• Nenhum resultado encontrado

Da Globalização e suas implicações

No documento Download/Open (páginas 58-65)

CAPÍTULO 1. TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO: DE 1980 ATÉ NOSSOS DIAS

1.2 Da Globalização e suas implicações

A Globalização é um fenômeno que tem diminuído a distância entre as sociedades mundiais, com implicações, sobretudo, no âmbito socioeconômico, cultural e político. Teve início no século passado e propiciou a relação mercadológica entre países distintos e a aproximação das nações, numa conexão que possibilitou compartilhar, inclusive, informações e tecnologias. Além disso, interligou pessoas e governos de sociedades diferentes e, portanto, tem acarretado na superação de fronteiras físicas e simbólicas (LÉVY, 2003).

Por sua ênfase na expansão capitalista, surgiram novas relações jurídicas, envolvendo intrincadas questões financeiras internacionais. Há uma relação direta entre a maioria das transformações sociais vivenciadas nas últimas décadas e a Globalização. Castles (2002) define-a como:

Um processo (ou conjunto de processos) que incorpora transformações na organização espacial das relações e das transações sociais — consideradas em termos da sua extensão, da sua intensidade, da sua velocidade e do seu impacto —, gerando fluxos transcontinentais ou inter-regionais e redes de atividade, interação e o exercício do poder (CASTLES, 2002, p. 20)

Para o estudioso, essa definição “permite a operacionalização e a pesquisa empírica, na medida em que os fluxos e as redes podem ser cartografados, medidos e analisados. No entanto, o entendimento e a avaliação do que é a globalização variam muito” (CASTLES, 2002, p. 20). Retomando

estudos recentes, Castles (2002) discute que existem três tipos gerais de categorias que contemplam os especialistas em Globalização: os hiperglobalizadores, os cépticos e os transformacionistas. Cada um deles traz a marca de uma ideologia acerca da Globalização:

a) os hiperglobalizadores: “[...] acreditam que a globalização

representa uma nova época na história humana, em que todos os tipos de relações estão a ser integrados num nível global, transcendendo o estado-nação e tornando-o progressivamente irrelevante. Entre os hiperglobalizadores incluem-se tanto aqueles que celebram estas tendências, como os que delas fazem avaliações críticas” (CASTLES, 2002, p. 21).

b) os cépticos: “[...] centram-se sobretudo nos aspectos

econômicos da globalização. Reconhecem os intensos fluxos transfronteiriços de comércio, investimento e mão-de-obra, mas sustentam que não se trata de nada de novo: a integração económica internacional no período que precedeu a I Grande Guerra era equiparável aos níveis atuais. Para além disto, fazem notar que a maior parte do comércio mundial (80% ou mais) se efetua entre as economias altamente desenvolvidas, de modo que os países menos desenvolvidos não participaram de modo significativo nos processos de integração econômica. Preferem assim o termo de ‘internacionalização’ ao termo de globalização” (CASTLES, 2002, p. 22).

c) Os transformacionistas: “consideram a globalização como

o resultado de processos, estreitamente interligados, de mudanças na tecnologia, na atividade econômica, na governança, na comunicação e na cultura. Os fluxos transfronteiriços (de comércio, de investimento, de imigrantes, de artefactos culturais, de factores ambientais, etc.) alcançaram níveis sem precedentes e integram atualmente quase todos os países num sistema global, dando origem a importantes transformações sociais a todos os níveis” (CASTLES, 2002, p. 22).

Como os transformacionistas, entendemos que a Globalização, de fato, desencadeia inúmeras transformações sociais e envolve processos contínuos - e estritamente necessários - de apropriação das novas tecnologias, de adequação às mudanças na economia, na forma do Estado governar e, indubitavelmente, também nos meios de comunicações. Tudo isso, obviamente, traz reflexos diretos sobre a cultura.

Castles (2002, p. 22) pondera, ainda, que “na medida em que a relação entre território e soberania é abalada pela globalização, novas formas de governança emergem aos níveis nacional, regional e global, onde o poder militar e econômico dos estados dominantes tem ainda um papel decisivo”. Por isso, as três categorias têm pontos fortes e pontos fracos em sua interpretação acerca do fenômeno da Globalização. De forma geral, o entendimento acerca

do que seja a Globalização e seus efeitos não é pacífico entre os estudiosos. Independentemente disso, a Globalização acarretou inúmeras transformações sociais que são pragmaticamente perceptíveis; algumas positivas, outras não. Elenquemos algumas delas:

i. o avanço da tecnologia e com ela o surgimento de novas formas de comunicação e interação (ainda que superficiais), bem como o acesso facilitado à informação e ao conhecimento, havendo, também, o surgimento dos crimes virtuais;

ii. o enfraquecimento da soberania do Estado e o esmorecimento da ideia de democracia como expressão do regime político de todos;

iii. a fragmentação das fontes do Direito, descentralizando o poder exercido pelo Estado, até então;

iv. as crises globais, sobretudo as decorrentes da imposição de um capitalismo acirrado que gerou vertiginosa exclusão e desigualdade social, em nome de um crescimento econômico que não alcança todos os países, mas apenas alguns; v. a erosão dos direitos sociais e a constatação de poucos movimentos sociais de resistência a esse processo;

vi. a forma negativa como os membros da sociedade têm representado o Direito, a Justiça, o Poder Judiciário (e nisso se incluem a lei e os profissionais do Direito). Muito do prestígio e da credibilidade dessas instituições sociais se perdeu, diante do manifesto despreparo dos profissionais do Direito em lidar com as questões do mundo globalizado;

vii. o aprofundamento da ciência em todas as áreas do conhecimento;

viii. as demandas relacionadas à educação, em todos os seus níveis; ix. a promoção da linguagem, em especial, a língua inglesa, como língua padrão de conversação entre os países5;

x. o surgimento das chamadas “constelações familiares” com a ampliação do conceito de família, ou seja, novas dinâmicas acerca de como as famílias têm se constituído, definindo outras hipóteses de responsabilidade parental e social em relação aos filhos;

5 É interessante o destaque dado à língua inglesa com o fenômeno da Globalização, porque a

sua apropriação por diferentes países e culturas como língua universal pode corresponder, simbolicamente, como a imposição de uma cultura sobre as outras.

xi. a degeneração do meio ambiente e a percepção de que a natureza já não dá mais conta de suportar o capitalismo que incentiva um consumo desenfreado e o descarte irresponsável dos insumos resultantes;

xii. a corrupção em quase todas as vertentes políticas, com o desvio de verbas públicas para “paraísos fiscais”, cujas ações ilegais são facilitadas pela desterritorialização, em operações internacionais bancárias possibilitadas pela Globalização;

xiii. o aumento da tributação por parte dos Estados e, consequentemente, do custo de vida, muito em decorrência das relações internacionais que se travam. Essa questão tem sido motivo de insatisfação geral dos brasileiros já que o Estado, além de não cumprir com as atribuições que lhe deram origem, ainda impõe alta carga tributária ao cidadão comum. Enfim, hoje o Estado não cumpre com a parte que lhe cabe do contrato social;

xiv. a integração de culturas, mas é preciso ressaltar que muitas vezes algumas culturas têm prevalecido sobre outras, levando algumas, praticamente, à extinção;

xv. a quebra e o consequente fechamento de inúmeras micro e pequenas empresas, pois não conseguem concorrer com as multinacionais que, pela sua própria estrutura, isenção de alguns tributos, facilidades e política de trabalho, acabam trazendo produtos mais baratos ao mercado globalizado.

A Globalização facilitou essas ações empresariais que colocam em risco não só a economia local, mas também o meio ambiente. Por exemplo, algumas empresas multinacionais geralmente se estabelecem em países onde há baixa tributação e mão de obra abundante e barata, com normas trabalhistas e ambientais mais flexíveis, para depois distribuir seus produtos em outros países a preços mais baixos e atrativos. Com isso, há uma competição agressiva e desproporcional com as empresas nacionais, bem como ocorre maior desmatamento e/ou consumo de recursos naturais nos países em que essas empresas predatórias se instalam.

No Brasil, há ainda um agravante a se considerar: não há incentivo por parte do Estado para abertura de novas empresas e geração de empregos. Diante da excessiva tributação imposta ao empresário, os riscos do negócio

são maiores. Com isso, a economia torna-se engessada para o crescimento das empresas nacionais, tornando-se mais atrativa para as multinacionais que recebem inúmeras concessões para aqui se instalar, além do que, embora exista uma legislação ambiental mais rígida no Brasil, a fiscalização ainda é pouca, em algumas regiões do Brasil, o que torna a situação propricia à prática de crimes e abusos ambientais por parte de algumas empresas multinacionais, como temos vislumbrado, com a destruição de ecossistemas, aquíferos etc.

Assim, nota-se que o Direito tem sido confrontado no século XXI. Face à Globalização, muitas mudanças antes consideradas inconcebíveis estão ocorrendo. Muitos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 estão sendo, pouco a pouco, dilapidados, por conta do enfraquecimento do Estado e ausência de vontade política, antes mesmo de alguns direitos, sequer, serem implementados. Nesse novo cenário, da desestatização da regulação social, o Estado continua com sua tarefa de coordenação de interesses nacionais, mas permanece nitidamente envolvido nas políticas de redistribuição social, conforme Faria( 2017). Há, ainda, um predomínio dos processos de exclusão sobre os de inclusão. Acerca dessa questão, Faria (2017) afirma que:

A cada espaço de poder, contrapõem-se, com o passar do tempo, novas formas de construção espacial. E, com isso, o tempo curto do exercício do poder pelos governos distinguem do tempo médio das mobilizações sociais, por um lado, e do tempo mais longo das transformações da sociedade, por outro lado. A partir dessa perspectiva, em que medida as incertezas acerca do futuro econômico podem acabar contendo ou freando a retomada do crescimento? [...] Nesse sentido, levando-se em conta o cenário da crise financeira, em que os mercados se destacam por volatilidades e desequilíbrios cuja real dimensão não pode ser prevista ou nem sequer dimensionada, exigindo uma ampla reformulação de conceitos, categorias, regras e procedimentos normativos, que mudanças normativas podem ser esperadas a curto, médio e longo prazo? Que formas de governança -ou seja, de gestão partilhada de problemas comuns- podem ser concebidas? (FARIA, 2017, p. 33).

A partir do estudo de Faria (2017), depreende-se a dimensão da complexidade na estruturação de um mundo globalizado que realmente venha a integrar as pessoas, as economias, as culturas, respeitando-se o doméstico e o global. A complexidade se opera por diversos fatores, entre eles a dificuldade de se fixar premissas ou pontos de partida que possam ser considerados justos

na elucidação dos problemas sociais, para a retomada do crescimento econômico de forma geral, e não apenas nos grandes centros do mundo. Outra dificuldade é a falta de estabilidade jurídica. Esses dois fatores obstaculizam a tomada de decisões seguras para a efetivação de ações coesas e racionais frente à instável situação econômica dos regimes políticos nos diversos Estados.

Esse panorama faz com que conceitos, regras e procedimentos normativos sejam alterados rapidamente nesses espaços de poder. Diante disso, quais as mudanças normativas que podem efetivamente ser esperadas? ou que seja conveniente serem implementadas? Essa pergunta é pertinente, justamente pela escassez de profissionais que detenham, além de conhecimentos jurídicos, expertise em gestão pública, política e economia, aptos a preverem, com base em dados confiáveis, quais os rumos a serem tomados e os possíveis resultados na economia.

Como se verifica, a Globalização e seus efeitos implicaram mudanças socioeconômicas, políticas e culturais de grandes proporções. Não intentamos exauri- las no rol apresentado, que é apenas exemplificativo e não taxativo. Apenas, elencamos os principais fatores que tiveram implicação nas transformações sociais e, por sua vez, no Direito, para discutir aqueles que mais repercutem no ensino jurídico.

Diante desse quadro, entendemos que, para compreender as transformações do Direito e sua implicação no ensino jurídico, precisamos perscrutar os impactos das transformações sociais ocorridas a partir da década de 1980, já que, a partir de então, mudanças legislativas extremamente significativas ocorreram no Brasil, principalmente, em razão da Globalização. Castles (2002, p.24) explica que:

A ideia central é que a maioria das formas de transformação social se encontra, hoje em dia, ligada de modo complexo a forças globalizadoras e a processos transnacionais. O estudo das transformações sociais deve assim dar um peso equivalente ao local e ao global, não esquecendo de entremeio os níveis nacional e regional. No entanto, compreender a experiência local das transformações sociais requer, por vezes, abordagens específicas. (...) os processos de transformação social dizem respeito a todos os aspectos da existência social e envolvem todos os níveis espaciais. Para o cabal conhecimento de qualquer assunto específico, é necessário compreender a sua integração em processos muito mais amplos.

Castles (2002) defende ainda que, para compreender as transformações sociais, é necessária uma visão global e interdisciplinar. De acordo com o estudioso, há diversos fatores implicados, não sendo possível compreendê-los a partir de uma única disciplina acadêmica em específico. Na visão de Castles (2002),

O estudo das transformações sociais é interdisciplinar. Dificilmente conseguiremos imaginar um qualquer tema de investigação que, no contexto da globalização e da transformação social, possa ser correctamente compreendido no interior dos limites de uma única disciplina académica. Isto significa que cada investigador deve expandir os seus horizontes disciplinares, e que a investigação deve ser levada a cabo por equipas interdisciplinares. No entanto, a interdisciplinaridade não significa que podemos dispensar o conhecimento disciplinar sistemático. Pelo contrário, a interdisciplinaridade tem de assentar numa sólida formação na teoria, nos métodos e nos conhecimentos de ciências sociais específicas e no seu conhecimento aprofundado (CASTLES, 2002, p.26).

Sob a égide da área educacional que regulamenta a formação do bacharel em Direito, nota-se que as mudanças sociais ocasionadas pela Globalização – como, por exemplo, o avanço das tecnologias digitais – acarretaram na demanda por novos conteúdos, didática e metodologias de ensino nas Faculdades de Direito. Em relação aos cursos jurídicos, é importante que disciplinas como Introdução ao estudo do Direito, História do Direito, Economia, Filosofia, Sociologia, Direito Empresarial e Ambiental, por exemplo, estejam alinhadas entre si, para que o aluno tenha uma cosmovisão da sociedade na qual está inserido. Entendemos que é necessário romper as fronteiras do conhecimento tecnicista, multidisciplinando o saber jurídico e concebendo as diversas áreas do conhecimento como interligadas, sem, com isso, perder de vista a especificidade da área do Direito.

Espera-se do professor de Direito, no século XXI, que supere as práticas de ensino tradicional e da educação bancária (FREIRE, 2002). Nesse prisma tradicional, o aluno é visto como uma tabula rasa que só recebe informações, como se fosse um banco de dados vazio que precisa ser preenchido. É preciso mudar essa visão que apreende a relação aluno-professor de Direito fundamentada apenas na transmissão de conteúdo, sem espaço para a correspondência de ideias.

parcelas do professorado de Direito e, a nosso ver, isso será possível por meio da capacitação e potencializado se as novas tecnologias e mídias digitais forem, de fato, integradas aos currículos e às práticas docentes. Para entender essa perspectiva, vamos discutir no próximo tópico os avanços tecnológicos e suas relações com a área do Direito e os modelos de ensino-aprendizagem.

No documento Download/Open (páginas 58-65)