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II. EM SÃO PAULO: espaço e diferença

1. Guetos, manchas, relações e diferença

Falar num “mercado GLS” ou num processo de intensas mudanças na homossexualidade como lugar social nos faz retomar as reflexões de Perlongher. Sua abordagem atenta à dinâmica dos processos e relações sociais que produziam não só a homossexualidade, como os espaços de freqüência homossexuais e sua recusa a tomar “gueto” como entidade discreta são pontos de partida fundamentais para este trabalho. A perspectiva de Perlongher decorre do questionamento à contraposição entre uma antropologia “da cidade” ou “na cidade” e entre o foco no território ou na identidade- comunidade. Deve se destacar, ainda, a sintonia entre essa abordagem e debates antropológicos contemporâneos que criticam a abordagem de sociedades ou culturas como entidades discretas, tomadas por oposição a indivíduos, em detrimento da percepção dos processos e das relações sociais (Strathern, 1996; Toren, 1996).

As reflexões de Marilyn Strathern (1996) sobre os limites do conceito de sociedade tornam mais explícito um dos aspectos mais interessantes da abordagem de Perlongher: sua ênfase na socialidade e sua crítica antecipadora a um sujeito estável e coerente. Em seu questionamento sobre a obsolescência do conceito de sociedade, Strathern pondera que esse conceito cumpriu seu propósito ao ser foco para pensar sobre organização social, vida coletiva e relações. A autora sustenta que há derivados úteis desse conceito, que remetem à significância das relações dentro das quais as pessoas existem: esse seria o caso da categorização “social”, do termo “socialidade” como matriz relacional que constitui a vida das pessoas e de “sociedades” para se referir à pluralidade de populações com formas distintivas de organização. Sua objeção centra-se na distorção que toma corpo quando o

conceito de sociedade deixa de sinalizar fatos relacionais e passa a obliterá-los. Nessa direção, concepções que apresentam uma anterioridade da sociedade como unidade discreta ou do indivíduo frente às relações sociais não só perdem de vista a significância das relações na vida e no pensamento humano, como abrem espaço para outras dicotomias como indivíduo versus sociedade e real versus abstração, com conseqüências perversas, como a afirmação do individualismo de mercado contra a abstração da sociedade.

Em seu debate com a noção de “gay ghetto” proposta por Levine, Perlongher reconhecia uma base espacial de maior concentração de homossexuais no centro de São Paulo, que, aderindo a uma categoria nativa, concordou em chamar de “gueto”. Enfatizava, assim, seus processos cotidianos de produção, envolvendo desde as micromigrações das derivas homossexuais e a contigüidade com outras “marginalidades”, até as ações da polícia, da vizinhança e de ativistas. Para questionar a perspectiva de Levine, Perlongher partiu para uma comparação entre o “gay ghetto” norte-americano e as “bocas” paulistanas:

1) No quadro do gay ghetto americano, a territorialidade perversa vira também residencial; suas instituições não são locais de lazer – como eram segundo registra Hooker, na São Francisco da década de 50 -, mas também posições econômicas e políticas. Conforme delimitam-se com mais clareza seus contornos geográficos, a identidade gay assume contornos cada vez mais totalizantes. A tendência do ghetto, especula Levine, parece ser a expansão.

2) No caso das bocas paulistanas, o território é antes um ponto de fluxo e de ambulação do que um local de residência fixa; nele os gays coexistem, literal e espacialmente, com outros tipos de marginais, “sexuais” ou não. Apesar de certa tendência à instalação habitacional por parte dos modernos gays (que, porém, parecem preferir áreas mais de classe média), essas moradias parecem ter a marca da fugacidade: hotéis, pensões, pequenos apartamentos alugados, característica da região moral.

Essa dissidência revela-se também no plano semântico. Ghetto associa-se às comunidades minoritárias e alastra uma forte carga de “nacionalismo”. Boca é um lugar de emissão de fluxos, que se associa (“boca de fumo”, “boca de ouro”, etc.) a qualquer forma de ilegalismo não exclusivamente homossexual. (Perlongher, 1987: 63-4).

A comparação toma quadros situacionais, como o próprio autor faz questão de pontuar. No entanto, estudos norte-americanos mais recentes indicam que “as famosas áreas gays em cidades como Nova York, São Francisco e Los Angeles são exceções à regra geral” (Rothenberg, 1995: 168). Perlongher tinha razão ao apontar a proposta de Levine como “tão comprometida com a sociabilidade empírica sobre a qual se monta que chega até a construir uma ponta de lança intelectual” (Perlongher, 2005 [1988]: 273). Por outro lado, se a idéia de “boca” ainda faz algum sentido para pensar a concentração de espaços de lazer dirigidos a homossexuais na região do centro de São Paulo e ilumina o processo de construção dos lugares de modo geral, ela não parece adequada para pensar o surgimento

de um “mercado GLS” e a expansão, para bairros de classe média e média alta, de locais de lazer e sociabilidade voltados para homossexuais.

Na trilha das preocupações de MacRae (2005 [1983]) sobre o impacto do “gueto” e de seus espaços protegidos nos modos de gerenciar comportamentos e identidades e nas lutas mais amplas para delimitar o que é legítimo, em termos de sexualidade e projetos de vida, trabalhos recentes têm enfatizado a importância de uma política de “visibilidade positiva” levada a cabo tanto por empresários quanto por ativistas homossexuais para a expansão de um mercado dirigido a homossexuais no pós-Aids (Simões e França, 2005; França 2006). A fim de mapear os estabelecimentos que integram esse mercado na paisagem da cidade, Simões e França utilizaram de modo instrumental alguns dos conceitos da família epistemológica elaborada por José Guilherme C. Magnani (2002), especialmente os de “mancha” e “circuito”:

Usamos “mancha” no sentido atribuído por Magnani (2002), como um aglomerado de estabelecimentos reconhecidos por seus freqüentadores como similares do ponto de vista dos serviços que oferecem e da sociabilidade que propiciam, e que apresentam uma “implantação mais estável tanto na paisagem como no imaginário”, constituindo pontos de referência. A “mancha” é uma imagem interessante também para referir-se a algo com formas e fronteiras difusas, com intervalos e “respingos”. [...] O que nos permite falar de um “circuito” homossexual em São Paulo é a percepção compartilhada por seus diversos freqüentadores, de que há similaridades e diferenças entre os serviços e equipamentos oferecidos por determinadas territorialidades. Assim, ao percorrer essas áreas, é possível encontrar serviços similares, ainda que com especificidades em espaços descontínuos. (Simões; França, 2005: 316; 328).

Desse modo, para efeitos de mapeamento do “circuito” os autores delimitavam duas “manchas” – Centro e Jardins. A primeira, mais antiga na paisagem paulistana, seria marcada por menor prestígio social e pela freqüência de “mais gordos”, “mais velhos”, pobres, negros, travestis, michês e “efeminados”/“masculinizadas”. A segunda, situada em espaços “nobres” da cidade, seria marcada por mais integração a circuitos e padrões globalizados (Simões e França, 2005; França, 2006). No entanto, se os padrões de freqüência denotam relações de poder que permeiam a produção dos “lugares” (Gupta; Ferguson, 2000), França (2006: 56-60) reconhece uma série de limitações no uso de “manchas”. Uma primeira limitação diz respeito ao fato de que “as duas ‘manchas’ não conseguem abarcar, em termos territoriais, toda a variedade de espaços de sociabilidade homossexual”: as casas noturnas que se expandem para outros bairros de classe média mais isolados da rede de transportes públicos; label parties realizadas em grandes espaços que

geralmente não fazem parte do circuito; saunas que estão em bairros em que não há outros estabelecimentos voltados para homossexuais; botecos e outros espaços não comerciais, como festas domésticas, localizados na periferia. Outra limitação diz respeito à crítica elaborada por Akhil Gupta e James Ferguson (2000) ao isomorfismo entre espaço, lugar e cultura:

Ao associarmos identidades baseadas em preferências sexuais a espaços determinados corrermos o risco de reificar as relações de poder a partir das quais os espaços se constituem como lugares, incorrendo em um duplo equívoco: primeiro reduzindo expressões de sociabilidade homossexual a uma “cultura gay” globalizada que se expressa em determinados espaços e, em conseqüência, invisibilizando outras formas de expressão de sociabilidade homossexual que se constituem em outros espaços. (França, 2006: 57)

Essa última crítica talvez possa ser estendida também ao uso da noção de “circuito”. De acordo com Magnani:

A noção de circuito também designa um uso do espaço e de equipamentos urbanos [...], porém de forma mais independente em relação ao espaço, sem se ater à contigüidade, como ocorre na mancha ou no pedaço [...] mais do que um conjunto fechado, o circuito pode ser considerado um princípio de classificação [...] aparece como uma categoria capaz de dar conta de um regime de trocas e encontros no contexto mais amplo e diversificado da cidade (e até para fora dela) (Magnani, 2002:24; 25).

Como princípio de classificação, a noção de “circuito”, tal qual elaborada por Magnani, sugere em seu uso uma qualificação que possibilite identificar o tipo de bens ou serviços oferecidos ou de práticas exercidas: circuito punk hardcore, circuito neo-esotérico, circuito gay. Nesse caso, o único mecanismo para procurar enfrentar o problema da reificação aludido por França seria a delimitação de outros circuitos mais específicos que sejam englobados, o que mantém, de todo modo, a relação naturalizada entre grupo específico e espaços delimitados. Assim, ao delimitar “manchas” e “circuitos” é possível mapear os locais de freqüência de um determinado grupo e obter um efeito de totalidade, mas corre-se o risco de perder de vista não só o processo de construção dos lugares como as próprias relações sociais envolvidas nesse processo.

Na perspectiva de lidar com uma totalidade, França (2006) justapôs situacionalmente ao “circuito” as qualificações “associado a homossexuais” e “GLS” – gays, lésbicas e simpatizantes. O uso de “circuito GLS” procurava enfatizar a constituição de um mercado internamente diferenciado a partir dos anos 1990, integrado a uma noção de “visibilidade positiva”, comum a empreendedores do mercado GLS e a ativistas LGBT, ao

mesmo tempo em que estabelecia uma diferenciação em relação a um período no qual o “gueto” era menos visível e diversificado. No entanto, assim como a idéia de “gueto”, a categoria “GLS” tinha uma história (Facchini, 2005a; França, 2006) e, por mais que tenha se difundido a partir dos roteiros publicados em sites, revistas e jornais, há estabelecimentos que não se reconhecem e/ou não são reconhecidos a partir dela.

O trabalho de Perlongher (1987) explicita essa dificuldade. Sua ênfase numa abordagem territorial apresentava-se como alternativa a perspectivas baseadas na “comunidade-identidade”. Ao investigar numa área de convergência e circulação de homossexuais marcada pela contigüidade com outras variantes “marginais” e pela concentração de michês, lançou mão da noção de “código-território”51: “uma territorialidade expressa num código peculiar que distribui atribuições categoriais a corpos e desejos em movimento” (Simões, 2005: 265). Desse modo, demarcava a instabilidade, as incoerências e as contradições que envolviam a atribuição categorial. Os mesmos sujeitos poderiam ser qualificados ou se qualificar de diferentes maneiras de acordo com deslocamentos no espaço ou posições nas relações estabelecidas:

[...] essa confrontação entre dois sistemas classificatórios não se exerce apenas nos parlamentes (nas representações), mas também nos corpos e em seus desejos e é passível de ser levantada geográfica e historicamente. Digamos que deslocamentos na ordem do desejo (porque, afinal, no confronto gay-gay o que se discute é a quem desejar!) correspondem a deslocamentos no espaço urbano. Concretamente, os adeptos de um e de outro modelo tendem a agrupar-se, conforme as modas, em pontos diferentes. [...] Esses deslocamentos microscópicos não só estão determinados pelo desejo dos “proto-gays” de se diferenciar das “bichas” (no qual é legível todo um afã de diferenciação social), mas também por renovadas irrupções policiais, que tendem mais à redistribuição e controle das populações que à sua extirpação; e também pela própria lógica do microcapitalismo dos bares. [...] Para complicar mais as coisas, o mesmo sujeito pode qualificar-se (ou ser qualificado) de maneiras diferentes, conforme o lugar em que esteja; pode ser macho em um lugar, gay em outro e bicha num terceiro. Essas mutações podem produzir-se inclusive no mesmo espaço. (Perlongher, 1993)

A contribuição de Perlongher atua, de modo similar à preocupação de Gupta e Ferguson, no sentido de desnaturalizar a sobreposição entre grupos culturalmente unitários e territórios específicos. No entanto, a restrição à noção de “zona moral” associada com a idéia de “margem” (no sentido sociológico) dificulta pensar o surgimento de áreas de

51 As noções de “código-território” e de “territorialidade” são tomadas por Perlongher (1987: 152) a partir

dos trabalhos de Guilles Deleuze e Felix Guattari, especialmente do Antiédipo (1976). Para os efeitos deste texto, tomo de empréstimo a definição sintética do uso feito por Perlongher, elaborada por Simões (2005) em apresentação do trabalho do autor para uma publicação recente.

sociabilidade homossexual em bairros de classe média e de estabelecimentos dirigidos ou apropriados por esse público nos bairros de periferia.

Não parece haver na abordagem desse autor uma relação de descontinuidade entre “zona moral” e bairro de residência, tratando-se de espaços interligados e hierarquizados. No entanto, se a idéia de “margem” podia ser aplicada ao lugar social ocupado pela homossexualidade no contexto da primeira metade dos anos 1980, não estou certa de que este seja o mesmo lugar atualmente. É certo que, como destaca Perlongher (1993), “apesar da ‘dignidade homossexual’, o gueto gay se inscreve - territorial e historicamente – no campo da marginalidade”. Porém, como nos lembram Gupta e Ferguson, não se trata de tomar a diferença como ponto de partida, mas como produto:

“vê-la como produto de um processo histórico compartilhado que diferencia o mundo ao mesmo tempo que o conecta” (...) Mas se questionamos um mundo pré-dado de “povos e culturas” separados e distintos, e vemos um conjunto de relações produtoras de diferença, saímos de um projeto de justaposição de diferenças preexistentes para um de exploração da construção de diferenças num processo histórico. Nessa perspectiva, o poder não entra no quadro antropológico apenas no momento da representação – pois a diferenciação cultural que o antropólogo tenta representar foi desde sempre produzida dentro de um campo de relações de poder. (Gupta; Ferguson, 2000: 43)

Após essa reflexão, retomamos a idéia de uma “comunidade homossexual” e as discussões do capítulo anterior. Ao invés de tomá-la como uma entidade discreta no interior de uma “sociedade opressora”, cabe questionar seu processo de produção e desnaturalizar a relação estabelecida entre “povo” – “os/as homossexuais” - e “lugar” – “o gueto”. Assim como a identidade é produzida a partir de processos de exclusão, apagamento e cristalização (Butler, 2002), o “gueto” como lugar imaginado e a idéia de “comunidade” também são produzidos a partir de exclusões, por meio de relações que produzem a diferença, colocando em jogo outros eixos de diferenciação social em contextos específicos.

Por vezes, falarei em “estilos” no decorrer deste e dos outros capítulos da tese. Assim, ainda que retome o tema no próximo capítulo, cabe explicitar em que sentido me refiro a esta noção e qual seu lugar na análise de como a diferença é constituída por meio do uso e distribuição dos sujeitos no espaço da cidade. A noção de estilo vem sendo empregada principalmente nos estudos sobre jovens. Na década de 1970, os pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCES), da Universidade de Birmingham,

desenvolveram estudos que propunham uma caracterização e análise dos significados dos grupos juvenis que surgiram após os anos 1950. Tais grupos eram interpretados como “subculturas juvenis”, referidas à “cultura da classe” da qual eram originários, sendo vistos como “modos de elaboração e projeção de respostas culturais aos problemas colocados pela especificidade do grupo no interior da classe de origem” (Abramo, 1994: 35). Para além de “constructos ideológicos”, as “subculturas” eram também “meios expressivos para negociar espaços e sentidos no campo da luta cultural”, entendida nesse contexto como relativa à luta pela hegemonia entre classes dominantes e subordinadas (Abramo, 1994: 37).

Em seu estudo sobre “estilos espetaculares” na São Paulo da primeira metade dos anos 1980, Helena Wendel Abramo (1994), argumentava que não só a relação de filiação entre “subculturas” e noção de “cultura de classe” não se aplicava à análise dos grupos que estudava, como era necessário olhar para estes grupos a partir das especificidades geracionais. Assim, numa análise sensível e cuidadosa, a autora procura situar os jovens punks e darks no interior do contexto histórico e social em que tais estilos aparecem no Brasil, evitando comparações simplistas com os hippies ou os jovens que integraram o movimento estudantil na década anterior. O estilo é compreendido em seu sentido “espetacular”, não se restringe à esfera do privado ou implica levar a vida de um modo diferente, na acepção comumente utilizada do termo “estilo de vida”. Está relacionado à esfera do lazer. É “artificial”, vestido e despido, não é “uma representação do ser jovem que o exibe”, trata-se do uso de roupas, música e atitudes para “dar-se a ver” no espaço público. Desse modo, o estilo aparece como “forma de comunicação” e como “encenação”: as “distopias encenadas” por punks e darks procuravam problematizar sua situação e provocar reações. Os grupos aparecem como “espaço de sociabilidade e elaboração de uma identidade relativa a sua condição juvenil e aos problemas nela encontrados” (Abramo, 1994: 159).

Gostaria de retomar essa circunscrição do estilo a uma “condição juvenil” porque creio que as próprias descrições de Abramo sobre esses jovens e suas questões a ultrapassam. Para tanto, utilizo o estudo de Dick Hebdige (1979) sobre o significado do estilo em “subculturas juvenis”. Nele, Hebdige toma “subcultura” como indicativo de uma “cultura subalterna” ou maneira de lidar com a “subalternidade”, dialogando com estudos baseados na “teoria do desvio”, que creditavam a dinâmica dos estilos juvenis a uma

contraposição à “cultura dos pais”. O autor inova ao se contrapor a uma definição de “subalternidade” pautada exclusivamente na oposição geracional e partir para a análise de cada estilo em relação a um contexto que envolve não só os jovens e seus pais, mas o fato de pertencerem a uma classe de trabalhadores e compartilharem a vizinhança com imigrantes, em boa parte vindos de antigas colônias britânicas e vistos como “não- brancos”. A análise ressalta os estilos como tentativas de subversão do modo como os “valores de classe” lidam com gênero e sexualidade e de uma ordem social que inclui outros eixos de diferenciação como classe e “raça”:

Não tenho tentado prover uma explicação sistemática do “problema” do desvio, nem olhar em detalhes para os vários agentes do controle social (a polícia, a escola, etc) que desempenham um papel crucial na determinação da subcultura. Por outro lado, tenho tentando evitar a tentação de retratar a subcultura (como alguns autores influenciados por Marcuse já se sentiram tentados a fazer) como repositório da “Verdade”, localizar nas suas formas algum potencial revolucionário obscuro. Mais do que isso, tenho apontado, nas palavras de Sartre, para o reconhecimento do direito da classe subordinada (os jovens, os negros, a classe trabalhadora) de “fazer alguma coisa do que é feito deles” – embelezar, decorar, parodiar e sempre que possível reconhecer e superar uma posição subordinada que nunca foi da sua escolha (Hebdige, 1979: 138 – tradução livre; grifos meus). Apesar de tomar a noção de “subcultura” como ponto de partida, Hebdige o faz de forma muito pouco convencional. Em seu trabalho, a “cultura subalterna” não é olhada de modo isolado, como entidade, mas como relativa a uma posição num campo de relações de poder. Posição que é dinâmica, assim como são dinâmicas as relações entre estilos, gerações e grupos raciais e de classe enfocados.

Para fugir à tentação ou ao risco de substantivar relações, procuro ser coerente com a perspectiva das “interseccionalidades” que norteia este trabalho, e ao invés de falar em “grupos subalternos” (negros, trabalhadores, jovens etc), me refiro a marcadores sociais de diferença ou eixos de diferenciação social e a relações de poder. O caráter espetacular do estilo como forma de “dar-se a ver” e comunicar-se é levado em conta, assim como procuro tomar em conta as múltiplas relações de poder nas quais se inscreve o que é comunicado. Assim, gostaria de refletir sobre a possibilidade de pensar os estilos como operadores de diferenças. Também para manter coerência em relação às perspectivas teóricas mais gerais que informam este trabalho, gostaria de pensar estilos em relação às noções de sujeito, “performatividade”, “citacionalidade” e “paródia”, como referidas por Butler (2002). Dessa maneira, é preciso pensar que os estilos não são produzidos por sujeitos pré-dados, que agem de forma inteiramente consciente em relação aos efeitos a serem provocados pelas

mensagens comunicadas por dada composição de aparência, atitude e música. Os sujeitos são constituídos no processo de citar e deslocar normas sociais e isso pode se dar no processo de composição de um estilo.52