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Intencionalidade do ensino jurídico numa perspectiva fenomenológica

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CAPÍTULO 2 O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO BACHAREL EM DIREITO: MEDIAÇÃO DE LEIS, SABERES E INTENCIONALIDADES

2.4 Intencionalidade do ensino jurídico numa perspectiva fenomenológica

Na linha de pensamento de Merleau-Ponty (2015; 2013), a intencionalidade é a capacidade de superar as relatividades. A vida envolve uma série de atos praticados, que sempre objetivam e se relacionam a algo em específico. Essa é a intencionalidade que, segundo Husserl (1989), remete à

ideia necessária de estado de ´´consciência´´ para consecução de um projeto ou outra intenção por trás de um ato. Para o estudioso, a consciência só ´´é´´ quando está em “algo”, ou seja, nossos atos são sempre intencionais, consciente ou inconscientemente. Essa consciência é influenciada, diretamente, pela realidade e por nossas experiências de vida. Nas palavras do filósofo,

(...) no quadro de minha vida de consciência pura transcendentalmente reduzida, experencio o mundo juntamente com os outros e isso no sentido da experiência de acordo, não por assim dizer com as minhas criações sintéticas privadas, mas sim como estranho para mim, como intersubjetivo, existente para todo mundo, em seus objetos, acessível a todos no mundo (HUSSERL, 1950, p. 123).

Com isso, entende-se que haja uma intersubjetividade subjacente e transcendental nas relações do indivíduo com o mundo e também do indivíduo consigo mesmo. O especialista Santos (2014) explica da seguinte maneira essa intersubjetividade:

Para fazer uso de uma imagem, pode-se comparar a intersubjetividade transcendental como uma rede de fios amarrados entre si, e que forma uma esfera; cada segmento de fio seria uma intencionalidade empática recíproca; cada nó, na rede, um ego transcendental, e o fenômeno do mundo estaria nos vãos abertos entre os fios, e no espaço interno da esfera. A imagem é só aproximativa, e seus principais defeitos estão em sugerir algo estático, quando a constituição é gerada historicamente, e sugerir algo finito, quando o fenômeno do mundo é, na verdade, inesgotável, assim como a vida transcendental (SANTOS, 2014, p. 42).

Aplicando esse prisma ao Direito, podemos dizer que o professor da área tem que atentar-se à importância de haver um diálogo entre as disciplinas e apontar suas intersecções com outras áreas do conhecimento, com o propósito de atingir essa rede de ´´fios amarrados´´. Com isso, é possível propiciar uma formação global ao aluno, em seus aspectos técnicos e humanísticos; uma formação que leve em conta o contexto sócio-político e que incite o aluno a refletir sobre o mundo e a função social do sistema jurídico na sociedade, bem como reconheça a relevância de seu trabalho e o impacto de seu desempenho sobre a sociedade na qual está inserido.

Age acertadamente o professor que contribui para despertar em seus alunos o interesse pela pesquisa. Com isso, o professor induz o alunado a uma análise crítica dos temas tratados, promovendo uma articulação com a

realidade vivida, orientando- os na busca do sentido do Direito. Como vimos, esse sentido pode ser acessado por meio da análise fenomenológica, que pode fornecer uma visão panorâmica que exponha as várias intencionalidades que se escamoteiam no horizonte de cada código, interpretação e norma.

A análise fenomenológica hermenêutica do Direito nos permite dirigir um olhar a tudo aquilo que se apresenta no mundo jurídico e, assim, questionar o seu sentido: o que é o Direito? Por que ele existe? O que é a lei e para que serve? Qual a base do Direito, suas raízes históricas e por que se solidificou da forma que se apresenta nos dias de hoje? Onde estávamos, onde estamos e onde pretendemos chegar com a ciência do Direito? E, finalmente, por que o professor é importante nesse processo de construção do conhecimento jurídico? A partir dessa problematização, consegue-se chegar à função social do Direito, que, como vimos, nem sempre é explícita. Dessa maneira, o alunado, apoiado na condução do professor, poderá mediar a ação social e as normas jurídicas, depreendendo sua aplicação prática.

Nos processos de ensino e de aprendizagem do Direito, o que o aluno aprende nem sempre corresponde exatamente ao que lhe é ensinado. Existe um espaço aberto de elaboração do próprio sujeito; um espaço reflexivo necessário a uma aprendizagem realmente significativa. Merleau-Ponty (2013) explora esse aspecto, utilizando a metáfora do espelho para explicar, o que Husserl (1950) denominou como “intersubjetividade transcendental”:

Doravante meu corpo pode comportar segmentos tomados do corpo dos outros assim como minha substância passa para eles, o homem é espelho para o homem. Quanto ao espelho, ele é o instrumento de uma universal magia que transforma as coisas em espetáculos, os espetáculos em coisas, eu em outrem e outrem em mim (MERLEAU- PONTY, 2013, p. 27).

Quando compreende a intersubjetividade transcendental, o professor de Direito pode ensinar o aluno e, ao mesmo tempo, permitir que este reflita e tenha um olhar crítico acerca do Direito e da realidade que compartilha e constrói com os demais. O que se espera na atualidade do ensino jurídico é que seja mais ativo, focado na iniciativa dos alunos e na troca de conhecimentos. Com isso, a relação pedagógica se tornará, de fato, dialógica, numa luta contra o formalismo e a passividade, pois essas concepções

desmobilizam o potencial criativo do aluno de qualquer área.

Devemos ter especial atenção às práticas pedagógicas do professor de Direito, a didática e a perspectiva metodológica escolhida. Essas escolhas estão condicionadas à ideia prévia, nem sempre muito evidente para o professor, do que é – e do que pode vir a ser - o sentido do Direito.

A função social do Direito precisa estar clara na concepção pedagógica do professorado. Quando se tem essa percepção, a forma de ensinar, de acordo com suas concepções antropológicas, políticas e gnosiológicas, são fortemente transformadas. Streck (2008) explica que essa transformação ocorre pela mudança no modo de perceber a relação sujeito-objeto proporcionada pela fenomenologia hermenêutica:

A fenomenologia hermenêutica permite superar o esquema sujeito- objeto que tem tornado, historicamente, o pensamento jurídico refém dos paradigmas objetivista aristotélico-tomista e da subjetividade. O círculo hermenêutico atravessa a relação sujeito-objeto, a partir da antecipação de sentido, impedindo o objetivismo e o subjetivismo, próprios do pensamento metafísico. A compreensão (Verstehen) ocorre no interior desse virtuoso círculo hermenêutico. Qualquer interpretação que contribua para a compreensão deve já haver compreendido o que se deve interpretar, dirá Heidegger. Não se pode esquecer que o já-sempre-ter-estado e a historicidade do Dasein são as características de nossa faticidade. Essa pré-estrutura projeta nosso compreender e antecipa os sentidos que temos do mundo. Isto não signifca, entretanto, que sejamos prisioneiros dessa pré- estrutura. Compreender não é um modo de conhecer, mas um modo de ser (STRECK, 2008, p. 131).

Para se chegar a essa concepção de que compreender é um modo de ser no mundo - e não apenas mais um modo de conhecê-lo - a hermenêutica jurídica tem o objetivo de modificar a perspectiva sobre o mundo, assim

A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com a discussão acerca da crise do conhecimento e do problema da fundamentação, própria do início do século XX. Veja-se que as várias tentativas de estabelecer regras ou cânones para o processo interpretativo a partir do predomínio da objetividade ou da subjetividade ou, até mesmo, de conjugar a subjetividade do intérprete com a objetividade do texto, não resistiram às teses da viragem linguístico-ontológica (Heidegger-Gadamer), superadoras do esquema sujeito-objeto, compreendidas a partir do caráter ontológico prévio do conceito de sujeito e da desobjetifcação provocada pelo circulo hermenêutico e pela diferença ontológica (STRECK, 2008, p. 128- 129).

ensino do Direito no século XXI continua perpetuando modelos conservadores e positivistas que não contemplam essa perspectiva da fenomenologia hermenêutica:

O que se verifica em pleno século XXI é que os cursos jurídicos continuam adotando a pedagogia da aula-conferência herdada de Portugal. Na maioria dos casos, os professores não possuem formação didático-pedagógica e se restringem, em sala de aula, a comentar os artigos dos códigos, adotando manuais para consulta. Apresentam-se conservadores, reprodutores do discurso oficial, insensíveis aos problemas da maioria da população e descrentes na pluralidade jurídica existente na sociedade. Diante do histórico do ensino jurídico no Brasil e da realidade do século XXI, infere-se que o Direito, por estar diretamente vinculado com a Justiça, deveria apresentar-se emancipatório e libertário, não excludente e autoritário como tem sido até agora por consequência das pessoas que nele atuam, seja como formadores (professores) ou operadores do Direito (COLAÇO, 2006, p. 235).

Podemos dizer, assim, que nossa a vida é condicionada por uma série de realidades intermediadas; entre nós e o que imaginamos ser real sempre há uma espessura representada pela nossa visão de mundo, construída a partir de nosso contexto social e de nossas vivências pessoais.

As nossas interpretações são realizadas por meio de espessuras que fazem com que pensemos de acordo com essas mediações, que utilizamos para enxergar a vida e poder interpretá-la sob um determinado prisma. Existem inúmeras espessuras como, por exemplo, a espessura da linguagem, da sociedade na qual estamos inseridos e de seus valores, da família na qual nascemos, da nossa formação profissional, da cultura, religião, dentre outras. Tudo isso influi na forma como nos relacionamos com o mundo, pois essas espessuras são filtros que nos fazem compreender o mundo de uma determinada maneira e agir de certa forma, porque essas espessuras orientam os hábitos, as ações e as práticas.

Na análise fenomenológica, a intencionalidade perfura as espessuras, acessando o seu sentido, que está além do que a linguagem muitas vezes pode exprimir. A fenomenologia ultrapassa o significado delimitado pela linguagem, vai em busca do sentido encontrado na percepção em sua origem, para logo depois transformá-lo em algo que possa ser expressado, traduzido e compreendido por meio da linguagem. A partir das representações sociais cristalizadas ao longo do tempo, a intencionalidade se transforma e se relaciona ao contexto social.

Dessa forma, podemos dizer que a percepção reflete e retrata o modo das coisas nos serem dadas. Pela análise fenomenológica, nós percebemos o fenômeno jurídico e o descrevemos, permitindo reformular questões, ideais e conceitos que nos deram prontos em nossa cultura ou pela tradição. Em outras palavras, a fenomenologia permite retirar as “arestas”, ressignificando as coisas e readequando-as ao tempo presente. É possível, assim, um reposicionamento da ciência do Direito no universo do conhecimento humano.

O sentido do Direito precisa estar claro para o professor, de acordo com os valores que impregnam suas concepções antropológicas, políticas e gnosiológicas, as quais darão suporte à iniciação que pretende proporcionar aos seus alunos. Entendemos que uma boa iniciação ao aluno é fundamental para todo o resto de sua formação. Neste sentido,

Essa concepção, melhor ou pior articulada, subjaz e condiciona o ensino e estudo do direito. Em consequência, pode este ser conduzido de modo a abrir ou fechar horizontes, pondo-se esta alternativa, de modo decisivo, quando se transmitem as primeiras noções àqueles que nele penetram. Tendem estes conhecimentos primeiros a moldar o horizonte jurídico dos iniciantes (AZEVEDO, 2000, p.39).

Salienta o autor que o Direito deve ser ensinado de modo crítico e humanístico, e que o professor tem papel fundamental nesse processo. É preciso

(...) suscitar a inteligência e a imaginação dos alunos, mostrando-lhes o direito de modo crítico, como parte do quadro cultural global sobre que atua e cujas influências sofre, ou, ao revés, levá-los a compreender o ordenamento jurídico de modo autônomo, omitindo, em consequência, suas determinantes e consequências sociais. A percepção maior ou menor da importância desta alternativa depende da latitude da formação do professor, sendo, de qualquer forma, seus efeitos sensíveis na realidade prática do direito, particularmente no plano dinâmico de sua aplicação (AZEVEDO, 2000, p. 42).

O que defendemos é que haja uma maior humanização do Direito, no sentido de que seja percebido como uma ação emancipatória e libertária, como sugere Colaço (2006). Para isso, a fenomenologia hermenêutica aplicada ao campo do Direito poderia abrir o horizonte pedagógico, porque mostraria as diferentes e diversas intencionalidades que estão nessas realidades intermediárias entre o indivíduo – seja ele um jurista, seja ele um cidadão leigo

– e o que se imagina como real. Dessa forma,

O Direito, dependendo da classificação, ora é enquadrado nas Ciências Humanas, ora é vinculado às Ciências Sociais Aplicadas. Nós, seres humanos sociais, de uma forma ou de outra trabalhamos com o Humano e com o Social, e devemos evitar de desumanizarmos quando nos distanciamos dos problemas da maioria da população, com o fim de legitimar os privilégios de uma minoria e as desigualdades sociais, nos apropriando do discurso jurídico milenar: racional, dogmático, tecnicista e pretensamente neutro (COLAÇO, 2006, p. 236).

Distante da concepção tecnicista, apregoamos que o professor de Direito faça uma mediação entre o saber jurídico e o contexto sociocultural do alunado. Aplicando essas ideias ao ensino jurídico, o aluno do curso de direito precisa compreender sobre quais premissas se fundamenta o próprio Direito e, a partir disso, ressignificá-lo enquanto ciência. As aulas de Direito precisam ser ministradas de acordo com a realidade vivida, com base nas situações concretas de existência, revelando que a ciência do Direito deve estar em consonância com as demandas sociais.

O Direito é um campo para o diálogo, já que as normas jurídicas exprimem juízos de valor e

Não se pode esquecer que as normas jurídicas exprimem juízos de valor sobre as diversas situações que visam a reger e que a evolução cultural lato sensu sofre decisiva influência do direito, que pode conferir-lhe a estabilidade necessária, sobre que se apoie o progresso social, ou uma rigidez incompatível com aquele. Não há como cultivar o Direito isolando-o da vida, que em nossa época, se caracteriza pela rápida mobilidade, determinada pelo progresso científico e tecnológico, pelo crescimento econômico e industrial, pelo influxo de novas concepções sociais e políticas e por modificações culturais. Em contrapartida, no entanto, o direito tende a conservar formas que, em sua maior parte, se originam nos séculos XVIII e XIX, quando não no direito da Antiga Roma, mostrando-se, por isso, inteiramente incapaz de adequar-se às aspirações normativas da sociedade atual (AZEVEDO, 2000, p.47).

Ao profissional do Direito, cabe analisar as normas jurídicas, consciente das forças sociais relevantes em sua criação. Outro fator a se ponderar é como os valores nelas são expressos, interpretando-as em conformidade com a realidade social da qual o docente também faz parte enquanto cidadão. Acerca disso, Azevedo (2000) reflete ser necessário formar humanisticamente o futuro profissional do Direito:

é indispensável não perder de vista o contexto humano em função de que se elabora a ordem jurídica e se deve aplicar o direito e não simplesmente a lei. [...] Há, em tudo isso, uma influência decisiva do ensino jurídico. Na medida em que nele se veicula uma visão predominantemente formal do direito, transmite- se uma decisiva limitação ao jurista, seja ele juiz, advogado, membro do Ministério Público, consultor jurídico ou doutrinador. Essa deficiência pode, talvez, até passar despercebida nos casos rotineiros, mas face ao insólito de certas situações ou à vertiginosa mutação social e de valores, característica de nosso tempo, torna-se evidente. Diante do universo jurídico que se alarga e que mitiga ao mesmo tempo o monopólio do poder estatal, penetrando por inesperados domínios, com problemas e interrogações antes inimaginados, o trabalho do jurista caracteriza-se, frequentemente, pela falta de criatividade, derivada, em boa parte, de sua formação excessivamente centrada na norma, no código e nas construções jurídicas abstratas. Surpreende-se e embaraça- se ele com o caráter multidisciplinar de muitos problemas a solicitar rápida capacidade de valorização, de posicionamento crítico e de decisão (AZEVEDO, 2000, p.53-54).

É também nesse sentido que Freire (1987) defende que a cultura e o homem são correlatos. A humanidade não nasce pronta e acabada: ela se humaniza ao longo da vida de cada sujeito, em contato com o Outro. Por isso, o patrono brasileiro da Educação defende que:

É verdade: nem a cultura liberada é a negação do homem, nem a cultura letrada chegou a ser sua plenitude. Não há homem absolutamente inculto: o homem “hominiza-se” expressando, dizendo o seu mundo. Aí começam a história e a cultura. Mas o primeiro instante da palavra é terrivelmente perturbador: presentifica o mundo à consciência e, ao mesmo tempo, distancia-o. O enfrentamento com o mundo é ameaça e risco. O homem substitui o envoltório protetor do meio natural por um mundo que o provoca e desafia. Num comportamento ambíguo, enquanto ensaia o domínio técnico desse mundo, tenta voltar a seu seio, imergir nele, enleando-se na indistinção entre palavra e coisa. A palavra, primitivamente, é mito. Interior ao mito e condição sua, o “logos" humano vai conquistando primazia, com a inteligência das mãos que transformam o mundo. Os primórdios dessa história ainda são mitologia: o mito é objetivado pela palavra que o diz. A narração do mito, no entanto, objetivando o mundo mítico e entrevendo o seu conteúdo racional, acaba por devolver à consciência a autonomia da palavra, distinta das coisas que ela significa e transforma. Nessa ambiguidade com que a consciência faz o seu mundo, afastando-o de si, no distanciamento objetivante que o presentifica como mundo consciente, a palavra adquire a autonomia que a torna disponível para ser recriada na expressão escrita. Embora não tenha sido um produto arbitrário do espírito incentivo do homem, a cultura letrada é um epifenômeno da cultura, que, atualizando sua reflexividade virtual, encontra na palavra escrita uma maneira mais firme e definida e de dizer-se, isto é, de existenciar-se discursivamente na “práxis” histórica. Podemos conceber a ultrapassagem da cultura letrada: o que, em todo caso, ficará, é o sentido profundo que ela manifesta: escrever e não conservar e repetir a palavra dita, mas dizê-la com a força reflexiva que sua autonomia lhe dá – a força ingênita que a faz instauradora do mundo da consciência, criadora da cultura (FREIRE, 1987, p. 12).

É por ter essa consciência da relação homem/cultura que Freire (1987) defende uma intencionalidade que não se paute no objetivismo, mas na dialética das relações. Nas palavras do estudioso,

A intencionalidade da consciência humana não morre na espessura de um envoltório sem reverso. Ela tem dimensão sempre maior do que os horizontes que a circundam. Perpassa além das coisas que alcança, e porque as sobrepassa, pode enfrentá-las como objetos. A objetividade dos objetos é constituída na intencionalidade da consciência, mas, paradoxalmente, esta atinge, no objetivado, o que ainda não se objetivou: o objetimável. Portanto, o objeto não é só objeto, é, ao mesmo tempo, problema: o que está em frente, como obstáculo e interrogação. Na dialética. constituinte da consciência, em que esta se perfaz na medida em que faz o mundo, a interrogação nunca é pergunta exclusivamente especulativa: no processo de totalização da consciência é sempre provocação que a incita a totalizar-se. O mundo é espetáculo, mas sobretudo convocação. E, como a consciência se constitui necessariamente como consciência do mundo, ela é, pois, simultânea e implicadamente, apresentação e elaboração do mundo. A intencionalidade transcendental da consciência permite-lhe recuar indefinidamente seus horizontes e, dentro deles, ultrapassar os momentos e as situações, que tentam retê-la e enclausurá-la. Liberta pela força de seu impulso transcendentalizante pode volver reflexivamente sobre tais situações e momentos, para julgá-los e julgar-se. Por isto é capaz de crítica. A reflexividade é a raiz da objetivação. Se a consciência se distancia do mundo e o objetiva, é porque sua intencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde o primeiro momento de sua constituição, ao objetivar seu mundo originário, já é virtualmente reflexiva. É presença e distância do mundo: a distância é a condição da presença. Ao distanciar-se do mundo, constituindo- se na objetividade, surpreende- se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha de entendimento, reflexão e mundo, subjetividade e objetividade não se separam: opõem-se, implicando-se dialeticamente. A verdadeira reflexão crítica origina-se e dialetiza-se na interioridade da “práxis” constitutiva do mundo humano – é também “práxis” (FREIRE, 1987, p. 13-14).

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Esse prisma teórico-metodológico aplicado à Educação, faz com que o campo do ensino considere a aprendizagem parte do processo de humanização. E como tal, não há ensino sem aprendizagem e vice-versa. É a relação dialética entre a presença e a distância do homem frente à cultura, em suas interfaces com o mundo. Por isso, quando o campo do Direito acolhe esse prisma, ele consegue entender as várias facetas de que o profissional do Direito tem que dar conta ao entender o texto jurídico e colocá-lo em prática,

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