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É a partir dos subsídios dessa autora que se pode começar a discutir com maior profundidade, não só a natureza política da informação, mas também questões sobre uma política de informação (no sentido distributivo). Isso significa introduzir a questão do poder nesse debate, o que é feito quando, debruçando-se sobre problemas de natureza epistemológica discute as maneiras como os programas de pesquisa da CI comportam-se em relação aos programas da sociedade da informação, chamando a atenção para a pluralidade das “ações de informação”, que antecipam a aceitação de algo como informação, trabalhando com a idéia de “estratificação da informação” e de “regime da informação” (GONZÁLEZ DE GOMÉZ, 1999, 2000), para abordar as incertezas que podem decorrer de processos de gerenciamento da

informação e das práticas informacionais, devidas às diferenças verificadas no contexto das relações sociais.

De preferência à idéia de um “filtro seletivo”, que Wersig considera como estruturador básico dos processos de recepção e emissão de informações, González de Gómes (1984) fala em “matrizes sócio-cognitivas”, querendo, com isso, fazer referência a uma consciência social.

Num processo de transmissão de informação a configuração histórica dessa consciência social opera como seletor e organizador de informação, aceitando, rejeitando ou deformando, segundo seus interesses concretos, o seu modelo cognitivo (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1984, p.111).

A autora considera que, apesar de representar um grande avanço na CI, a abordagem de Werzig ignora a possibilidade de a informação, por não entendimento ou sobrecarga informacional, por exemplo, ser geradora de incertezas. Expressão de uma influência naturalista, essa limitação, ainda muito presente na CI e no tratamento dos fenômenos e questões informacionais de um modo geral, concebe as ações do sujeito fora de seu contexto histórico, desvinculadas da realidade social.

Assim, não se considerou a possibilidade de uma informação geradora de incertezas, ou seja, aquela que possibilita a percepção de problemas e dos limites da consciência prévia sobre uma determinada realidade. Para usarmos os conceitos que Barreto (2002) buscou na psicologia da inteligência de Guilford e que serão citados à frente, só se considerou como informação aquela que é convergente com os conhecimentos prévios, esquecendo-se das formas divergentes de informação. Foram deixados de lado os ruídos, tal como em Shanon e Weaver.

De fato, González de Gómes (1984) identifica duas tendências básicas na CI: (a) tratar naturalísticamente a dispersão da informação; (b) tomá-la como positividade, ou seja, como coisa. Ela explica essa situação pela divisão do trabalho social. Vê-se que é de fundamental importância considerar que as práticas informacionais e comunicacionais, ligadas à transmissão de conhecimentos, são organizadas desigualmente, tanto em termos de condições lógicas e cognitivas como em termos de condições materiais e sociais (não cognitivas); desde condições físicas e energéticas de arquivos e canais até as condições culturais, econômicas e políticas. Os sistemas de informação (SI), na realidade, reproduzem o conhecimento social e

são capazes de interferir na produção (ou reprodução) desses conhecimentos, construindo um discurso meta-informacional que tende a gerenciar o discurso do campo no qual se insere.

O sujeito do conhecimento, universal ou psicológico, que fundamenta a maioria dos trabalhos na CI, é a-histórico e estes não conferem papel significativo ao caráter social do conhecimento. Desconsidera-se que cada grupo social constrói uma consciência comum que estrutura suas práticas informacionais. Equivale dizer que o sujeito (usuário-gerador ou produtor) da informação não é um produto de mecanismos biológicos e deterministas, mas assume um caráter sociohistórico, no qual se constitui a partir dos interesses, conflitos e contradições próprios de sua classe ou grupo social, ou seja, politicamente13.

Ao refletir sobre as concepções do sujeito usuário de informação presentes nas teorias e tecnologias da informação, Gonzáles de Gómes (1984) identifica um ponto de vista formal universalista que admite a existência de categorias e operações racionais-universais anteriores e independentes dos atos de conhecimento. A idéia central é a de um sujeito a-histórico e abstrato e de uma lógica natural trans-cultural e trans-social. Austim seria o autor representativo desse ponto de vista.

Já num ponto de vista psicologista, na sua forma empírico-associacionísta, que tem em Farradane o seu principal representante na CI, o sujeito combina, a partir de suas experiências, percepções elementares que são generalizadas, gerando produtos complexos da experiência. Nesse caso, há uma unidade psicológica de processamento da informação que atua frente às multiplicidades de conteúdos e linguagens ou sistemas de significados. Os principais mecanismos de combinação dos conceitos seriam a associação e a discriminação.

De comum entre esses autores existe a tentativa de encontrar um a priori, ou seja, antecipações e previsões que possam embasar enunciados explicativos e modelos operacionais de RI de caráter universal.

Uma terceira concepção diz respeito ao conhecimento objetivo, que tende a considerar a informação como um produto exteriorizado das atividades de conhecimento, o que já se comentou quando se falou de Brookes.

Buscando situar e entender a CI, Gonzáles de Gómes (1984) explora também as transformações ocorridas no estatuto do conhecimento e da informação, ou seja, o surgimento da indústria da informação. Observa, então, que, na atualidade, busca-se um saber operatório,

e não um saber abrangente (essencialista-filosófico). Enquanto na modernidade a matéria era objeto do conhecimento físico-matemático e do processamento técnico e econômico (produção industrial), hoje os produtos culturais e cognitivos são matéria de processos de transformação técnica e econômica. Observa, ainda, que os estudos informacionais vêm sendo desenvolvidos paralelamente às novas tecnologias da informação.

Por causa do caráter estratificado ou seletivo daquilo que se considera informação, concebe os SI, de um modo geral, e os sistemas de recuperação de informação (SRI), mais especificamente, como resultado do equacionamento de demandas particulares de informações, com critérios sociais institucionalizados que estabelecem o estatuto e as hierarquias das diversas formas de conhecimento.

González de Gómez (1999) refere-se a “uma grande assimetria nas arquiteturas que modelam esses estratos” (p.8) e considera que “um dos grandes desafios da pesquisa na área, resultantes do caráter poli-epistemológico do domínio, é desenvolver programas e estratégias de pesquisa articulando os modos de conhecimento específicos de cada estrato” (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2000, p.4).

É nesse ponto da revisão bibliográfica que encontram-se os indicativos e as bases para que a CI possa dirigir seu olhar, não só para o conhecimento científico douto que pode ser registrado em documentos e guardado nas bibliotecas, como tem sido feito tradicionalmente, mas também para o conhecimento local, para um saber prático, desenvolvido pelas pequenas comunidades no embate cotidiano com seus problemas concretos. Já se pode vislumbrar a existência de um “saber social” como objeto de pesquisa na CI e, ao mesmo tempo, evitar uma visão unilateral que, investindo apenas num único pólo de produção do conhecimento, parece não reconhecer os limites da ciência. Mais do que isso, pois não se trata de contrapor um conhecimento ao outro, o novo olhar pode interessar-se pela articulação das duas modalidades de saber e pelas distintas formas de produção e processamento e articulação da informação.

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