• Nenhum resultado encontrado

A informação é vista por estudiosos da polícia como um importante elemento de racionalização de sua atividade. Beato Filho (2001), por exemplo, considera importante que os indicadores de crime desenvolvidos pela própria organização policial sejam tomados como elemento de orientação e planejamento de atividades operacionais, distribuição de recursos e, também, como indicadores de eficiência das ações desenvolvidas. Manning (2003) considera que a informação é um insumo básico para a ação policial e que a fonte básica para sua obtenção é a população.

Para um melhor entendimento dessas afirmações é interessante ampliar algumas considerações de ordem histórica já esboçadas. A série de experimentos históricos realizados sob orientação de G. Kelling em Kansas City, na década de 70, considerados como um importante estímulo para a mudança nas organizações policiais americanas, onde nasceram as bases do chamado policiamento comunitário, mostraram que as taxas de crime e satisfação do público permaneceram inalteradas mesmo quando as patrulhas foram dobradas, triplicadas ou, até pelo contrário, suprimidas. De fato, importantes estudos corroboram a concepção de que muitas soluções para problemas de segurança pública encontram-se nas mãos de outras organizações ou instituições que não a polícia. Entretanto, isto não significa que a atuação policial seja irrelevante para o controle da criminalidade.

Em pesquisa sobre o impacto da ação policial sobre as taxas de criminalidade em BH realizada durante a greve da PMMG de 1997, Beato Filho (2001) verificou que os homicídios são, de fato, delitos bastante independentes da ação policial, pois trata-se de uma ocorrência que se verifica predominantemente no ambiente doméstico, entre pessoas conhecidas e que mantêm relações de proximidade social e afetiva. Entretanto, o mesmo não ocorre quando se trata de assaltos a transeuntes e ao comércio em geral. O fato é que, durante a greve, com a ausência dos policiais nas ruas, o primeiro tipo de delito não aumentou, mas o segundo cresceu consideravelmente. A atividade policial afigura-se, portanto, como fator decisivo para evitar determinados tipos de delito, como, por exemplo, crimes contra o patrimônio.

Para Beato Filho (2001) a atividade policial é um importante “fator inibidor de variáveis ambientais” (p.6), como têm revelado estudos recentes. De fato, a diminuição nas taxas de criminalidade tem sido alcançada por intervenções pró-ativas da polícia, orientadas para problemas específicos que, por sua vez, podem ser determinados pela análise das ocorrências locais, e não apenas pela presença passiva de policiais em ações não focalizadas, como tem sido feito tradicionalmente. Trata-se de experiências de natureza preventiva, conjugadas com medidas sociais, como o tratamento de viciados e o incentivo à escolarização. Pode-se, então, falar de ações baseadas no diagnóstico ou conhecimento das situações e dos problemas a partir da análise de dados e de informações prestadas pela população à PM.

Assim, o levantamento e a análise das ocorrências locais tende a gerar um conhecimento que permite à polícia desenvolver ações planejadas, orientadas para a meta de diminuição de oportunidades, ao mesmo tempo em que evita ou diminui a necessidade de outras ações difusas, geralmente orientadas por incidentes já consumados, os quais, em

muitos casos, tendem a aumentar custos operacionais e a amedrontar (ou tensionar), a população. Permitem ainda associar às ações de polícia outras ações de cunho social (envolvendo ou não a participação de policiais), o que torna os esforços ainda mais efetivos pois, além de evitar ou reduzir crimes, promovem a ordem, a coesão, a paz social e a cidadania.

Essas experiências permitiram aos pesquisadores e a alguns comandos do policiamento compreender dois pontos importantes. Primeiro: a ausência de crimes é o principal e mais importante indicador de excelência na avaliação do serviço policial prestado, muito embora alguns gestores, aferrados aos modelos mais tradicionais de policiamento, ainda se orientem por indicadores de produção, tais como prisões efetuadas e apreensão de armas, como forma de avaliar o desempenho de suas equipes. Um segundo ponto, particularmente importante como referência para esta investigação é: como as estratégias tradicionais não têm concorrido para diminuir ou mesmo estabilizar as taxas de criminalidade urbana, é muito provável que estejam dirigidas para alvos errados. Tendo em vista essa situação, Beato Filho (2001) considera que

a questão não é qual a influência da polícia sobre o crime, mas como a obsessão com formas ortodoxas de atuação policial tem sido ineficaz no controle da criminalidade. Mais relevante ainda (...) é a centralidade que sistemas de informação passam a ter neste caso, pois a identificação de problemas criminais específicos depende das análises efetuadas (p.6).

Assim questionam-se as formas ortodoxas e tradicionais de atuação e avaliação da efetividade das ações policiais, sobretudo aquelas orientadas exclusivamente para a repressão, visando à identificação e punição dos ofensores, absolutamente ineficazes no controle da criminalidade e, conseqüentemente, as formas de avaliação de desempenho policial baseadas em número de prisões e apreensões de armas efetuadas, por exemplo. Tomar as taxas de criminalidade focalizadas e limitadas a contextos específicos (dados locais) como parâmetro identificação de problemas específicos e de avaliação da atividade policial, lembrando que a ausência de ocorrências é um indicador altamente positivo, é condição importante para a efetividade do trabalho preventivo da polícia e de outros órgãos do sistema de justiça ou assistência social. O programa de policiamento comunitário depende, portanto, de análises baseadas em informações bem caracterizadas/classificadas, temporal e espacialmente, pelo que os SIEG ganham centralidade na gestão participativa da segurança pública e, particularmente, da atividade policial.

Evidencia-se que a ação policial baseada em análise de dados e IEG, sobretudo quando adequadamente realizadas, caracteriza uma evolução no trabalho de policiamento baseado na solução de problemas e manutenção da ordem pública, sendo um divisor de águas em relação às estratégias ortodoxas/tradicionais. Nisso os Consep podem assumir um papel importante, funcionando complementarmente ao trabalho dos policiais dos centros de análise de crimes. É nesse sentido que, para Reuland citado por Beato Filho (2001), “a utilização intensiva de tecnologias de informação tem promovido uma verdadeira revolução silenciosa nas polícias do mundo”. Outros autores destacam o papel dos SIEG para a consolidação do policiamento comunitário voltado para a solução de problemas:

A criação de unidades de análise de crimes tem se constituído num dos principais suportes para o desenvolvimento do policiamento comunitário e de solução de problemas. Sistemas de informação têm servido para detecção de padrões e regularidades de maneira a dar suporte a atividades de policiamento, bem como para prestar contas à comunidade sobre problemas relativos à segurança (Buslik e Maltz citados por Beato Filho: 2001, p.7).

Além disso, vale registrar que “nas atividades de investigação, a montagem de bases de dados sobre suspeitos e seu modus operandi tem contribuído para incrementar a qualidade das investigações” (BEATO FILHO, 2001, p.7) e que sistemas de informação têm servido para integrar informações resultantes de fontes não policiais (órgãos públicos); fontes policiais (quadrilhas, gangues, arquivos, mapas, etc.) e grupos comunitários (encontros formais e informais). Junta-se uma grande quantidade de informações num sistema único que, disseminado, congrega a polícia, outras agências públicas e os civis.

Admitindo que alguns passos nesse sentido têm sido dados, como um sistema de indicadores sociais de segurança da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), Beato Filho (2001) considera que um dos problemas inerentes à criação de unidades de informação é a ausência de um enfoque específico voltado para a análise de crimes, decorrente da fragmentação organizacional no trato das informações por parte das organizações policiais.

Concluindo, pode-se dizer que as IEG são extremamente úteis para fins de identificação de problemas e desenvolvimento de estratégias e programas de policiamento e segurança pública em nível local, pois fornecem interessantes medidas de distribuição espacial e temporal dos fenômenos. São ferramentas importantes, que podem ser utilizadas em programas de policiamento orientados para a solução de problemas.

Entretanto, Beato Filho (2001) refere-se, também, a três obstáculos ou problemas que dificultam o desenvolvimento e a implantação de SI sobre criminalidade nas polícias militares

e órgãos de segurança de uma maneira geral. O primeiro deles advém de uma crença equivocada de que as estatísticas georreferenciadas representam fielmente ou fotograficamente a realidade, como se houvesse alguma coisa semelhante a um número real de crimes. Essa perspectiva confunde a descrição dos fatos com os próprios fatos, considerando a linguagem e os conceitos como mero instrumento descritivo da realidade, ao invés de uma realidade em si mesma, e ignora o caráter construtivista das informações sobre a realidade empírica14.

O segundo problema advém da crença oposta, ou seja, corresponde a uma posição sociologizante que, ao considerar a construção social dos fenômenos, desconsidera, niilísticamente, a sistematização dos dados e as informações estatísticas como um instrumento de conhecimento da realidade.

Um terceiro problema está relacionado com questões internas das organizações do sistema de justiça, cujos operadores tendem a negligenciar a produção de informações, por não considerá-las de real utilidade para suas atividades. Para Beato Filho (2001), trata-se de um problema delicado, pois envolve a persuasão de policiais e outros agentes da justiça, encarregados da produção da estatística, em relação à sua conveniência.

O autor refere-se, ainda, aos fatores de ordem tecnológica, como a ausência de uma estrutura, seja de equipamentos ou de conhecimentos necessários à sua implantação e utilização, e a existência de uma cultura pragmática, avessa à reflexão, que pode explicar muito da irracionalidade e da ineficácia dos órgãos da polícia, cultura essa que não se ressente da ausência de dados e informações sistemáticas e confiáveis. Para muitos essa situação, embora seja perniciosa para a sociedade como um todo, é, até mesmo, conveniente, pois os problemas de ineficiência podem permanecer obscurecidos.

Ao considerar que a polícia depende de informações para realizar seu trabalho e que a população é a sua principal fonte de informações, Manning (2003), por sua vez, destaca o papel da cultura e do trabalho policial no processamento dessas informações.

As formas como a polícia obtém, processa, codifica, decodifica e usa a informação são críticas para a compreensão de seu mandato e função. A polícia junta diversos tipos de informações e as usa para diferentes fins, orientando-se por suposições, baseadas no senso comum, a respeito de seu trabalho, de sua atuação principal, e nas expectativas de seu público. A polícia junta informações primárias, ou dados ‘crus’, que então são processadas, no policiamento, para resolver crimes ou encerrar eventos, transformado-se em informações secundárias. Quando processadas duas vezes, juntadas e formatadas, elas podem avançar na organização e tornar-se

14

informações terciárias ou ‘diretivas’. Essas formas de informação e inteligência (...) são percebidas e interagem com as estratégias operacionais da polícia (p.378).

Assim, as informações são processadas dentro de um contexto organizacional e de uma cultura profissional que define seu significado e seu uso. Embora afirme que a forma de fazer policiamento vai demorar a mudar, Manning (2003) assinala que o papel que as TI vão desempenhar nesse processo é, ainda, desconhecido (p.378).

A partir dessa breve revisão da literatura perguntou-se: Existe um SI sobre a criminalidade na PMMG? Como é gerenciado? Quais os usos e significados assumidos pelas IEG? São utilizadas nos Consep?

Outline

Documentos relacionados