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Relacionada ao ciclo de vida da comunidade imigrante (PIANTA, 1982), Cara mama la spósa l’è qui (Cara mãe a noiva chegou)1 está, segundo Ribeiro (2004, p. 342), entre as canções dedicadas aos ritos domésticos como o nascimento, o batismo, o noivado, o casamento, a morte, enfim à vida familiar e coletiva. Nesse sentido é classificada no Projeto Ecirs como uma canção ritualística de bodas. A partir de informações coletadas pelo grupo de pesquisa, é possível dizer que este canto foi executado até meados do século XX nas festas de casamento da RCI rural - e também em outras ocasiões como brincadeira jocosa.

Encontram-se documentadas no Projeto Ecirs duas versões distintas coletadas no município de Antônio Prado, estado do Rio Grande do Sul. Cara mama la spósa l’è qui,

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A tradução para a língua portuguesa dos excertos de canções utilizados no presente capítulo foi realizada pelo Projeto Ecirs.

gravada pelo Coro da Linha Cândida do (travessão) 30, e Mama mia la sposa la è qui, gravada pelo Coro da Linha Camargo. Leydi (1978, p. 117-119) publica em I canti popolari italiani uma versão cujo título é Mamma mia la sposa l’è ché, coletada em pesquisa etnográfica realizada em Rava di Valtorta, província de Bergamo, na região da Lombardia. Sanga (1979, p. 152-154) publica em Mondo popolare em Lombardia uma outra versão, coletada em Cigano, província de Bréscia, intitulada Mama mama la spùsa l’è che. Propõe-se para análise um diálogo entre as quatro versões, intermediado por registros documentais (orais e escritos) que informam sobre contextos de execução ritual da canção na RCI e também em território italiano.

Ribeiro (informação verbal2) assinala: “Quando Dino Coltro examina mais detidamente a questão do canto popular na sociedade do início do século XIX ele diz claramente: a canção se torna expressão do costume, do trabalho e da festa, qualquer que ela seja, da gente sem alfabeto, da gente que não sabe escrever, que confia à transmissão oral, nos seus diferentes módulos, incluindo a canção, as narrações da sua história”. Coltro também mostra, complementa a pesquisadora, que “a escolha que muitas vezes se faz de acompanhar a canção com narrações dos próprios informantes enriquece e nos faz entender e tornar mais explícita a função de uma determinada canção popular”.

A versão coletada por Leydi está elencada em sua obra entre os cantos rituais, mais especificamente entre os cantos de bodas. Acompanha os registros escritos da letra e da música a informação de que foi executada de forma ritual durante os matrimônios na montanha bergamasca, valtelinese e bresciana até aproximadamente quinze anos antes da primeira publicação da obra em questão, em 1973. Desenrolava-se, diz Leydi (1978, p. 117- 118), em uma forma elementar de representação, com a participação da sogra, do esposo, da esposa e dos convidados. Informa o pesquisador, de forma sucinta, que “o propósito do canto era exorcizar, através de sua manifestação pública e ritualizada, a divergência tradicional existente entre sogra e nora”. Acrescenta ainda que no momento da publicação da coletânea, a execução da canção podia ser observada algumas vezes em banquetes de bodas, mas destituída de seu caráter de representação.

A versão de Sanga, cantada em uma voz, recupera apenas duas estrofes da canção. Acompanham a transcrição de letra e música as informações anteriormente postas por Leydi, acrescidas de dois dados interpretativos importantes. A primeira estrofe, praticamente a mesma em todas as versões encontradas, expressaria o momento em que o esposo convida a

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mãe a aceitar a esposa, o que demonstra de forma clara a ligação da canção com o ritual laico de aceitação dos novos vínculos de parentesco entre as famílias dos noivos. Em segundo, levanta a hipótese de que a canção contém uma simbologia erótica, embora, ressalva o pesquisador, isto não esteja evidente.

Ribeiro (informação verbal3) identifica a execução de Cara mama la spósa l’è qui em dois momentos distintos da vida das comunidades de imigrantes na RCI. A primeira informação sobre a presença da canção surge de um relato feito pela própria mãe, quando descreve o rito de casamento de uma de suas irmãs mais velhas. Está, portanto, vinculado à memória familiar da pesquisadora. O segundo surge quando o Projeto Ecirs grava o cancioneiro popular nas comunidades rurais do município de Antônio Prado. Nesta ocasião, relata Ribeiro, são registrados dois cantos de bodas: Cosa magnerà la sposa, um canto augural - que não vem acompanhado de gestualidade e nem de um rito que deve ser cumprido - cantado, segundo informantes, durante o banquete de casamento, e Cara mama la spósa l’è qui, também documentado como Mama mia la sposa la è qui, estes sim ritualizados.

Analisada no contexto do rito do casamento, a canção parece ganhar lugar num espaço de fronteira entre o público e o privado, entre o sagrado e o social/civil – a festa – com a função primeira de inserir a nova esposa no ambiente familiar em que passará a viver. Para as famílias de imigrantes da RCI e seus descendentes, o dia do casamento é marcado por obrigações mútuas que respeitam as tradições e ao mesmo tempo os ajustes firmados entre famílias. Estes ajustes perpassam o período do namoro e do noivado, a fim de tornar possível a união dos filhos. Os rituais do dia confirmam esses compromissos.

É importante retomar a informação apresentada no terceiro capítulo deste estudo de que o casamento constitui um dos ritos de passagem mais significativos do ciclo de vida das comunidades camponesas na RCI. Segundo Ribeiro (informação verbal4), três ações rituais marcam predominantemente esse dia. A primeira delas é a cerimônia religiosa católica, que tem lugar na igreja do povoado ou na capela mais próxima. A segunda delas é uma ação ritual laica de formalização dos novos laços de parentesco envolvendo os noivos e suas respectivas famílias, que se desenrola às portas da igreja, quando concluído o casamento. A terceira é a recepção da noiva pela sogra, que acontece na casa dos pais do noivo.

Por muitos anos perduraram na RCI rural estes três momentos. Ribeiro (informação verbal5) descreve a aceitação como a ação por meio da qual simbolicamente se dava a adesão

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Em depoimento oral concedido à autora em maio de 2007. 4

Em depoimento oral concedido à autora em maio de 2007. 5

mútua das famílias, decorrente do novo elo de parentesco que se criava entre os recém casados. Relatos de informantes do Projeto Ecirs dão conta de que a prática acontecia especialmente envolvendo os pais, mas frequentemente era estendida pelos noivos aos demais membros do grupo familiar dos respectivos cônjuges. Essa manifestação pode ser entendida como uma cerimônia pré-cristã paralela ao casamento na igreja, ambas as práticas amplamente difundidas na RCI. Enquanto, evoca Duby (1989, p. 15), a cerimônia religiosa ocupava-se, na Idade Média, de questões morais, o modelo leigo ocupava-se em manter, de uma época para a outra, o estado de uma casa.

Os ritos de passagem compreendem a mais expressiva e significativa categoria dos ritos relacionados ao ciclo de vida, observa Terrin (2004, p. 43-44), seja pelo vínculo que mantêm com as etapas fundamentais da vida de uma pessoa, seja porque causam nela uma mudança de status representativa em relação ao grupo a que pertence. Isso não significa que um rito de passagem também não possa ser interpretado em sua dimensão de rito cíclico ou até como um rito de crise. Se, por exemplo, se observar o casamento como uma festa, aqueles que dela participam não como noivos, mas como grupo, como comunidade, absorvem do rito sua função renovadora. Para esta parte do grupo social, o rito é cíclico, em sentidos que não cabe aqui aprofundar. À medida que elaboram uma mudança na vida das pessoas, das famílias e até mesmo das comunidades envolvidas, os momentos de “passagem” de um status a outro podem ser considerados, a priori, momentos de crise (SANGA, 1979, p. 150-151). Para este autor, os momentos de passagem têm a seguinte configuração:

Sono momenti carichi di pericoli, che vanno affrontati e risolti riconducendoli all’ interno di una prassi che garantisce il superamento della crisi attuale: in sostanza il rito offre un modello, sicuro in quanto collaudato da tempo immemorabile, secondo il quale la crisi può essere superata, e quindi non è pericolosa, in quanto è ricondotta a una fenomenologia nota.6

Se, por sua vez, se observar que a maioria dos imigrantes enfrentava, cotidianamente, a impossibilidade de realizar uma transformação de curto prazo em suas condições de vida, se poderia interpretar essa condição como uma crise permanente. A socialização proporcionada nesse caso transforma o rito do casamento em uma ação reparadora, como ancestralmente também funcionaram os períodos carnavalescos.

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“São momentos carregados de perigos, que são enfrentados e resolvidos reconduzindo-os ao interior de uma prática que garante a superação da crise atual: na essência o rito oferece um modelo, seguro enquanto testado desde tempos imemoráveis, segundo os quais a crise pode ser superada, e portanto não é perigosa, enquanto é reconduzida a uma fenomenologia conhecida”.

Para além da coexistência duradoura de tradições laicas e cristãs pode-se sugerir que o rito do casamento na RCI comporta ainda sinais de uma remota tradição pré-cristã, revelados, como se tentará demonstrar, pela resistência da canção Cara mama... . A presença desta canção - e a conseqüente tentativa de interpretar seu texto no contexto ritual - tornam possível identificar os nós de uma formação cultural, sentidos múltiplos que se constroem pelo entrelaçamento dos tempos e colaboram para a formação do que se denomina RCI. Embora Gianluigi Secco (1995, p. 228) não faça referência específica à Cara mama... entre as canções de bodas que identifica em seu estudo realizado a respeito das canções de amor na província de Belluno, oferece uma informação importante quando diz que muitos trechos de canções eram cantados em momentos cruciais do rito do casamento. Identifica, inclusive, a execução das canções em duas situações específicas: a partida da noiva da casa dos pais e a chegada da esposa a sua nova casa. Confirma-se, então, que as canções ganham significado dentro deste contexto. Lê-las em sua ambivalência e ambigüidade é, por sua vez, uma necessidade, pressupondo-se que neste conjunto a ser decomposto estejam contidas não uma, mas várias funções por ela exercidas no seio da cultura local.

As quatro versões acessadas, as variações observadas, indicam uma fala contextual e dinâmica, que se movimenta evidenciando que são, de fato, suportes das tradições. Depósito do que ainda é, mas também do que simplesmente já foi. Presente e passado. A análise dos textos, sua decomposição em partes e recomposição, permite observar a canção em suas distintas dimensões. Nesse sentido torna-se uma e ao mesmo tempo várias, conteúdo latente pronto para ser revelado – ou não, pois como evidencia Terrin (2004, p. 33) há sempre no rito uma dimensão que não se consegue dominar, mesmo diante de sua contextualidade.

Ao explorar a terminologia acerca do casamento, Brandão (1993, p. 72-74) esclarece que, nas sociedades indo-européias, o casamento era uma função do homem. Dentro dessa perspectiva o verbo “casar” expressava uma ação masculina identificada pelo verbo “conduzir”, significando “conduzir a mulher para casa”. O verbo encontrado para definir a ação feminina do casamento é nubere significando “cobrir-se com um véu para outrem”. “A ausência de um verbo próprio deixa claro que a mulher não se casa, mas é casada” – observa o autor esclarecendo que a noiva não “realiza um ato” e sim “muda de condição”. Nota-se, nesse sentido, como a execução de Cara mama... integra-se funcionalmente na ação masculina de “conduzir a mulher para a casa”.

Referida por Brandão (1993), a pesquisa de Émile Benveniste mostra que não existe um termo indo-europeu para o casamento e que, conforme aponta Aristóteles, nem mesmo os gregos deram um nome para a união do homem e da mulher. As expressões que referem o

casamento são, assim, recentes e diversificadas, diz Benveniste. Entre os romanos, salienta Brandão, o casamento teve o caráter de uma união sagrada, por meio da qual se estruturava a sociedade. O vocábulo matrimonium, do latim, mantém o sentido dado pelos povos indo- europeus (dare filiam in matrimonium significava, para o pai, “dar a filha em casamento”), mas originalmente, designa a “condição legal de mater, de mãe”. O termo “matrimônio” passa a ser, assim, identificador de uma nova condição da mulher: a de mãe de família. “Daí se pode concluir que o casamento traduz para a mulher não um ato, mas uma destinação: ela é dada e conduzida com vistas ao matrimonium, in matrimonium, isto é, para ser mãe de família”, reforça Brandão. Cabe aqui uma referência ao vocábulo maridàre que em dialeto vêneto expressa a ação de casar e cuja raiz é marí que significa marido. À semelhança, um dos termos do francês para casamento é mariage.

A terminologia que envolve o ato do casamento mostra-se, nesse sentido, coerente com as práticas que se mantiveram na RCI, protagonizadas por figuras masculinas. Enquanto os homens acompanhavam todos os momentos públicos do casamento, tanto a mãe da noiva quanto a mãe do noivo de maneira geral permaneciam em casa. Cabia ao pai, por exemplo, aceitar a nora como filha ainda às portas da igreja. Esse costume pode ser observado de duas maneiras: como um sinal da distinção existente entre as práticas leigas e as eclesiásticas, já que a ação ritual de aceitação se dava do lado de fora da igreja, geralmente após o culto religioso; e como indicativo dos espaços de poder do homem e da mulher.

O regime de herança aplicado na RCI é, segundo Azevedo (1980, p. 139), a garantia de que a unidade de produção que dá sustento à família será mantida. Reproduz o sistema europeu, também comum no norte da Itália, em que o patrimônio do pai deve “persistir indiviso e com a mesma função econômica e social em poder do descendente capaz de o suceder naquele papel de chefe da empresa-família”. Este papel cabe aos filhos homens, que passam a ser os herdeiros da propriedade rural. Assim, a posse da terra raramente é dada por iniciativa à mulher, que se torna proprietária apenas em situações excepcionais. Sejam quais forem os arranjos estabelecidos ao longo da vida pelas famílias, a prioridade é manter a unidade de produção íntegra, nas mãos de um ou mais filhos, a fim de que continue produtiva. Este regime ordena toda a vida social, especialmente os casamentos.

Consequentemente, a decisão de casar envolve o consentimento do pai, que administra o dinheiro e media as prioridades da casa. Os filhos mais velhos têm a preferência, bem como as filhas mais velhas. A ordem pode ser alterada – e frequentemente acontece - mas há sempre uma forma de fazer, uma tradição, que orienta e normatiza as atitudes – e justifica as

decisões. Nas famílias numerosas e mais pobres, entre a decisão de casar e o casamento propriamente dito pode transcorrer um tempo considerável.

Diferentemente do que acontecia com o pai, o ritual de aceitação da mãe era realizado em casa e situava a esposa que chegava em um lugar simbólico, liminal. Sabe-se que a recepção na nova residência era via de regra feita pela sogra, o que pode ser interpretado como a continuidade do ritual laico iniciado às portas da igreja. Ribeiro (informação verbal7) também observa a ausência das figuras maternas na cerimônia religiosa. Relata uma informante do Projeto Ecirs 8 que a esposa chegava à casa da sogra em um cavalo especialmente escolhido pelo primeiro padrinho, arriado com selín (sela própria para mulheres). A sogra saía de casa com uma cadeira, a noiva desmontava do selín e aceitava a sogra por mãe. O ritual de aceitação era finalizado quando, durante o banquete, a esposa, acompanhada do esposo, passava em todas as mesas dirigindo as palavras rituais aos demais membros da família acolhedora (tios, primos, cunhados, etc).

É coerente justificar a ausência das mães na cerimônia religiosa de forma objetiva, pois às mulheres cabiam os preparativos dos eventos que envolviam o casamento, tanto na família da noiva quanto na do noivo. Mas é possível também entendê-la a partir de um hipotético simbolismo de que o lugar de cada ato demarca na verdade espaços de poder feminino e masculino. Ao anunciar à mãe a chegada da esposa o filho respeita e reproduz a hierarquia: submete-se à tutela materna, ao mesmo tempo em que delega a autoridade sobre a esposa para o domínio da mãe. Nesse sentido, a canção em análise se reveste de uma importante significação.

Em seu contexto ritual, a canção Cara mama... parece simbolizar de forma clara a passagem da mulher pelas três fases que, a partir do modelo de Van Gennep, Turner identifica no rito de passagem. Terrin (2004, p. 101) assim as descreve:

[...] a fase da desestruturação, em que se passa de uma situação “estrutural”, isto é, bem articulada, no seio da sociedade, a uma liminar, que leva a uma espécie de marginalização e sai da zona de rígida estrutura; a segunda fase, que é a fase intermediária, isto é, aquela dada justamente pela marginalidade, liminalidade, isto é, por aquela situação em que se é excluído da sociedade e da velha estrutura social. Nesse sentido, o indivíduo, quando sai da estrutura de pertença formal, torna-se outro, torna-se um “marginal”, adquire um caráter universalista e “anômico”, “fora da lei” em relação à sua situação anterior, entrando numa communitas que se constitui mediante uma configuração totalmente nova das relações sociais, que vêm como que purificadas, regeneradas, tornadas originárias e “inocentes”, baseando-se

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Em depoimento oral concedido à autora em maio de 2007. 8

Informante Elvira Baggio Pegoraro, moradora de Travessão Bonito – Flores da Cunha – RS. Acervo de entrevistas orais do Projeto Ecirs. Sem data.

agora no tipo eu/tu/nós como um unicum indiviso. A terceira fase, ao invés, é uma espécie de “retorno”, é dada pela “reestruturação” e se baseia na reassunção de modelos, mas a partir de uma nova estrutura.

O rito do casamento faz a passagem da condição de filha (1ª fase de Turner), que migra temporariamente para a condição transitória e anômala de noiva (porque nem do pai nem do marido) (2ª fase de Turner) e finalmente muda para a condição de esposa (3ª fase de Turner). É interessante observar como essa transição identitária feminina está sempre relacionada a uma figura masculina: primeiro à do pai e depois à do esposo. No entanto, a canção também simboliza os espaços de poder femininos. É o homem que retira a mulher de uma condição “marginal”, mas é a sogra que a introduz no espaço em que exercerá seu novo status de esposa – e seu poder – a casa.

A estrofe inicial da canção Cara mama la spósa l’è qui, quando relacionada às tradições perpetuadas pelo casamento na RCI rural, parece evidenciar a casa como um espaço por excelência feminino. A canção inicia com o esposo anunciando à mãe a chegada da noiva.

Cara mama la spósa l’è qui cara mama la spósa l’è qui féghe legria féghe legria féghe legria che nco l’è ‘l so dì féghe legria féghe legria féghe legria che nco l’è ‘l so dì

Cara mãe, a noiva chegou Cara mãe, a noiva chegou dai-lhe alegria, dai-lhe alegria dai-lhe alegria que hoje é o seu dia dai-lhe alegria, dai-lhe alegria dai-lhe alegria que hoje é o seu dia

Observa-se que os versos iniciais atuam como ferramenta pela qual se estabelecem as bases da nova relação que a chegada da esposa inaugura. Comunica-se, nesse momento, a existência de uma hierarquia entre mulheres que deve ser aprendida e respeitada pela nova integrante da família, e comunica-se a mãe como dona da casa e, portanto, a figura de autoridade a quem a nora deve obediência. Não é por acaso que a mãe recepciona a nora recém-chegada, fazendo a transição para seu espaço de poder na nova communitas, ou seja, a casa.

Enquanto a canção isolada de seu contexto apenas sugere uma vinculação à cerimônia laica de aceitação, a experiência familiar resgatada por Ribeiro mostra que a execução de Cara mama la spósa l’è qui integra a ação ritual, a constitui. Quando os noivos e seu cortejo chegam, a sogra, mãe do noivo, está à espera de todos no pogiolo, uma espécie de pequena sacada frontal de acesso à porta principal da casa, separada do chão por uma pequena escada de três até cinco degraus. Veste avental de trabalho e nele está, à altura da cintura, pendurado