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O primeiro capítulo, Estamos em todos os lugares e em todas as profissões, dialoga com a literatura no campo dos estudos de gênero e sexualidade, a fim de retomar criticamente a idéia de uma “comunidade homossexual”. A propósito desse debate, as questões teórico-metodológicas envolvidas na construção do objeto desta pesquisa e citadas nesta introdução são aprofundadas. O capítulo retoma a literatura internacional, dos anos 1960 e 1970, sobre homossexualidade, e os debates que contrapõem concepções “essencialistas” e “construcionistas” nos estudos de sexualidade e de gênero, passando pela crítica pós-estruturalista e pelos autores que têm trabalhado questões como corporalidade, sexualidade e gênero, sob esse viés. Por fim, incorpora à discussão a noção de interseccionalidades, detendo-se sobre estudos que procuram abordar, de modo articulado, diferentes eixos de diferenciação. Assim, o capítulo tem também por objetivo introduzir o

29 O projeto Relations among “race”, sexuality and gender in different local and national contexts foi

elaborado originalmente por Laura Moutinho, Omar Ribeiro Thomaz, Simone Monteiro, Cathy Cohen, Rafael Diaz e Elaine Salo. A pesquisa foi realizada por nove centros de pesquisa: USP (São Paulo), CLAM/IMS/UERJ (Rio de Janeiro), CEBRAP (São Paulo), IOC/FIOCRUZ (Rio de Janeiro), SFSU/CRGS (San Francisco), Center for the Study of Race, Politics and Culture (Chicago), AGI/UCT (Cape Town), WITS e OUT (Johannesburgo). O grupo de pesquisadores responsáveis incluiu Laura Moutinho (Coordenação geral), Simone Monteiro (coordenação Rio de Janeiro), Júlio Simões (coordenação São Paulo), Elaine Salo (coordenação Cidade do Cabo), Brigitte Bagnol (coordenação Johannesburgo), Cathy Cohen (coordenação Chicago) e Jessica Fields (coordenação San Francisco). A pesquisa foi financiada pela Fundação Ford e contou com o apoio do CNPq.

leitor, ao longo da tese, ao uso que será feito dos conceitos de “materialização”, “interseccionalidades” e “comunidades imaginadas”.

Algumas das questões trabalhadas no primeiro capítulo são retomadas no segundo, Em São Paulo: espaço e diferença. Esse capítulo inicia-se com um diálogo com a produção de autores, que se dedicaram a compreender como determinados grupos circulam e ocupam o espaço urbano, tomando como base parte da produção brasileira que abordou a temática da sexualidade em relação ao espaço da cidade, e esboçando um diálogo com autores que se dedicaram à compreensão das relações entre identidades, “comunidades” e espaço. A partir daí, são apresentados resultados do trabalho de campo realizado por meio de descrições etnográficas dos sujeitos e de seus estilos ou aparências, sua distribuição e circulação no espaço da cidade, bem como sua interação nos espaços comerciais de lazer freqüentados por mulheres que se relacionam afetivo/sexualmente com outras mulheres. Os “itinerários” e processos de produção de “lugares” no espaço da cidade por parte das entrevistadas são cotejados com a observação de ruas, bares, restaurantes e boates, e o resultado é sistematizado, a partir da delimitação de áreas e sub-áreas, que procuram descrever o modo de ocupação do espaço no período em que foi realizada a pesquisa de campo. O caráter contingente do conjunto formado por esses “lugares” é destacado, bem como a produção de diferenças por meio da transformação do espaço em “lugar”.

No terceiro capítulo, Cenas e redes: para além do circuito, a intenção é tornar mais complexa a análise da relação entre “comunidade” e espaço, realizada no capítulo anterior, e iniciar uma reflexão sobre a relação entre condutas eróticas, subjetividades, identidades e corporalidades. O objetivo do capítulo é deslocar o olhar dos cenários e sujeitos a partir dos quais se pensa as relações entre práticas eróticas, subjetividades, identidades e corporalidades, para obter um distanciamento e voltar a olhar para o conjunto de sujeitos que compuseram o campo desta pesquisa. Sua disposição entre outros dois capítulos mais gerais (o segundo - onde são descritos lugares, aparências dos sujeitos e modos de interação no conjunto de estabelecimentos de lazer e sociabilidade de freqüência homossexual -, e o quarto capítulo - onde são analisadas classificações e convenções sociais mobilizadas pelo conjunto de entrevistadas desta pesquisa) tem por objetivo procurar reproduzir o efeito de distanciamento etnográfico, em relação ao circuito de lazer e sociabilidade freqüentado por homossexuais, que o contato com essas redes teve sobre a pesquisadora. Para tanto, toma-

se o material produzido a partir de duas redes acompanhadas no trabalho de campo: uma formada pelas riot grrrls ou minas do rock e outra estruturada em torno da freqüência a um clube BDSM. O capítulo é dividido em duas partes, cada uma dedicada a uma das redes.

A primeira parte desse capítulo, Dykes numa cena de minas do rock, aborda uma rede constituída em torno de um estilo juvenil compartilhado – as riot grrrls ou minas do rock - e procura explorar os seguintes tópicos: o modo de estruturação da cena riot grrrl em São Paulo; os usos e sentidos das categorias dyke e sapatão nessa cena; as relações estabelecidas entre comportamentos/condutas sexuais e identidades envolvidas nesses usos; o espaço que a tematização da sexualidade encontra numa cena estruturada em torno de atividades culturais, especialmente a música, e do feminismo; as características mais gerais do feminismo que anima esta cena; a análise do sentido que as transgressões estéticas assumem para as dykes e para as outras garotas na cena; e, a relação dessas transgressões estéticas com processos de produção de subjetividades. Essa parte do capítulo inclui, ainda, uma análise do estilo como operador de diferenças, aprofundando uma indicação esboçada no capítulo anterior.

A segunda parte, Rainhas e escravas numa comunidade BDSM paulistana, demanda um esforço de contextualização um pouco maior, visto se tratar de um objeto empírico ainda não abordado em pesquisas etnográficas brasileiras, e procura explorar os seguintes tópicos: os espaços reais e virtuais em torno dos quais se estrutura a comunidade; as atividades realizadas nesses espaços; o modo como um conjunto complexo de distinções classificatórias e morais, objetos, rituais e a própria noção de comunidade são desenvolvidos em torno da legitimação do BDSM erótico e da gestão coletiva do “risco sexual”; o modo como o BDSM, com suas cenas, cenários, liturgia e roteiros funcionam como “organização sexual do risco social”; e, o lugar das práticas eróticas entre mulheres na comunidade BDSM analisada, bem como sua relação com processos de subjetivação e identidades.

Entrecruzando diferenças é o título do quarto capítulo, refletindo a preocupação com a perspectiva das interseccionalidades e com a articulação de eixos de diferenciação social. Este capítulo retoma o diálogo com a literatura brasileira sobre (homo)sexualidade e o modo como a relação entre sexualidade e outras hierarquias sociais é abordada nessa literatura. O capítulo está dividido em duas partes. A primeira, Classificações, convenções,

sujeitos e diferenças, procede a uma análise sobre como a diferença é produzida no discurso do conjunto de sujeitos mobilizado no campo de pesquisa desta tese, procurando compreender as convenções sociais acionadas nesses processos de produção de diferenças. A partir dessa análise, delineia-se uma reflexão sobre mudanças em curso nos sistemas de classificação da (homo)sexualidade. Na segunda parte, Corpos, desejos, sujeitos e relações sociais, o olhar sobre o material produzido no decorrer da pesquisa se detém no modo como as convenções e normas se materializam nos corpos e nas relações sociais que se dão com a família de origem, amigos e em locais de moradia. A análise de situações de sociabilidade e interação que envolvem mulheres de estratos populares, moradoras de bairros da chamada “periferia”, são a base para refletir sobre a produção de subjetividades e corporalidades.

Como de praxe, as Considerações finais, retomam abordagens e análises desenvolvidas ao longo da tese, em relação aos objetivos e preocupações enunciados nesta introdução, reforçando pontos centrais das análises desenvolvidas e apontando possíveis reflexões futuras a partir do texto apresentado.

I. ESTAMOS EM TODOS OS LUGARES E EM TODAS AS