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Formas distintas de se escrever para o teatro e representar a mulher cangaceira

3 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS TEXTOS LAMPIÃO E CANGACEIRAS No que diz respeito à dimensão temporal, os textos estudados nesta

3.1 Formas distintas de se escrever para o teatro e representar a mulher cangaceira

Uma das primeiras reflexões que podemos fazer em relação aos textos analisados por esta pesquisa é que nenhum deles foi escrito por uma dramaturga, pelo menos, nostrictu senso da palavra.

O primeiro foi escrito por uma mulher das letras, autora de romances e cronista já prestigiada quando se arriscou na dramaturgia. Rachel de Queiroz, embora tenha produzido dois dramas em sentido estrito, como Lampião (1953) e a Beata Maria do Egito (1957), teve uma carreira fortemente marcada enquanto romancista, cronista e jornalista. A produção dramatúrgica, dentro de sua obra, é a menos significativa qualitativamente (e menos conhecida) quando comparada aos outros gêneros literários pelos quais a artista enveredou ao longo de sua carreira.

O segundo texto em tela foi criado por uma mulher de teatro, que inicia a sua vida artística como atriz, e além de pesquisadora em artes cênicas, assume o papel de encenadora no espetáculo Cangaceiras (2018). Até o presente momento, conforme nos revelou em depoimento, nunca se propôs a escrever uma peça de teatro para publicação.

Antes de tudo, são essas as condições e perspectivas de produção que influenciaram em suas abordagens dramatúrgicas. Em Lampião (1953) , temos uma escritora que faz questão de registrar muitos detalhes no papel em sua escrita dramática, como se tentasse controlar a cena a partir da totalidade de sua descrição.

Os traços da escritora romancista estão explícitos em sua peça teatral, como já mencionado no Capítulo 1. As rubricas em Rachel de Rachel de Queiroz são numerosas e extensas e, para além dessas características quantitativas, essas didascálias lembram a narração de um romance. Descrições precisas das vestimentas e características físicas das personagens são encontradas nas rubricas da peça. Alguns desses detalhes são baseados nas referências historiográficas utilizadas por Rachel de Queiroz como fonte de pesquisa para a composição da peça, por exemplo, nos trechos transcritos abaixo:

[Quando o sapateiro está a terminar a frase, vai se aproximando da casa o grupo de cangaceiros , com Lampião ao centro. São eles: Sabino, Antônio Ferreira, Ponto Fino (Ezequiel), Moderno, Corisco, Volta - Seca, Pai - Velho, Zé Baiano, Azulão, Pernambuco e Avoredo, Antônio Ferreira e Ponto -Fino são irmãos do chefe. O primeiro é um moço baixo, calado, muito apegado a Lampião, que o distingue especialmente. Ponto - Fino é mais alto, magro, nervoso, insolente, vaidoso e ágil como um gato; quase um menino, mas já famoso pela pontaria mortal. Corisco, ou Diabo- Louro (Cristino), é grande, bonito, resto da raça holandesa visível no cabelo claro, nos olhos azuis, nos traços finos. Sabino é um homem de quarenta anos, cara torva, olho mal. Zé Baiano é crioulo grosso, de ar feroz. Pai velho, 70 anos, encorreado, magro e curvo. Volta - Seca meninote entre 15 e 15 anos, entroncado, escuro, armado até os dentes, segue Lampião como um cachorro]. (QUEIROZ, 1954, p. 21).

Nessa parte da peça, por exemplo, percebem-se referências aos conteúdos do livro de Ranulfo Prata. No final do Capítulo 1, Ranulfo se dedica a mostrar os perfis físicos e psicológicos de alguns cangaceiros. No que diz respeito às características físicas, o autor descreve Volta Seca como um adolescente franzino de 16 anos, de estatura um pouco abaixo da normal (1,58 m); Corisco é descrito como um homem de 32 anos, alto, branco, musculoso, alourado, de traços finos; Zé Baiano como um “negro grosso e malvado.” (PRATA, 1980, p. 40); e Pai-Velho como um senhor de 70 anos, rijo, encorreado do sol.

Já em Cangaceiras (2018), temos um texto organizado por uma encenadora que escreveu um roteiro de cena. Nesse segundo caso, há poucas descrições cênicas, praticamente, o texto centra-se nas falas das personas e personagens. Portanto, nesse sentido, estamos diante de duas obras opostas: uma que se preocupa em dar conta de criar imagens a partir de rubricas detalhadas, outra, que centra sua escrita naquilo que as atrizes irãodizerem cena.

Como mencionado no Capítulo 2, o texto Cangaceiras (2018) pode se aproximar da concepção de rapsódia de Jean-Pierre Sarrazac (2017). Nas escritas rapsódicas, segundo o ensaísta francês, o dramaturgo/autor revela explicitamente a sua voz, suas ideias e opiniões. No caso de Cangaceiras, o processo criativo de construção do espetáculo possibilitou uma escrita fortemente marcada pelo registro das percepções das atrizes sobre a condição das cangaceiras em relação à mulher na sociedade de uma forma mais ampla.

Encontramos, em João Sanches (2016), duas ideias para o conceito de dramaturgia bastante difundidas. A primeira delas concebe a dramaturgia como a arte de compor dramas (textos dramáticos). A outra entende a dramaturgia como a

arte de criar ações. A segunda conceituação revela uma perspectiva mais ampla do objeto, evidenciando várias formas de dramaturgia, como a dramaturgia do ator, do movimento, da luz, do som, do cenário, entre outras. Nessa concepção mais abrangente, o texto seria um dos elementos ou um dos sistemas de signos do espetáculo.

A dramaturgia, em sentido estrito é, antes de tudo, uma obra literária. João Sanches (2017) entende que dramaturgia e teatro, embora sejam termos que podem se relacionar, não significam a mesma coisa.

Partimos da premissa de que o drama (em grego, “ação”) é um modo de construção literária, um gênero poético – já o teatro (em grego, “lugar onde se vê”) é uma criação espetacular, uma arte, através da /qual, originalmente, assistia-se (“via-se”) à encenação de um drama (um texto ficcional). Ou seja, embora instrisicamente relacionados, drama e teatro são considerados artes/objetos diferentes por este estudo. (SANCHES, 2016, p.19).

Nessa perspectiva, Lampião (1953) pode ser considerada uma obra literária fechada. Embora escrita para ser encenada, ao lermos a peça, temos um entendimento completo das ações das personagens, suas feições, vestimentas, paisagens etc. O texto é, portanto, uma dramaturgia em sentido estrito.

O texto Cangaceiras (2018), por sua vez, foi fundamentalmente escrito para ser encenado. Somente a sua leitura não é suficiente para entendermos a obra como um todo. Para a apreensão mais abrangente desse trabalho, é necessário lançar mão de outras estratégias como a apreciação do espetáculo teatral, pois o texto escrito é apenas um fragmento, uma parte de um “arranjo dramatúrgico” que envolve, além do registro escrito das falas das personagens e do que a dramaturga denomina de personae, as partituras corporais das atrizes e demais elementos cênicos. Nesse sentido, o trabalho Cangaceiras (2018) coloca em evidência uma concepção de dramaturgia expandida, ou seja, aquela que leva em consideração os aspectos cênicos da obra.

Outro ponto discrepante entre as duas obras diz respeito à centralidade do registro escrito. Em Lampião (1953), o texto foi primeiro escrito para depois ser encenado. Tanto que foi publicado quase ao mesmo tempo de sua estreia.

Cangaceiras (2018), por sua vez, é fruto da cena, surgiu durante o processo criativo de preparação de um espetáculo e, segundo a autora, não há, até o presente momento, perspectiva de publicação.

Para compreender melhor as diferenças dramatúrgicas entre esses dois trabalhos, será realizada uma breve análise acerca da concepção de Drama Absoluto.

De acordo com João Sanches (2017), o conceito de drama estudado por Peter Szondi (2001) em Teoria do Drama Moderno abarca inúmeras concepções dramatúrgicas, que apresentam como ponto em comum a utilização de princípios aristotélicos, neoclássicos e hegelianos3.

Para Szondi (2001) o Drama Absoluto é a forma dramática que surge no Renascimento. Neste formato, foram retirados alguns elementos que compunham a tragédia: o coro, o prólogo e o epílogo. Ou seja, o drama, nessa acepção, é reduzido às partes faladas (diálogo). As ações dos personagens são desvendadas através das falas que dão a tônica das obras.

A valorização dos diálogos retira das peças as partes do texto que não destacam a ação, “como a expressão dos afetos em formato lírico ou as partes de caráter narrativo, executadas primordialmente pelo mensageiro, coro e corifeu.”

(ALMEIDA, 2012, p. 17).

[...] o drama clássico se distingue tanto da tragédia antiga como da representação religiosa medieval, tanto do Theatrum mundi barroco como das peças históricas de Shakespeare. A supremacia absoluta do diálogo, ou seja, daquilo que se pronuncia no drama entre homens, espelha o fato de este se constituir exclusivamente com base na reprodução da relação inter humana e só conhecer o que nessa esfera reluz. (SZONDI, 2001, p.30).

João Sanches (2016), ao comentar Szondi, mostra que o autor especifica a sua concepção de drama ao excluir a tragédia grega, as peças históricas de Shakespeare e o drama barroco. No entanto, chama a atenção para o fato de o teórico não citar obras que exemplificam o drama moderno ou absoluto.

No Drama Absoluto, as relações intersubjetivas entre os personagens são apresentadas, problematizadas e resolvidas por meio do diálogo. Isso significa que o diálogo não é uma simples conversação, mas representa a própria ação. Cada ação, por sua vez, desencadeia consequências, ou seja, outras ações também são reveladas nas falas dos personagens. Dessa forma, os diálogos, ao revelarem as

3 A concepção aristotélico-hegeliana de drama representaria as concepções aristotélicas, somadas a determinadas ideias do filósofo alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel . Para o filósofo, o gênero dramático seria uma síntese dos gêneros épico e lírico, pois as subjetividades/motivações das personagens (dimensão lírica) se exteriorizariam em ações concretas, objetivas (dimensão épica) (SANCHES, 2017).

ações, também mostram o conflito, o embate. A ação se dá por meio de uma forma dialógica e dialética, isto é, por meio do diálogo. (SZONDI, 2001).

Szondi (2001) é categórico ao afirmar que noDrama Absoluto, o dramaturgo está ausente. Isto é, o autor não evidencia a sua voz, opiniões e comentários. Ele apenas institui a conversação entre os personagens, ele cria os diálogos.

No texto, Szondi (2001) apresenta como elementos intrínsecos ao Drama Absoluto a unidade de tempo, de lugar e ação. No que se refere à unidade de tempo, o Drama Absoluto se dá no tempo presente. Isto é, o drama seria uma sucessão de momentos presentes. O autor adverte que isso não significa que ele seja estático, mas que há somente uma forma de passagem temporal no drama: o presente passa e se torna passado. Em relação ao espaço, o pesquisador afirma que, no drama, a ideia de lugar deve ser eliminada da consciência do espectador.

Isso é possível quando não há mudanças de cenas. O desencadeamento das ações, por sua vez, deve ocorrer de forma contínua por meio dos diálogos, preferencialmente, num único espaço e no tempo presente.

Szondi (2001) mostra que no século XIX surge o que ele denomina deCrise do Drama ou Drama Moderno, na qual as unidades de espaço, tempo e ação são relativizadas.

João Sanches (2016), ao comentar Szondi, defende que a sua concepção de Drama Absoluto é um conceito abstrato, uma vez que não existe correspondência entre essa ideia e as obras dramáticas concretas. Dessa forma, o Drama Absoluto é um modelo conceitual operativo que auxilia nos estudos e análises dramatúrgicas.

A noção de Drama Absoluto, portanto, seria operativa por meio da contraposição de obras dramáticas às suas concepções (as quais reuniriam as ideias e procedimentos das principais correntes tradicionais). Nessa perspectiva, o método de Szondi continua útil atualmente, pois podemos escolher textos de qualquer época e observar-lhes os desvios, ou seja, aqueles aspectos que diferem das concepções “absolutas” e indicam estratégias de autorreflexividade. Mas isto não significa [...] estabelecer as tradições como critério de valor. A ideia é justamente tentar interpretar que conteúdos formais, ou quais possibilidades de sentido esses desvios estariam indicando – e conferir-lhes uma formulação teórica. (SANCHES, 2017, p. 58).

Levando em consideração a ideia exposta no trecho transcrito acima, serão realizadas, nos parágrafos seguintes, algumas considerações sobre o textoLampião

de Rachel de Queiroz e Cangaceiras (2018) de Maria Cristina Siqueira em contraposição à noção deDrama Absoluto .

Na peça Lampião (1953), embora em parte substancial a ação seja desvelada através dos diálogos, se distancia significativamente do conceito de Drama Absoluto. Não há unidade nem de tempo, nem de lugar e nem de ação nessa obra. Em cada um de seus quadros, há um salto temporal e uma mudança de lugar da cena (espaço). Em relação à ação, ela não é encadeada de quadro a quadro e nem mesmo decorre num período contínuo, o que favoreceria a subordinação direta de uma ação à outra.

Outro ponto que evidencia a distância da obra Lampião (1953) em relação ao Drama Absoluto é a função que as rubricas desempenham no texto. Em alguns momentos, as didascálias têm um carácter mais descritivo, fazendo menção aos atributos físicos das personagens. Noutros trechos, lembram fragmentos narrativos, como se a romancista quisesse narrar por meio de suas rubricas. Algumas dessas rubricas perpassam a ideia de um narrador na obra, para além das personagens.

Dessa forma, ainda que a narradora não apareça de “corpo presente” em cena, a voz da autora não está totalmente ausente na dramaturgia, como se espera num drama em sua acepção absoluta.

Por meio tanto dos diálogos quanto das rubricas, Rachel de Queiroz apresenta, além das personagens, o universo sertanejo e do cangaço retratado em sua obra. Ela descreve a paisagem árida, desértica; mostra personagens cansados de batalhas; retrata Lampião como um homem bruto e autoritário, deixando emergir um estereótipo do homem sertanejo. Na peça, Maria Bonita é pintada como uma mulher que sofre inúmeras violências no seu cotidiano. Uma personagem que não necessariamente retrata a figura histórica de Maria Bonita, mas que vem evidenciar a violência física e simbólica sofrida pelas mulheres nas primeiras décadas do século XX e até mesmo nos dias de hoje.

Não é somente Lampião(1953) que se afasta do cânone dramático tal como concebido por Aristóteles e também do conceito operativo de Drama Absoluto analisado por Peter Szondi. O outro texto estudado nesta dissertação se desvia ainda mais desses modelos dramáticos rigorosos.

No que se refere à centralidade dos diálogos nas obras, constata-se que a ação das personagens em Lampião (1953) é marcada não somente por meio das falas. As rubricas desempenham também um papel importante no entendimento e

estabelecimento das ações. Em Cangaceiras (2018), por sua vez, tanto a presença de rubricas quanto de diálogos entre personagens é quase inexistente.

Como já mencionado, em nenhuma das obras pode ser aplicada a premissa do Drama Absoluto de que a autora está ausente. No entanto, emLampião(1953), a voz da autora é mais discreta, disfarçada por meio das indicações cênicas, enquanto em Cangaceiras (2018) a voz das narradoras, das autoras-rapsodas, ecoa deliberadamente.

Em Lampião (1953) ainda há a centralidade do texto enquanto proposta de suporte absoluto para a montagem da obra (pressupondo o modelo de encenação textocêntrico que vigia à época da sua concepção). JáCangaceiras(2018) vai fazer coro aos espetáculos teatrais contemporâneos que enfocam a cena como premissa criativa. O texto é fruto dos resultados que vão surgindo no processo de montagem e deve ser compreendido em conjunto com os outros elementos do espetáculo teatral, como a maneira com que as atrizes veem o tema, suas vivências, suas partituras corporais e vocais, a iluminação, a sonoplastia, as músicas, osgestossonoros, entre outros.

Essa tendência em destacar a cena, a exemplo do que ocorre em Cangaceiras (2018), é comum na cena contemporânea. A pesquisadora em artes cênicas Laura Moreira (2012), em sua dissertação de mestrado intitulada Dramaturgias Contemporâneas: As Transformações do Conceito de Dramaturgia e suas Implicações, vai apontar como o conceito de dramaturgia foi se modificando ao longo da história do teatro. A autora aponta que o surgimento do Drama Moderno é consoante ao advento da encenação como prática preponderante no universo das artes cênicas. No entanto, isso não significou, nesse momento histórico, o declínio do texto escrito na arte teatral. “Para os primeiros encenadores, responsáveis pela montagem dos novos dramas, o espetáculo teatral articulava-se a partir e em torno de um texto.” (THAIS, 2009 apud MOREIRA, 2012, p. 21).

Foram escritas peças que exploram cada um dos elementos que deveriam permanecer despercebidos: na questão temporal, com saltos para o passado e para o futuro, flashbacks, acentuada aceleração ou lentidão, personagens de diferentes tempos coexistindo; na questão espacial, uma amplitude de espaços, reais e imaginários, a redução de espaço ao mínimo;

na ação, tramas paralelas, narrativas fragmentadas, narrativas sem sentido, entre tantas outras técnicas. (CASTAGNO, 2001, apud MOREIRA, 2012, p.

21).

Laura Moreira (2012) salienta como a crise do drama e a ascensão da encenação encaminha os processos de operação das dramaturgias contemporâneas.

A ascensão da encenação inicia ainda outro processo, o diálogo entre os conceitos de encenação e dramaturgia que, ora se fundem, ora geram uma ampliação da percepção de cada um deles separadamente; dois conceitos que geram outros dois, a dramaturgia do texto e a dramaturgia da cena.

(MOREIRA, 2012, p.23).

O conceito de dramaturgia da cena está atrelado a processos criativos que evidenciam os aspectos cênicos dos espetáculos. Atualmente, o texto-espetacular pode ser produzido por meio da encenação. Existem espetáculos elaborados quase que completamente em sala de ensaio, fundamentados na investigação, coletiva ou não, dos elementos cênicos. (MOREIRA, 2012).

Embora nesta dissertação, os elementos cênicos do espetáculoCangaceiras (2018) não sejam objeto de análise, é inegável que a obra acompanha essa tendência da dramaturgia contemporânea. Para além das palavras, os sons, as imagens, as danças, as músicas e as movimentações das atrizes contam a “história”

da obra.

Maria Cristina Siqueira, por meio de um processo criativo que buscou aflorar a memória afetiva das atrizes, trouxe à tona reflexões sobre as condições da mulher na sociedade atual. Deste modo, foi produzido um material que evidencia vozes de intérpretes a contar a história dessas cangaceiras, que em algum momento se confunde com as suas, de uma perspectiva mais humana, mais feminina e menos estereotipada. Além disso, denuncia situações de abuso e violência sofridas por essas mulheres na década de 1930, mas que ainda são comuns na época atual. Ou seja, ainda que abordando fatos do passado, refletem de forma mais ampla a condição da mulher na sociedade contemporânea. Essa dramaturgia que se inicia nos experimentos cênicos do espetáculo, nos corpos dessas atrizes, potencializa suas vozes de atrizes/dramaturgas que se fazem presentes no texto escrito.

De acordo com Maria Brígida Miranda (2019), uma das contribuições mais significativas do teatro feminista é a ascenção e estímulo de procedimentos colaborativos e coletivos para escrita de textos teatrais.

[...] o teatro feito por mulheres e o teatro feminista desenvolveram inúmeras estratégias para a criação dos próprios textos e espetáculos. Muitos desses novos textos tinham estruturas que desconstruíam narrativas tradicionais; e

quebravam os limites entre teatro 'de texto' e o teatro físico. (ODDEY, 1998;

ASTON,199O apud MIRANDA, 2019, p. 1187).

3.2 As referências historiográficas utilizadas pelas autoras e suas