um seguidor de links pré-estabelecidos pelo autor do hiperdocumento. Portanto, o leitor-navegador irá percorrer uma estrutura conceitual que o permitirá acessar fragmentos de informação. Não há limites para a quantidade de links nem para os fragmentos de informação, o que pode tornar a navegação exaustiva, a exemplo do que colocou Lévy (1993, p.37): “nos perdemos muito mais facilmente em um hipertexto do que em uma enciclopédia”. Isso porque, segundo Lévy (1996), a leitura de uma enciclopédia impressa é do tipo hipertextual uma vez que oferece ao leitor recursos de orientação como, por exemplo, os dicionários, índices e sumários. A leitura feita na tela do computador impossibilita a faculdade sensitivo-motora e a referência espacial que permite manusear o texto impresso e assim deslocar a leitura para ponto o desejado. Desta forma, não há como prever todo o caminho a ser percorrido pelo leitor-navegador e nem mesmo a localização sobre o fragmento de informação acessado. A ideia de representar as conectividades de um hipertexto através de visualizações gráficas ou diagramáticas surgiu na tentativa de orientar a navegação do leitor-navegador. O seguinte questionamento lançado por Lévy (1993) é, então, apropriado ao estudo do modelo conceitual

como instrumento de organização e representação das informações na construção do hiperdocumento: “quais serão as extensões, as escalas, os princípios de organização destes mapas de conexões, destas bússolas conceituais nas redes de documentos?” (LEVY, 1993, p.38).

Serão apresentadas a seguir, duas formas distintas de proceder a hipertextualização para a criação de hiperdocumento. A primeira, denominada retextualização digital consiste em transcrever um texto-base para o formato digital, com ou sem auxílio de ferramenta de software. A segunda pressupõe a elaboração de esquemas conceituais para modelizar o domínio da aplicação com a representação visual dos objetos, seus atributos e as relações entre os objetos.

A retextualização digital é uma forma de hipertextualização que não prioriza, a priori, uma estrutura classificatória para a organização da informação. Ela parte de um texto-base escrito e o submete à conversão hipertextual através de processos de transcrição. No modelo proposto por Arantes (2006), os processos são baseados em estratégias de eliminação para condensação linguística, inserção, reformulação, reordenação, substituição, estruturação e condensação. Ele contempla cinco pressupostos básicos para produção da escrita hipertextual, são eles:

a. Clareza sobre o assunto que será abordado: o conceito deve estar claro e o autor deve ter uma previsão das inúmeras possibilidades de leitura que o texto pode dispor.

b. Conhecimento partilhado do assunto: quanto maior conhecimento partilhado o autor e o leitor tiverem de um texto, maior será a possibilidade de inferências e mais ampla será a possibilidade do autor prever as leituras que o leitor fará. c. Coerência textual: o autor trabalhará a coerência local, de modo a possibilitar

ao leitor a busca da coerência global pelo caminho que percorrer.

d. Coesão textual: o autor tratará tanto da organização léxico-gramatical, para adequar o texto às características da comunicação on-line, quanto da disposição dos links, que são considerados os operadores de coesão hipertextual.

Para a construção da escrita hipertextual, o modelo estabelece as seguintes operações: 1. Seleção dos assuntos: selecionar as principais informações, palavras ou expressões-chave para colocá-las no formato de links (operadores de coesão textual); 2. Segmentação: agrupar o conteúdo com base na relevância para a escrita da “porção textual”; 3. Reconstrução dos tópicos: estabelecer o tipo de distribuição dos links e os diferentes graus de segmentação do

hipertexto; 4. Reconstrução, encadeamento e reordenação sintática da ordem dos tópicos e da produção textual de pequenas porções de texto para cada tópico escolhido; 5. Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas operações léxicas; 6. Reordenação tópica do texto e reorganização da sequência argumentativa: reordenação dos tópicos visando possibilitar ao leitor a coerência global; 7. Agrupamento de argumentos expandindo as ideias, visando propiciar a interatividade e a intertextualidade nas diversas possibilidades de leitura. (ARANTES, 2006, p.1388).

O modelo de processo de retextualização digital proposto por Paula e Ricarte ([2009]) adota a ferramenta de software TEXTHIT (Text to Hypertext Conversion Tool) para a conversão do texto-base em hipertexto, cuja preocupação é alcançar o pensamento associativo e as tomadas de decisões subjetivas no processo de escrita de hipertexto. Ele é baseado na execução dos seguintes passos: 1. Fragmentação; 2. Aglutinação; 3. Definição de perspectiva do texto; 4. Associação da nomenclatura da perspectiva ao fragmento (classificação), 5. Interferência no conteúdo do fragmento (edição), 6. Criação de ligações de conteúdo, 7. Criação propostas de sequências de fragmentos (caminho de leitura); 8. Definição de fragmentos para início das leituras. A partir de um texto linear, a ferramenta TEXTHIT faz a segmentação do texto produzindo um fragmento para cada parágrafo. Na sequência o autor define as perspectivas temáticas para o texto e as associa a um indicador que será utilizado para classificar os fragmentos. Em seguida, o autor do texto propõe o caminho de leitura com suas respectivas raízes que marcam o ponto inicial da leitura em uma dada perspectiva.

Sob a perspectiva da produção textual no ambiente eletrônico, os modelos de retextualização digital expostos acima mostraram o que fazer para garantir que a construção da escrita hipertextual esteja minimamente de acordo com os critérios de textualidade9 encontrados na produção textual tradicional, porém, adaptada ao novo suporte. Além de preservar o sentido cognitivo e de coerência para o leitor. Isto porque os elaboradores dos modelos entenderam que um hipertexto é um tipo de escrita que contém infinidades de textos. Logo, para os elaboradores do modelo, um hipertexto é um texto eletrônico. Porém, Koch (2007) diferenciou o texto do hipertexto exatamente pelo fato do hipertexto ser associado à tecnologia no tocante ao suporte eletrônico. Embora os modelos apresentados digam respeito à construção do hipertexto a partir de um texto-base, e forneçam várias diretrizes sobre o que fazer para obter um hipertexto com qualidade textual, não deixam claro sobre como fazer para cumprir as diretrizes estabelecidas nos processos de conversão textual.

9 De acordo com Koch (2001), os critérios de textualidade são: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, intertextualidade, situacionalidade e informatividade.

Ainda que a ferramenta de software TEXTHIT seja utilizada para conversão do texto-base, a execução das operações de ambos os modelos sugere a existência de algum instrumento de organização da informação para apoiar o autor do hipertexto fruto da retextualização digital, pois isso não foi explicitado nos modelos.

Em contrapartida, as metodologias de desenvolvimento de aplicações hipermídias sugerem a implementação de mecanismos que propiciem o entendimento das relações existentes entre os nós conceituais, focalizando a organização de estruturas coerentes para permitir a navegação no hiperdocumento (NEMETZ, 1995). Dentre as metodologias de desenvolvimento estudadas por Campos (2001), a que mais recuperou um esquema conceitual capaz de promover tal entendimento foi a Object-Oriented Hypermedia Design Method (OOHDM).

A OOHDM especifica e estabelece a modelagem conceitual do domínio de aplicação como parte integrante do desenvolvimento da aplicação. O desenvolvimento é dividido em quatro etapas, a saber: Projeto do Modelo Conceitual, Projeto Navegacional, Projeto da Interface Abstrata e Implementação, conforme apresentadas na Figura 1. Os produtos da fase da modelagem conceitual são as classes, as relações e os subsistemas. As classes representam um conjunto de objetos concretos ou conceituais relevantes para o domínio da aplicação hipermídia, as relações representam as associações entre os objetos e os subsistemas representam uma abstração de um esquema hipermídia.

Figura 1 - Etapas para o desenvolvimento de aplicações hipermídias Fonte: (CAMPOS, 2001).

A técnica de modelagem Hypermedia Modeling Technique (HMT) também parte do modelo conceitual orientado a objeto, enfatizando a modelagem conceitual na primeira etapa da construção da aplicação hipertextual com a construção do Modelo de Objetos. Posterior a esta etapa encontra-se a construção dos Modelos de Hiperobjetos, de Navegação e de Interface. (NEMETZ, 1995; CAMPOS, 2001).

Dentro da perspectiva dos métodos de desenvolvimento de aplicação hipermídia, a etapa de modelagem conceitual não se mostrou capaz de tornar o modelo conceitual um instrumento de comunicação entre o autor conteudista e o autor da tecnologia, no qual podemos chamar também de projetista do hipertexto. A razão para tal incapacidade deve-se ao fato de que a modelagem baseada em Orientação a Objetos é voltada a dados e não possui elementos simbólicos suficientes para representar o conteúdo informacional de um documento através das relações entre conceitos.

As relações entre conceitos apropriadas neste trabalho são oriundas da Teoria do Conceito. Elas são construídas a partir da comparação das características que lhes são atribuídas. Quando a comparação entre as características dos conceitos mostra que dois conceitos diferentes possuem uma ou duas características em comum, pode-se dizer que existe uma relação entre tais conceitos (DAHLBERG, 1978).

Logo, a modelagem conceitual em Orientação a Objetos não dispõe de formas de relações entre os objetos para expressar com completude os conceitos em nível de informação (CAMPOS, 2001), ainda que para Cougo (1997) o objeto a ser reproduzido no modelo conceitual de dados possa ser qualquer coisa, pessoa, ambiente e até mesmo um conceito.

As formas de relações entre conceitos traduzem-se em relações semânticas que garantem a coerência do texto com relação ao contexto tratado. Um esquema conceitual inadequado favorece o surgimento dos problemas intrínsecos à sistematização do hipertexto. Estes problemas foram denominados por Conklin (1987) de Desorientação e Sobrecarga Cognitiva. A desorientação do usuário está ligada à capacidade de o usuário se localizar ou se perder no hipertexto. É “a tendência a perder o senso de localização e direção de um documento não linear”. A sobrecarga cognitiva é “o esforço adicional e concentração necessária para manter várias tarefas ou trilhas ao mesmo tempo” (CONKLIN, 1987, p.40).

Como forma de auxiliar a localização do leitor-navegador, Lévy (1993) mencionou a possibilidade de existir um mapa capaz de indicar a localização (“Você está aqui”)10 de cada porção de texto acessado pelo leitor. Na perspectiva do leitor, a dificuldade está em ter que navegar seguindo diversos links até encontrar o que busca na rede hipertextual.

Para evitar o problema da desorientação do usuário e a sobrecarga cognitiva no hiperdocumento, Campos e Gomes (2005) defenderam a estruturação do texto aplicando a coerência no nível do nó conceitual, de modo a garantir a coesão dos fragmentos de texto e do documento como um todo coeso. A coerência no nível do nó pode ser alcançada a partir da criação de nós mutuamente exclusivos, considerando os relacionamentos entre eles. Uma ação classificatória deve ser empreendida a fim de que se consigam ligações a partir uma rede de associações. Os nós mutuamente exclusivos são obtidos com o princípio da exclusividade, oriundo da Teoria da Classificação Facetada, aonde um nó deve pertencer a uma única classe. A Teoria do Conceito fornece elementos que permitem delinear os fragmentos de textos que serão vinculados a uma etiqueta linguística (um rótulo ou um termo) e, assim, formar o nó conceitual. Essa forma de construção não olha a estrutura textual, como descrito na retextualização digital, e sim as ideias contidas no texto que compõem a temática ou o assunto abordado.

Será abordado a seguir o modelo conceitual, no âmbito da Ciência da Informação. Esta abordagem visa ao entendimento de como este instrumento pode auxiliar na representação da informação, fornecendo uma maneira adequada de elaborar um esquema conceitual capaz de

10 Atualmente esse recurso de localização é implementado nos sistemas de gerenciamento de conteúdo sob o nome de Breadcrumb (Navegação estrutural ou Navegação por migalhas)

refletir o mapeamento de toda informação contida em um documento, que embute em si mesmo um conhecimento sobre determinada temática.