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O papel do professor de Direito

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CAPÍTULO 2 O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO BACHAREL EM DIREITO: MEDIAÇÃO DE LEIS, SABERES E INTENCIONALIDADES

2.2 O papel do professor de Direito

O professor de Direito deve ter a consciência de que a formação de seus alunos precisa estar em consonância com a nova configuração que o

Direito tomou na sociedade moderna, englobando o estudo das determinantes sociais, políticas, econômicas e culturais. Todavia, isso não quer dizer que o ensino do Direito deva se dar conforme a régua do mercado financeiro e suas condições sociais capitalistas.

A formação dos juristas, e de qualquer outro ser humano, deve ser pensada no sentido de recolocar o ser-humano no centro das atenções, como sujeito e não objeto da educação; como protagonista nesse processo de construção do conhecimento. Ir muito além de entender o ser humano como uma “coisa” que deve gerar lucro. O homem e a mulher não podem ser vistos e compreendidos como mero instrumento a serviço da classe dominante. Sua formação não deve estar sujeita às lógicas do mercado, conforme alerta Frigotto (1994):

A subordinação do educativo e do processo de conhecimento à lógica da produção e do mercado resulta em concepções e práticas dualistas, fragmentárias e profundamente etnocêntricas. As propostas em curso, no Brasil, dos parâmetros curriculares nacionais e, particularmente, da reestruturação do ensino técnico e profissional, explicam de forma inequívoca a reiteração da separação entre teoria e prática, conhecimento geral e específico, técnica e política etc. (FRIGOTTO, 1994, p.90).

A reflexão crítica a essa vertente de subordinação do fazer educativo às demandas do mercado deve ser redimensionada no campo do Direito. Um trabalho interdisciplinar desenvolvido pelo professor em projetos coletivos, como sugere Giovani (1998), poderia ampliar as discussões, possibilitando uma análise mais profunda dos fenômenos contemporâneos, tais como: a globalização e seus impactos sociais, a cidadania, os direitos humanos, a questão do acesso à justiça, o cuidado com o meio ambiente, o respeito à dignidade humana, o direito dos trabalhadores, a democracia etc. Dentre eles, o Direito Ambiental poderia ganhar a notoriedade que ressaltamos que ele precisaria ter como direito social, como reivindicamos no capítulo anterior.

O problema é que, indo na contramão disso tudo, muitos professores de Direito adotam a postura dogmática e ministram aulas eminentemente expositivas, restritas à mera reprodução de conteúdo, baseando-se apenas naquilo que aprenderam, por sua vez, com seus próprios professores da graduação, que é a forma mais próxima e frequente que possuem de experiência docente. Conforme critica Freire (1987), o ensino bancário em que

o aluno é visto como depósito de informações e o professor, o principal fornecedor, desestimula a cidadania. Com isso, nota-se que a aprendizagem no Direito torna-se meramente mecânica, quando deveria ser significativa. Isso é o reflexo de um modelo didático-pedagógico extremamente conservador, já que são mantidos padrões tradicionalistas de ensino do Direito desde a Universidade de Bolonha, no século XIII. Isso afeta drasticamente a qualidade do ensino jurídico. Como critica Freire (1987),

Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo sujeito de sua ação (FREIRE, 1987, p.45).

A crise no ensino jurídico se revela instalada em dois primas: dos alunos e dos professores. De um lado, há alunos despreparados, porque vêm de escolas conteudistas e são submetidos a processos seletivos, os vestibulares, que estimulam o acúmulo de saberes sem articulação, o que se agrava ainda mais com as defasagens de aprendizagem. De outro, existem professores que não reconhecem a especificidade dos saberes docentes, ratificando e perpetuando o projeto de ensino bancário (FREIRE, 1987). Propomos romper essa perspectiva educacional centrada na transmissão de conhecimentos e não no compartilhamento de saberes, conforme defende Giovani (1998), Freire (1987) e Libâneo (1994).

Na área do Direito, defendemos que está superada a ideia de que o Estado detenha o monopólio do poder e, por isso, entendemos que o profissional do Direito deva apreender diferentes aspectos da sociedade para que possa compreender as forças sociais condicionantes que imperam no momento de criação da norma e do fazer jurídicos. Hodiernamente, o Direito se manifesta por meio de novas fontes. Vislumbram-se novos atores e relações muito mais complexas ante ao processo de Globalização que sofremos nas últimas décadas. O Estado não mais detém exclusividade de dizer e ditar o direito, como vimos no capítulo 1. A lei não é também expressão máxima da ideia de Justiça.

Para Kelsen (2003), a ciência do Direito baseia-se especificamente nos diplomas legais, ou seja, na lei e no seu caráter positivista do normativismo. Não releva, nesse ponto de vista por ele adotado, as determinantes sociais do Direito, como por exemplo as relações de poder estabelecidas na sociedade. A

nosso ver, essa concepção não se coaduna com as transformações sociais advindas com o fenômeno da Globalização e com as potencialidades das tecnologias digitais presentes no mundo contemporâneo. Precisamos redimensionar o prisma de Kelsen (2003), ao tratarmos do campo do Direito na conjuntura das necessidades do século XXI.

Como alternatvia ao entendimento de Kelsen (2003), o ensino do Direito não pode estar baseado na análise superficial da realidade ou apenas naquilo que está mais visível ou evidente, negligenciando aspectos axiológicos do Direito, de forma acrítica. O professor de Direito, em suas aulas, deve distanciar-se do ensino calcado na inculcação, na repetição de conceitos e estereótipos que relegam o aluno à margem de uma consciência crítica e reflexiva. Partindo da proposta de um ensino crítico e reflexivo de Freire (1987), compreendemos que esse tipo de formação está muito aquém do que se espera do jurista, sob a bandeira da ´´neutralidade´´ e ´´imparcialidade´´ do Direito. Para piorar esse quadro, não há por parte dos docentes na área do Direito uma apropriação satisfatória das novas tecnologias, o que distancia as suas aulas da realidade social. Contudo, Prensky (2001; 2012; 2010) alerta que as tecnologias digitais também devem ser revistas, para que não se tornem um empecilho ao ensino e sirvam, de fato, ao seu propósito:

Isto é, o papel da tecnologia – e seu único papel – deveria ser o de apoiar os alunos no processo de ensinarem a si mesmos (obviamente com a orientação de seus professores). A tecnologia não apoia – nem pode apoiar – a velha pedagogia do professor que fala/palestra, exceto em formas mínimas, tais como através da utilização de imagens ou vídeos. Na verdade, quando os professores usam o velho paradigma de exposição, ao adicionarem a ele a tecnologia, ela com muito mais frequência do que o desejado, se torna um empecilho (PRESNKY, 2010, p. 202).

Concordamos com Prensky (2010) e Freire (1987), devemos abandonar a velha pedagogia/ensino bancário. Para isso, na área do Direito, defendemos ir para além das propostas de Kelsen (2003) e considerar, sim, os aspectos sociais que influem na elaboração do Direito, sem com isso, cair na armadilha de subsidiar o Direito e o seu ensino à lógica do mercado, como alerta Frigotto (1994). Por outro lado, considerar o Direito como neutro, alheio à ideologia que o permeia e todas as questões sociais que dela emergem, é negar a própria realidade social. Infelizmente, o positivismo escamoteia a ideologia dominante que há por detrás da letra da lei.

Frente a essas questões, concluímos que, entre as expectativas do alunado e a formação propiciada nas faculdades de Direito, há um ´´vácuo formativo´´ que praticamente induz a erro o alunado, quando não, à alienação. O aluno acredita que aprende; mas pouco ou nada aprendeu. Confia que aquilo que aprendeu será suficiente para enfrentar na prática as demandas sociais e o mercado de trabalho ao se ver formado; mas se vê totalmente perdido, dependente de outros colegas mais antigos na profissão. Em pouco tempo percebe o quanto precário foi o seu aprendizado e o quanto esteve desconectado da realidade. O quanto a teoria pouco se relaciona com a prática. Vivenciam um verdadeiro ´´estelionato educacional´´ por parte de algumas instituições de ensino.

Algo intrigante que se nota no exercício da docência na área do Direito – e essa pesquisadora não fala só por si - é que, nos últimos anos do curso de Direito, o alunado não aceita mais discutir questões relacionadas a outras áreas do conhecimento que não o Direito. Desenvolve um senso de identidade tão forte que adota uma postura hostil e quase arrogante em relação aos leigos, aos colegas que estão iniciando o curso e, até mesmo, em relação aos professores, porque acredita que já ultrapassou os conhecimentos detidos pelos seus mestres. E não mais se interessam pelos assuntos voltados à formação humanística.

A identidade dos alunos do curso de Direito se percebe extremamente homogeneizadora, invisível e excludente. Se a identidade perfaz aquilo que um é, revela, em contraponto, aquilo que o outro não é. Como se percebe, o problema da formação da identidade é a possibilidade de desenvolver no aluno um aspecto negativo e, este sim, deve preocupar o docente: o preconceito contra tudo que esteja fora de seu universo, considerando-as menos importantes. Essas ideias (de identidade e preconceito) se cristalizam ao longo do tempo, por meio das representações sociais, e os professores tem papel de destaque nesse processo. Silva (2000) pondera essa questão e entende que a identidade mantém estreita ligação com as relações de poder:

Por outro lado, podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável e contraditória, fragmentada, inconsciente, inacabada. A identidade está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas conexões com as relações de poder (SILVA, 2000, p. 96-97).

Mas, por que isso acontece nos cursos de Direito? Por que os alunos iniciam o curso com um senso acurado de Justiça, decididos a ´´mudar o mundo´´ e vão perdendo essa sensibilidade ao longo do curso? Que tipo de cidadãos estamos formando nos cursos de Direito? É possível que o ensino jurídico atual mais esteja alienando do que educando?

Para discutir um pouco essas questões, no próximo tópico exploraremos as expectativas do alunado no curso do Direito e suas implicações.

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