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Le Coadic: necessidade e uso da informação como uma questão cultural

Apesar de dizer que a CI é uma disciplina nomotética, ou seja, em busca do estabelecimento de leis, pelo que se distingue das disciplinas históricas, jurídicas e filosóficas, Le Coadic (1996) considera que se trata de uma ciência social nascida da prática da organização da informação. Observa, então, que, nesse caso, a prática precedeu a teoria e lamenta o fato de não haver, ainda, um arcabouço teórico que permita interpretar, de forma racional e científica, as leis e os modelos empíricos.

Em suas ponderações, esse autor mostra-se preocupado em observar os cânones típicos das ciências físicas e naturais, razão por que valoriza as leis (como as de Bradford, Lotka e Zipf), sobretudo quando passíveis de representação por meio de fórmulas matemáticas e apresentam conceitos operacionalizáveis e mensuráveis.

No entanto, a conceituação de Le Coadic (1996) ganha um significado particularmente importante para este trabalho, quando analisa a dimensão do uso da informação, considerando- a como uma temática fundamental para a pesquisa em CI. Embora afirme que “terão como único objetivo melhorar o desempenho do sistema”, alguns de seus conceitos tornam-se úteis, na medida em que contribuem para melhorar o foco do trabalho de campo, servindo como um ponto de partida, sobretudo por fornecer elementos preliminares relevantes para orientar o pesquisador numa coleta de dados.

São tomadas como objetos de estudo da CI as propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), ou seja, os processos de construção, comunicação e uso da informação. Embora o autor faça suas observações tendo em vista o contexto da comunidade científica, sua evolução, instituições e publicações, considera-se que podem também ser utilizadas para análise de outros campos sociais.

Ele reflete sobre a comunicação como um “processo intermediário que permite a troca de informações entre as pessoas” (p.13), assumindo o papel de assegurar intercâmbio entre os cientistas, e distingue as comunicações de natureza formal/escrita e as de natureza informal/oral, com destaque para os colégios invisíveis e as pessoas chave ou gate-keepers.

Le Coadic (1996) vê uma importante interdependência entre necessidade e uso da informação, pois esses processos “se influenciam reciprocamente de uma maneira complexa que determinará o comportamento do usuário e suas práticas” (p.39). Critica, então, os enfoques mais tradicionais em CI, porque tendem a pressupor que os usuários possuem uma necessidade de informação bem definida, identificando-a como uma necessidade próxima às necessidades biológicas mais básicas. Contrapondo-se a essa visão, ele vê a necessidade de informação como “uma necessidade derivada” (p.40), importante na consecução de necessidades básicas.

Nessa concepção ele acaba aproximando o fenômeno informacional da cultura, pois constituir-se-ia como um artefato cultural desenvolvido por uma determinada sociedade, num determinado momento de sua história, como forma de conceber e atender às necessidades básicas. Não estamos, portanto, diante de um fenômeno biológico, mas de uma questão sociocultural.

O autor refere-se a dois tipos de necessidade de informação: em função de conhecimento e em função da ação. No primeiro caso, trata-se de uma questão de sentido ou

do esforço para dominar e/ou estabilizar o significado das coisas, o que permitiria a superação das dúvidas e do caos provenientes da ausência original de sentido. No segundo caso, a informação seria condição necessária à eficácia das ações exigidas para a subsistência humana.

Nesse ponto, embora esteja mais voltado para os mecanismos formais de acesso à informação (bibliotecas e centros de informação), lembra a importância dos mecanismos informais e critica os bibliotecários e documentalistas que, concentrando-se excessivamente nos modelos lineares de comunicação, interessam-se muito mais pelo ponto de vista do emissor do que pelo receptor da informação.

Sem o receptor, não há, contudo, informação. Ele é o centro dos fluxos informacionais. Esse modelo linear é inadequado para descrever tais processos. Muitas comunicações de informação carecem de objetivo, são multidirecionais e os efeitos nem sempre eficazes. A informação pode ser fornecida e estar totalmente disponível. Mas isso nada nos diz sobre seu uso e as conseqüências desse uso (LE COADIC, 1996, p.43-44).

Uma outra problemática é apontada por Le Coadic (1996) ao observar que, tradicionalmente, a biblioteconomia e a documentação enfatizaram o objeto, o livro, o documento e sua provisão. Sob inspiração do paradigma tecnológico-positivista, sempre se evitou perguntar acerca da utilização da informação contida nesses documentos, considerando- se que se trata de um problema externo ao sistema de informação e, portanto, não identificado como um objeto de estudo. Pressupõe-se que não é importante saber o que o usuário faz da informação (um problema de cada um), ou melhor, que o usuário já sabe qual a informação necessária e o que fazer com ela.

Observa, entretanto, que a prática da biblioteconomia e da documentação as confronta com problemas de natureza educacional e, assim, novos desafios vão surgindo. Sua missão expande-se e novos campos se configuram. Alguns novos vínculos, sobretudo com as questões de aprendizagem, surgem, trazendo um viés mais humanista à CI.

Esse autor abre o espaço para que as práticas de uso/usuários da informação sejam definidas como processos de natureza interpretativa, ou seja, permite vislumbrar que o uso da informação é sempre interpretativo. Trata-se de uma nova perspectiva, na qual a questão da subjetividade assume um papel fundamental e vai configurando uma nova concepção da informação que estreita suas relações com o conhecimento e a cultura. A informação precisa

ser construída, e isso se dá nos meandros da estrutura social que, ao mesmo tempo em que limita os horizontes do sujeito, confere sentido e contextualiza suas práticas.

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