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3.2 Como foi feita a pesquisa exploratória

3.2.8 Resistências aos Consep na corporação

Os praças participam muito pouco das reuniões dos Consep, pois há dificuldades impostas pelos limites na jornada de trabalho. As reuniões são geralmente à noite. Entretanto há, entre eles, fortes resistências à participação da comunidade nas questões de segurança pública. Indagado sobre a participação dos policiais nas reuniões dos Consep um dos entrevistados, desanimadamente, disse:

Isso é complicado. Tem uma certa resistência da nossa tropa em relação aos Consep. Até comandante de companhia. (...) Então, a gente tem incentivado, cobrado a participação da tropa, de quem comanda a guarnição, de quem trabalha no policiamento a pé, para sentir, interagir com a comunidade naquela discussão. Mas é um desafio a gente fazer todo mundo cumprir da mesma maneira. A participação do nosso efetivo é um pouco limitada ainda nesse assunto (EFE5).

Sobre as argumentações ou alegações mais comumente ouvidas por parte dos policiais para justificar essa resistência, um entrevistado disse:

Talvez a preocupação do praça seja entender que o civil, o cidadão que está participando, vá querer interferir na ordem. No início teve muito isso, hoje não existe mais. Porque, a partir do momento em que ele vai começando a conviver, vai vendo que o civil está colaborando com a PM. Aí ele entende. Num primeiro momento, o primeiro impacto é: mas, espera aí, esse civil está dentro do quartel discutindo com a gente! Ele vai acabar comandando a polícia! Então é o primeiro impacto. Mas a partir do momento em que ele vai participando das reuniões, vai convivendo (...). Aí o policial vai abrindo a mente, vai entendendo a participação da comunidade. Por isso é que é importante e a gente faz aqui, nós já fizemos no ano passado em outubro, o primeiro encontro dos Consep com os nossos policiais e vamos fazer amanhã o segundo encontro dos policiais com os conselhos comunitários (EFE4).

A partir desse relato verifica-se que as maiores resistências localizam-se na questão do controle externo da PM. Em sua palestra na abertura do 2o Encontro de Presidentes de Consep da 7a RM, por exemplo, o Comandante-Geral da PMMG, que saudou os participantes como “parceiros de não tão longa data, mas já de muitas lutas”, confessou também que “está

acostumado a ‘apanhar’ nos Consep”.

Pode-se perceber que, além da complexidade dos problemas com os quais se defronta e das naturais dificuldades internas, próprias de todo grupo humano que tenta organizar-se, os Consep também enfrentam dificuldades externas provenientes de parte dos policiais militares que resistem à efetiva participação da comunidade nas questões de segurança pública. Por outro lado, pode-se perguntar: para aqueles policiais (e, até mesmo, para um civil), que vão às reuniões, a participação no Consep tem significado o reconhecimento de um novo tipo de informação? Pode significar uma busca de novas informações para os problemas da criminalidade e de novos modos de evitá-la ou combatê-la?

Uma outra questão a ser destacada refere-se à preocupação dos policiais entrevistados em separar as atividades dos Consep da influência político-partidária local. Isso surge nos já referidos documentos internos da corporação, destinados a orientar a estruturação e o funcionamento dos Consep. A preocupação com a autonomia destes e da própria polícia em relação ao poder público municipal é evidente.

3.3 Conclusões

Viu-se, na fase exploratória desta pesquisa, que não se pode falar num padrão definido de utilização daquilo que poderia ser um sistema de informações sobre criminalidade na PMMG, sobretudo quando se trata de usá-la na relação com a comunidade. Nas falas dos oficiais configurou-se uma situação que indica a existência de diferentes fluxos da informação e diferentes entendimentos sobre seu uso. Mesmo a IEG que, conforme foi presumido, poderia seguir um curso mais bem definido e sistemático, de dentro para fora da organização e vice-versa, é considerada de diferentes maneiras pelos oficiais.

Tendo em vista os objetivos desta pesquisa exploratória, pode-se concluir que não há um consenso na PMMG a respeito do que seria um SI sobre crimes, mesmo quando se

entrevista um pequeno número de oficiais de alta patente, como foi o caso. Sendo assim, não é possível caracterizar um fluxo linear de informações na PMMG. As falas dos oficiais foram diversificadas o bastante para orientar o olhar do pesquisador numa outra direção: a da “informação em movimento”.

Verificou-se que, para abordar as questões propostas, tanto no campo da segurança pública quanto em outros campos da realidade social, a noção de “terceiro conhecimento” seria de maior utilidade. O que foi observado é descrito da seguinte forma por Marteleto (2003):

Como, por que, onde classificar, organizar, registrar e formar estoques de conhecimentos? A quem é dada essa delegação? Mestres, mediadores, adaptadores, criadores, especialistas. Nomes, pessoas, instituições, lugares de aprendizagem que não formam propriamente um sistema, mas bem uma rede, um caleidoscópio mutante, tecido compósito, amalgamado, costurado com remendos, costuras, nervuras, cores. Pensar assim o conhecimento, como composição e não como simples discurso ou informação, que parte da fonte ao receptor, em processo linear de comunicação, e uma primeira abertura para a leitura do mundo das práticas e dos sentidos construídos coletivamente, nas redes sociais. Daí deriva o conceito de terceiro conhecimento ( p.18).

Pode-se dizer, a título de uma síntese conclusiva, que ainda é incipiente e/ou sem muita legitimidade dentro do EM-PMMG a percepção ou o sentimento de que os SIEG podem constituir um importante recurso de apoio à implantação e consolidação do policiamento comunitário.

Aqui reside, então, uma das questões desta investigação. Pressupõe-se que, da mesma forma que as IEG têm sido relativamente úteis à polícia no sentido de estimular mudanças internas, podem também ser úteis nos Consep, onde, sob a ótica da comunidade, podem ser enriquecidas e contextualizadas. Entretanto, apresentá-las e discuti-las nos Consep significa abrir a polícia ao controle externo e a questão da criminalidade ao debate com a comunidade, o que, como pode ser visto, desperta fortes resistências, tanto na tropa como no comando.

Ao pesquisar os Consep como espaços de encontro e interlocução entre a polícia e a comunidade, objetiva-se tomar contato com essas dificuldades. Como são construídas informações sobre a criminalidade nos Consep? O que, concretamente, tem sido informação nos Consep? Quais informações são levadas pelos comandantes para as reuniões e como? Como e quais as informações são levadas pela comunidade? Como a polícia e, sobretudo, a comunidade, apropria-se das informações para orientar ações de prevenção ou combate à criminalidade? Que novos conhecimentos têm sido produzidos? Novas formas de enfrentar os

problemas têm sido identificadas? O que tem representado a informação para essa organização? Que sentidos concorrentes vêm ganhando corpo no interior da organização policial? Estaria em curso uma mudança cultural, na qual ganha espaço e legitimidade uma concepção de uso da informação associada ao conhecimento dos contextos nos quais ocorrem os delitos, orientada para a compreensão das causas dos problemas e sua prevenção, envolvendo inclusive a associação da PM com outros órgãos de prestação de serviços públicos? Estaria em declínio a idéia de informação como “espionagem”, mais orientada para identificação e punição de culpados?

Ao cotejar o material recolhido empiricamente na pesquisa exploratória com o referencial teórico-metodológico, naquilo que pode ser considerado a principal descoberta ou produto da pesquisa exploratória, verificou-se que, a partir da idéia de informação em movimento, de campo informacional e de “terceiro conhecimento”, mais do que estudar como se daria a apropriação de um tipo particular de informação (as IEG), tratava-se de realizar uma análise interpretativa das práticas informacionais e dos processos de construção de informações que têm lugar nos Consep. Fez-se necessário, usando uma expressão de Bourdieu, (re)converter o olhar.

Capítulo 4

Aproximação teórico-metodológica do objeto de pesquisa

As reflexões e a pesquisa exploratória, apresentadas nos capítulos anteriores, orientaram o olhar do pesquisador na direção da “informação em movimento” e para adoção de uma metodologia interpretativa para investigação das práticas informacionais que têm lugar nos Consep, abordando os processos de construção de informações e, particularmente, a construção compartilhada de conhecimento ou do “terceiro conhecimento”.

Assim, nesse capítulo pretende-se discutir e apresentar aspectos metodológicos da investigação e elaborar o objeto da pesquisa. São discutidas as três perspectivas ou abordagens metodológicas utilizadas como referencia na realização da pesquisa.

A primeira abordagem, adotada como uma conseqüência do caráter sociohistórico das práticas informacionais, e que constituiu o mais importante recurso utilizado, estuda o método interpretativo, tendo como principal referência a hermenêutica-dialética, tal como exposta por Minayo (2002).

A segunda abordagem, adotada como um complemento à primeira, e em função da definição da informação como artefato cultural, estuda alguns princípios e orientações próprias do método etnográfico, mais especificamente aquilo que Geertz (1978) chamou de “descrição densa”, em sua antropologia interpretativa.

A terceira abordagem, adotada principalmente para acentuar a idéia de pensamento relacional para o estudo dos fenômenos sociais, utiliza contribuições de Bourdieu (2002) que ajudam a pensar a realidade social dialeticamente e os processos de construção da informação no contexto de um campo estruturado de disputas simbólicas e estruturador (ou estruturante) das práticas informacionais. Assim as instituições e as organizações sociais são tomadas como um espaço de lutas que reproduzem o ambiente social maior.

Bourdieu (2002) considera que a construção do objeto de pesquisa é a operação mais importante – e também a mais ignorada – da investigação social. Com a articulação de questões teóricas e metodológicas por ele desenvolvidas pode-se chegar àquilo que é a finalidade deste capítulo: compor um objeto de estudo informacional. Acredita-se que com a articulação dessas três perspectivas – hermenêutica-dialética, olhar etnográfico e campo social – possa-se chegar a uma “objetivação participante” da realidade social estudada.

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