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CAPÍTULO II POR QUE PENSAR COM FOUCAULT?

2.5 GENEALOGIA DA PRÁTICA

A Genealogia é cinza; ela é meticulosa e pacientemente documentária. Ela trabalha com pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes reescritos. (FOUCAULT, 2014a, p. 55)

Em outra etapa de análise dessa pesquisa, utilizar-se-á a genealogia. Esta concentra seu domínio nas relações de poder e será vertida nas forças que operam na prática pedagógica como produtora de subjetividades. A genealogia permite pensar a história de outra forma, com acentuada crítica a metafisica na incessante busca de um fundamento último e primeiro, bem como a busca pela essência das coisas. Assim, o discurso genealógico questiona a si mesmo, como uma espécie de contra História, que aponta e faz circular o até então impensado na história oficial.

30Vilela e Bárcena-Orbe apresentam dois sentidos para o conceito de acontecimento, termo esse utilizado usado

tanto por Foucault quanto por Deleuze. No primeiro sentindo, acontecimento se remete a algo que já aconteceu, e que, ainda permanece no pensamento enquanto uma provocação, estabelecendo uma ponte com o passado na forma de um pathos de estranhamento e assombro ante o ocorrido. Assim o acontecimento surge como algo novo, que vem de fora e força o pensamento a pensar (VILELA; BÁRCENA-ORBE, 2007, p. 15-16). Já no segundo sentido, acontecimento é aquilo que de forma imprevista produz uma ruptura no aqui e agora, estabelecendo assim, uma descontinuidade entre passado e futuro. Já Castro (2009) observa que Foucault usa o conceito de acontecimento para o caracterizar o modo de análise histórica da arqueologia e da concepção geral da atividade filosófica. A arqueologia é uma descrição de acontecimentos discursivos.

Ressalta-se que a proposta da genealogia não visa interpretar o passado, e sim descrever e estabelecer uma rede de relações significativas que permitam aos enunciados expressar seu sentido e principalmente as mediações que estes produzem, possibilitando assim, que a descrição se torne explicativa. Observa Veyne, que: “o que é feito, o objeto, se explica pelo que foi o fazer em cada momento da história; enganamo-nos quando pensamos que o fazer, a prática, se explica a partir do que é feito” (VEYNE, 1998, p. 257)

Nesta perspectiva histórica pensada por Foucault, muda-se radicalmente o modo como se pergunta sobre as coisas. Se em uma perspectiva positivista/marxista a pergunta é: o

que é isso? A genealogia foucaultiana pergunta: como funciona isso? Ressalta-se a relevância da pergunta o que é. Esse tipo de perspectiva coloca-nos frente ao objeto/sujeito, porém, diante dessa totalidade, exige conceituações e definições que depois de pronta limitam o pensamento.

De outra forma perguntar como funciona colocar-nos em infinitos caminhos a percorrer, considerando que ao perguntar-se como funciona, lida-se com o que é real, aplicável, o que está em funcionamento, onde esse funcionamento é alimentado por toda uma rede de dispositivos e relações que dão razão de funcionamento e existência, como já advertido por Veyne, “o objeto se explica, o que veio fazer em cada momento da história”, e nas palavras do próprio Foucault:

Fazer genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será, portanto, partir em busca de sua ‘origem’, negligenciando como inacessíveis todos os episódios da história; será ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar velos surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor de ir procurá-las lá onde elas estão, escavando os bas-fond; deixar-lhes o tempo de levantar-lhes do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sobre sua guarda. (FOUCAULT, 2014a, p.61)

Assim, quando se questiona nessa pesquisa pelas condições que tornaram possíveis a emergência de práticas pedagógicas subjetivadoras, distancia-se da relação de causa e efeito positivista, e, de posições da dialética marxista. Ao fazer-se tal questionamento, baseia-se na emergência de vários e significativos elementos constituintes da instituição escolar moderna a partir das relações de poder, que ressignificaram a profissão e a formação docente, os modos de percepção e utilização do espaço e tempo, que desemboca na forma de pensar e atuar em sala de aula, ou seja, na prática pedagógica.

Observa-se que tanto a arqueologia quanto a genealogia, são saberes diretivos à investigação histórica, entretanto, seus procedimentos analíticos pretendem uma investigação

que possibilite o surgimento de novas práticas discursivas, distanciando-se das meras coletas e classificação de dados.

Com efeito, a arqueologia e a genealogia, utilizam-se da descrição na construção de uma rede explicativa que permita dar conta dos enunciados estudados, que por sua vez estão localizados além da fala e da língua. O objeto assim, encontra-se no plano das coisas ditas, busca-se dessa feita, os acontecimentos discursivos, com a finalidade de responder de forma singular, a partir da instauração de um solo como estratégia analítica, permitindo que os eventos possam compreender os acontecimentos em si mesmos.

Corroborando com proximidades analíticas entre a arqueologia e a genealogia Veiga-Neto observa:

O que fica claro de tudo isso é que o registro em que trabalha o genealogista é o mesmo do arqueologista. Assim por exemplo, como a arqueologia, a genealogia não acredita nem nas essências fixas, nem em leis universais, nem em fundamento e finalidades metafísicas; ambas põe em evidência as rupturas onde se pensava haver continuidades; ambas desconfiam dos discursos unitários, generalizantes e emblemáticos. (VEIGA-NETO, 2014, p. 62-63)

Assim, a arqueologia e a genealogia constituem-se como ferramenta analítica para desenvolvimento dessa pesquisa; a arqueologia vai permitir descrever e visualizar a partir dos discursos, as descontinuidades, dobras, permitindo a identificação de eventos históricos, conhecimentos e técnicas que tornaram possível a emergência da prática pedagógica tal qual conhecemos na atualidade.

Já a genealogia vai permitir a análise das relações de poder que transforma o indivíduo em um assunto particular de ensino e a produção de subjetividades, indagando pelo funcionamento da prática pedagógica tanto para o professor, quanto para o aluno.

Ressalta-se que esse capítulo teve como pretensão uma aproximação com os conceitos foucaultianos utilizados nessa pesquisa. Esses conceitos, quando aplicados nos variados caminhos dessa pesquisa serão retomados em outros momentos. Objetivou-se também na exposição de autores que se utilizaram da teorização de Foucault na área da educação, expor os deslocamentos conceituais já feitos, bem como os possíveis de serem feitos, sem cometer nenhum delito conceitual.

Resumidamente essa pesquisa se centraliza em três problemas para cada uma das três dimensões do pensamento de Foucault, como elaborada por Miguel Morey e incorporada por Veiga-Neto (2014). Para eles, o pensamento de Foucault pode ser dividido em três domínios, o domínio do ser-saber, do ser-poder, e do ser-consigo.

No primeiro domínio o do ser-saber pergunta-se: o porquê que as pesquisas em educação têm efeitos inexpressíveis sobre as práticas pedagógicas notabilizando-as como

tecnologias de subjetivação. Para esse problema, utiliza-se da arqueologia objetivando descrever e visualizar as dobras, descontinuidades nos discursos, que permitam a identificação de eventos históricos, conhecimentos e técnicas que tornaram possíveis as referidas instruções que delinearam nas mais diversas áreas do saber, um modelo universal de subjetivação para a prática pedagógica, como observo em outro momento desse texto.

No segundo domínio, o do ser-poder, questiona-se sobre o funcionamento da prática pedagógica e problematiza-se os processos de subjetivação do professor e do aluno a partir dos jogos de poder constituinte dessa prática. Para esse problema utiliza-se da genealogia, na busca dos dispositivos auxiliares de poder que permitem o funcionamento da prática pedagógica.

E por fim, no último domínio, problematiza-se a prática se si31 na profissão

docente, considerando a visão que o estado tem/construiu do professor, que ao longo do tempo passou pela visão sacerdotal, civilizadora e agora profissional, porém, questiona-se como o professor se vê, e como se dá sua constituição docente em meio as demandas pós- modernas e as tecnologias de subjetivação atuantes na instituição escolar.