• Nenhum resultado encontrado

Grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulheres: um teatro feito por mulheres em Pernambuco

2 CANGACEIRAS (2018): UM TEXTO DRAMATÚRGICO HÍBRIDO

2.2 Grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulheres: um teatro feito por mulheres em Pernambuco

O Grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulheres10iniciou suas atividades em 2010 com integrantes do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Pernambuco, a partir de um trabalho do componente curricular Encenação.As ideias e atitudes feministas acompanham o grupo desde a sua origem. Podemos constatá-las em várias escolhas e posições tomadas pela companhia. O ideal feminista conduz todas as suas temáticas, suas dramaturgias e seu próprio critério de formação (o grupo é formado apenas por mulheres), como bem ressalta Siqueira:

10O nome do grupo é uma referência a um erro de digitação numa carteirinha de estudante de Maria Cristina Siqueira e à filosofia dos Cínicos da Grécia Antiga como podemos ver no trecho da entrevista concedida pela própria Maria Cristina em 09 de junho de 2020:

[...] Aí começou o grupo. Ao mesmo tempo, quando chegou a minha carteira de estudante... Quando chegou, tinha lá escrito:“Universidade Federal de Pernambuco - Artes Cínicas” (risos). Foi um erro de digitação ou não, né? (risos). Eu achei aquilo muito engraçado e guardei a carteirinha. Então, como eu já estava pretendendo seguir carreira acadêmica, eu assistia aulas de Filosofia, de História, de Antropologia, para conhecer mesmo, para descobrir o que de fato me movia para pesquisas. Naquela época, eu tinha muita vontade de conhecer tudo. Acabei conhecendo a corrente filosófica dos

“cínicos”, na qual se destaca Diógenes. Aí algumas coisas, algumas, repito, bateram muito com ideias feministas: fazer do meu corpo o que eu quiser sem obedecer às ordenações impostas socialmente, viver livremente, sem o Estado estar regulando tudo. (Informação verbal).

[..] o grupo começou quando eu estava na graduação e eu estava envolvida com algumas ideias feministas [...] Eu criei o grupo Cínicas de Teatro – Cia.

de Mulheres com o intuito de estudar o universo feminino, o teatro feminino e feminista [...] continuamos nos encontrando esporadicamente, para estudar dramaturgia feminina, feminista. Me inspirei muito em Leilah Assunção, Maria Adelaide Amaral, as dramaturgas brasileiras. Sara Kane também e Susan Glaspell. (Informação verbal)11.

Outro aspecto ressaltado na entrevista e que evidencia a natureza feminista do grupo, é que homens não participam como atores dos espetáculos do Grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulheres, como bem explicita Maria Cristina Siqueira: “em todas as montagens, não há participação masculina direta na cena, atuando. Os personagens masculinos podem estar numa sonoplastia, em algum vídeo e mais comumente nas narrativas.”(Informação verbal)12.

O primeiro espetáculo do Cínicas, encenado em 2010, é baseado na obra Bagatelas da dramaturga e feminista norte-americana Susan Glaspell. Em entrevista realizada com Maria Cristina Siqueira, a motivação para a escolha desse texto se deu por duas razões que serão mostradas nos parágrafos seguintes.

O primeiro desses motivos diz respeito à admiração das integrantes do Grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulherespela dramaturga norte-americana:

[...] montamos Bagatelas, um espetáculo de Susan Glaspell, que é uma feminista americana e que tem uma história pessoal bastante interessante enquanto mulher e que se refletiu em suas obras. Em Bagatelas, ela põe a condição feminina metaforicamente numa cozinha. Então, é uma mulher que assassina o marido e os detetives vão lá para investigar e descobrirem quem é o assassino. Eu fiz uma linguagem de fusão de teatro com vídeo.

Então, as meninas estavam em cena, na cozinha, com uma ideia de clausura, de opressão e os atores homens, que eram o inspetor e o assistente, estavam fora da casa. Então, como estava acontecendo fora, externo, essas imagens foram pré-gravadas e colocadas num telão. Havia diálogo, interação entre os meninos, nas imagens gravadas, com as meninas que estavam em cena. No enredo, as personagens femininas discutem os motivos de a mulher ter assassinado o marido e como despistarem os investigadores. No final de tudo, eles não conseguem descobrir porque achavam que eram muito mais inteligentes que as mulheres que estavam presas, vamos dizer, metaforicamente, presas na cozinha e elas eram muito mais espertas. (Informação verbal)13.

Apesar de apreciar a dramaturgia de Nelson Rodrigues, nessa época, Maria Cristina Siqueira se incomodava com o machismo do autor que, no seu entender,

13Ibid.

12 Ibid.

11 Maria Cristina Siqueira em entrevista concedida em 9 de junho de 2020.

apresenta personagens femininas desajustadas. Desse incômodo, surgiu a proposta, numa disciplina de Encenação do Curso de Artes Cênicas da UFPE, de fazer um estudo sobre a dimensão psicológica das personagens rodrigueanas. A consequência dessa empreitada foi o segundo espetáculo do grupo: Nelson como Você nunca viu (2011). Esse espetáculo era uma compilação de algumas peças do dramaturgo pernambucano, enfocando as personagens femininas.

Então, eu comecei a reler Nelson Rodrigues e eu gostava e gosto muito de Nelson Rodrigues [...]. Aí, numa cadeira de encenação, eu propus esse trabalho de estudar o psicológico das personagens rodrigueanas e dar outra visão para elas, vamos dizer assim. Eu fiz uma colagem de uns textos de Nelson: “Vestido de Noiva”, “Toda nudez será castigada”, “Valsa nº 6...”

Foram cinco peças. (Informação Verbal)14.

No espetáculo Nelson como você nunca viu(2011), o público ficava de olhos vendados, para que outros sentidos (que não a visão) fossem explorados.

[…] o [..] espetáculo era feito com o público de olhos vendados porque a ideia era entender o espetáculo a partir dos outros sentidos, excluindo a visão. A gente usava audição, tato, olfato. Quando “Alaíde”, por exemplo, entrava em cena, era um perfume, uma música específica porque o público já sabia que era essa personagem que estava entrando, assim como as outras. Ou pelo paladar, como Geni que a gente servia bebida alcoólica.

Então, o nome do espetáculo eraNelson como você nunca viu porque não se tratava dessa visão que a gente está acostumado, a dos olhos, por assim dizer, mas a visão mais geral, intuitiva e perceptiva.(Informação verbal)15.

O terceiro espetáculo do grupo foi Fedra (2012), baseado no texto de Racine. Nesse espetáculo, três atrizes foram escolhidas para interpretar Fedra.

[...] nós montamosFedra de Racine [...]. Eu percebi que, às vezes, Racine traz a personagem com atitudes muito infantis, outras vezes ela aparece muito madura e outras vezes é... sabe meio problemática? Com umas coisas meio que imaturas ou como crise existencial, coisas assim. Eu peguei isso e coloquei três “Fedras” em cena, com Mariana Cybele, que na época tinha perto de 20 anos, eu que tinha perto de 30 para interpretar a

“Fedra” nessa situação mediana e Francis Souza, na faixa dos 40 anos para fazer a “Fedra” mais adulta. (Informação verbal)16.

O quarto espetáculo do grupo é Cangaceiras (2018). A exemplo dos outros trabalhos produzidos pelo grupo Cínicas de Teatro Cia de Mulheres, as ideias e atitudes feministas se fazem presentes nomodus operandi de criar a peça, tanto na cena quanto no texto. Em cena, há apenas mulheres falando sobre mulheres. Além

16Ibid.

15.Ibid.

14 Maria Cristina Siqueira em entrevista concedida em 9 de junho de 2020

disso, as funções de encenadora e produtora também foram ocupadas por mulheres. Além das ideias apresentadas pelo próprio texto-espetáculo, percebe-se uma atitude feminista em privilegiar o protagonismo das mulheres em funções teatrais que vão além da cena e que, muitas vezes, são desempenhadas por homens. O texto de Cangaceiras (2018), será objeto de análise dos tópicos seguintes.