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Herança da educação audiovisual na sociedade brasileira

2. Sociedade do Conhecimento e Educação

2.1 Herança da educação audiovisual na sociedade brasileira

A educação no Brasil carrega um histórico de cultura audiovisual devido a sua origem colonial catequizadora. A base da população do Brasil foi apresentada por séculos a um conhecimento estrangeiro rígido, sem qualquer estímulo a interpreta- ção e, por séculos, acessível apenas por oratória. Desde aí a expressão audiovisual passou a ser a modalidade acessível de conhecer do brasileiro médio, desfavore- cendo o uso habitual da leitura. Novas possibilidades tecnológicas trazem, na atuali- dade, uma nova oportunidade de rever o desenvolvimento educacional do brasileiro, pois a maior digitalização da informação possibilita o fácil arquivamento de discursos em sua forma audiovisual.

A estrutura econômica da colonização do Brasil se estabeleceu nos pilares do extrativismo, do latifúndio, da monocultura e da escravatura. Daí advém o caráter

patriarcal da sociedade colonial em uma estrutura criada no modelo agrário exporta- dor dependente. Dentro desse contexto, é possível compreender, já de início, que a educação não é meta prioritária para o colonizador. Não há necessidade de nenhu- ma formação especial para o desempenho das principais funções exigidas na mono- cultura e no extrativismo. Em paralelo, as metrópoles européias enviam religiosos para suas colônias a fim de desenvolverem um trabalho missionário e pedagógico consolidando a ideologia da metrópole. Nessas circunstâncias, a educação na colô- nia assume o papel de agente colonizador. Quase imediatamente à sua chegada, os missionários fazem funcionar, na recém-fundada Salvador, uma escola "de ler e es- crever", marco inicial de um processo de criação de escolas elementares, secundá- rias, seminários e missões, espalhados pelo Brasil até o ano de 1759, quando os jesuítas são expulsos do país. Nesse período de 210 anos, eles promovem uma a- ção maciça na catequese dos índios, educação dos filhos dos colonos, formação da elite intelectual, além do controle da fé e da moral dos habitantes da nova terra. (A- RANHA, 1994 p. 115-119).

Aranha (1994 p. 121-122) revela também que, embora as primeiras escolas reunissem os filhos dos índios e dos colonos, a tendência da educação jesuítica é a separação entre os "catequizados" e os "instruídos". A ação sobre os índios se efeti- vou na cristianização e na pacificação, tornando-os dóceis para o trabalho, na medi- da do possível. Com os filhos dos colonos, porém, a ação pedagógica tende a ser mais apropriada, indo além do elementar ler e escrever. Os jesuítas montam aqui, desde o século XVI, a estrutura dos três cursos (i) letras humanas “fundamental”, (ii) ciência ou ofícios ou artes “médio”, (iii) filosofia e teologia “superior”, destinados à formação humanista, artesanal e filosófica na colônia. O governo de Portugal sabe o quanto essa educação é importante como meio de submissão e de domínio político e, portanto, não intervém nos planos dos jesuítas, a não ser quando considera arris- cadas as inovações que poderiam ser alteradoras da ordem. Assim, não permite a fundação de universidades e destrói, em 1747, uma oficina tipográfica fundada no Rio de Janeiro por um jesuíta, capaz de reproduzir obras que expressem um genuí- no pensamento brasileiro.

Para Aranha (1994 p. 123), os jesuítas exercem também influência social e política, e não apenas educacional e religiosa, na medida em que adquirem autori- dade sobre os índios, a senzala e os colonos. Desta esfera de influências, o traço

mais marcante da educação jesuítica é o que exerceu sobre a formação das classes brasileiras ligadas ao poder econômico e político. A estrutura do ensino, predomi- nantemente "clássica", valoriza a literatura e a retórica e despreza o estudo de ativi- dades manufatureiras, das ciências naturais e especialidades de engenharias. Uma sociedade exclusivamente agrária, que não exige nenhuma especialização profis- sional e cujo trabalho manual se acha a cargo de escravos, permite a formação de uma elite intelectual, cujo saber universal e abstrato, se acha mais voltado ao bacha- relismo, à burocracia, às letras e às profissões liberais. Essa tradição de três séculos acentua o gosto pelo "anel de doutor", a pose e o discurso empolado. Nas palavras de Gilberto Freyre (apud ARANHA, 1994 p. 124):

"[...] daí a tendência para a oratória que ficou no brasileiro, pertur- bando-o tanto no esforço de pensar como no de analisar as coisas. Mesmo ocupando-se de assuntos que peçam a maior sobriedade verbal, a precisão de preferência ao efeito literário, o tom de conver- sa em vez do discurso, a maior pureza possível de objetividade, o brasileiro insensivelmente levanta a voz e arredonda a frase. Efeito de muito latim de frade; de muita retórica de padre".

A formação desta elite colonial, predominantemente intelectual e universalista, esteve marcada pelo distanciamento das principais conquistas científicas da Idade Moderna, bem como do trato dos assuntos e problemas da realidade imediata. Além disso, durante esse longo período de tempo aumentou o fosso existente entre os "letrados" e a maioria da população analfabeta, tendo no domínio da língua as portas da inclusão social. Na pequena circulação de informações se acomodavam as rela- ções sociais e se matinha a estrutura dominante com poucas mudanças. Devido à incapacidade dos dirigentes do país e da real falta de vontade de reverter esse qua- dro histórico, grande parte do conhecimento essencial ao seu desenvolvimento dei- xou de ser criado principalmente pela falta de difusão de novos conhecimentos e mesmo de pré-existentes. Ao longo de sua história a sociedade brasileira acostumou a importar com certo atraso tudo que já estava consolido em outras nações.

Do recorte de Aranha (1994 p. 128-129) depreende-se sob o ponto de vista brasileiro da confraternização das raças, que a Companhia de Jesus passou uma herança muito benéfica à paz étnica, devido à igualdade de condições e trato, nos Séc. XVI e XVII, que eles educaram filhos de portugueses, sejam de colonos ou al- tos funcionários da coroa; europeus; caboclos; índios apresados ou cativos; meninos órfãos deportados da metrópole e mesmo os primeiros mulatos. Relatos históricos

não indicam nenhuma forma de discriminação, segregação de cor, raça ou situação econômica nas práticas educativas e no trato aos seus alunos. Sua herança mais evidente, até nos dias de hoje, é a prática oral de suas aulas, desenvolvendo no alu- no o hábito de espectador audiovisual, longe de qualquer escrita e das perigosas significâncias próprias delas inferidas. Alunos de todas as classes se inserem em uma cultura retórica onde o que é dito, contado e discursado com maior recurso, tem maior valor, onde os entendimentos são generalizados nos respaldo da prática oral do locutor, onde a opinião pública se faz proveniente de uma voz autorizada não in- terpretada.

Seu regime parece buscar a fraternal mistura das crianças em um processo de reciprocidade cultural, fundindo culturas populares distintas na formação de algo genuinamente brasileiro. No entanto, com a interiorização das missões nos territó- rios, conseq uência da pressão apresadora do gentio, se configurou uma realidade diferente. A artificialização cultural do povo mestiço do interior brasileiro, segregado das aspirações e interesses do litoral, determinou uma população paralisada num eterno estágio de dependência, incapazes de uma vida autônoma e desenvolvimen- to normal longe da proteção dos padres e de sua condução mental e produtiva. Es- tes se tornaram, posteriormente, vítimas da dinâmica econômica moderna, após a- brupta expulsão dos jesuítas, que deixaram seu trabalho “civilizatório” incompleto, a milhares pessoas do Brasil interior. Este povo em formação já não se integra ao am- biente natural, prática de seus antepassados, e nem à dinâmica da sociedade nas- cente, da qual são susceptíveis pela admiração, mas incapazes de se engajar devi- do ao não entendimento das estruturadas práticas de dominação e exploração capi- talista das elites dos grandes centros (ARANHA, 1994 p. 122-129). Eles são os her- deiros da segregação social brasileira, impedidos de acesso à boa educação e ex- pulsos das propriedades rurais devido à aglutinação em latifúndios. Compõem, hoje, a massa da periferia das metrópoles, dos movimentos rurais e estão à margem do acesso ao conhecimento.

Schwartzman (1994) ressalta que no século XIX, as elites brasileiras ainda eram educadas predominantemente nas faculdades de Direito e de Letras e, em menor grau, de Medicina e de Engenharia, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Salvador e em Recife, para onde se dirigiam os filhos das famílias mais abastadas e influentes de todo o país. A vivência adquirida através dos contatos pessoais e as

atividades culturais e políticas desenvolvidas nos anos de universidade compensa- vam a ausência de uma educação produtiva efetivamente competente a construção da nação. Terminados os cursos, os filhos das elites se dirigiam seja para a política, seja para os altos cargos públicos, ou para a atividade empresarial. O real capital adquirido nos anos de estudo formal superior era decorrente da ampliação de uma rede de relacionamentos e do registro de pertencimento da elite trazido pela posse de um diploma.

A afirmação do caráter elitista da educação brasileira feita por Schwartzman (1994) foi confirmada também para os dias de hoje por uma pesquisa conduzida na Faculdade de Economia da UnB, em 2003, conduzida pelo Prof. Carlos Alberto Ra- mos, tomando por base os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 1992 a 2003 (IBGE). Esse novo trabalho revela que entre os 10% mais pobres brasileiros que tinham nível superior completo ou incompleto (15 anos de estudo), 50% estavam desempregadas (JORNAL DE BRASÍLIA, 2005). Já os 10% mais ricos do Brasil, apresentam baixíssimos índices de desocupação independen- temente da escolaridade que tinham. À medida que se analisa um decil de melhor condição econômica, melhoram também as chances de se estar empregado. Seria lógico se o salário estivesse diretamente relacionado à posição social, mas o fato de estar desempregado só impacta na condição econômica dos grupos de nível eco- nômico mais baixo. Infere-se daí que pessoas com bom nível educacional, mas com baixo nível econômico, têm dificuldade de ascenderem profissional e socialmente por não possuírem uma rede de contatos e relacionamentos-chave com pessoas que poderiam vir a oferecer-lhe empregos. Também contribui o fato das pessoas com parca condição econômica não conseguiriam ingressar nos cursos superiores para cursar carreiras mais promissoras ou que poderiam lhes prover melhores chan- ces de emprego.

A expansão do ensino superior no século XX distribuiu esta função de forma- ção de elites, e acentuou o caráter regional das instituições de ensino superior, ao mesmo tempo em que o conteúdo profissional e científico de muitas instituições me- lhorava. Hoje, as universidades federais que existem em todas as capitais dos esta- dos brasileiros são locais naturais de passagem dos filhos das elites das respectivas regiões. Mas, ainda assim, não há nada no Brasil que reproduza o mesmo impacto social das Grandes Écoles francesas, da Ivy League americana ou a Universidade

de Tóquio. No Brasil, apenas algumas instituições públicas de ensino e pesquisa desempenham algo que se aproxima deste papel, mas apenas ao nível nacional, com ainda pouca contribuição na produção de conhecimento de escala mundial.

Não há qualquer comprovação científica que diferentes estruturas de classes sociais de um povo também diferenciem sua capacidade intelectual. Fundamentado nos indícios históricos relacionados à formação baseada na comunicação e expres- são audiovisual apresentados anteriormente, pode-se esperar que os brasileiros, de forma geral, se insiram sem dificuldade na iminente nova era digital. O crescente desenvolvimento tecnológico da teleconferência, dos comandos lógicos de sintaxe oral para computadores e mesmo seu retorno em forma de diálogo, em futuro próxi- mo, determinará uma proximidade da comunicação no trabalho e na educação com o que hoje se vê nos noticiários televisivos. Esta transformação tem grande potencial de ser determinante, pois pessoas talentosas em diversas áreas do conhecimento esbarram na barreira do uso do código escrito em seu desenvolvimento educacional e profissional. O conseq uente maior uso da expressão audiovisual direta ou grava- da deve dar a pessoas e culturas mais tendentes a oralidade uma nova oportunida- de de se destacar na produção de conhecimento reconhecido, na maior evidência de seu potencial e na elevação da importância do desenvolvimento da habilidade de comunicação e expressão para a sociedade.

Ao se tratar de reposicionamento das dinâmicas educacionais, o Brasil teve uma corrente significativa de educadores que encarnaram os ideais da educação universal de massas e das modernas pedagogias. Eles se tornaram conhecidos, na década de 30, como os "pioneiros da educação nova”, entre eles nomes como Ro- quette Pinto, Nobrega da Cunha, Anísio Teixeira e Paulo Freire. No entanto, esse grupo jamais chegou a se constituir como uma corrente intelectual institucionalizada na nação brasileira, muito disso devido ao parco apoio governamental para o efetivo desenvolvimento de seus pressupostos. É de se esperar que num contexto de país pluralista como o Brasil, seria recomendável reconhecer as diferenças retratadas por estes teóricos e tentar responder a elas de forma também pluralista, ao invés de ne- gá-las, impondo igualdades formais, que tendem a intensificar ainda mais os proces- sos de estratificação e de desigualdade. Assim, segundo Schwartzman (1994), um ajuste adequado do ensino brasileiro em conformidade com as necessidades futuras do país seria imprescindível, pelo menos nos seguintes tipos de ação, onde podem

influir as políticas públicas:

 Diversificação do sistema, de forma a atender simultaneamente suas diversas

funções, muitas vezes de difícil coexistência em um mesmo modo institucional;

 Criação de sistemas contínuos e públicos de avaliação do ensino em todas su-

as manifestações, com o estabelecimento de padrões de comparação em nível nacional e internacional, como forma de controle de qualidade por parte do pú- blico usuário e do governo, como financiador e responsável pela política nacio- nal relativa ao setor;

 Reforço da autonomia das universidades públicas e privadas para contratar e

demitir professores, fixar salários e padrões de carreira, abrir e fechar departa- mentos e cursos, cobrar anuidades dos alunos abastados, obter recursos de diversas fontes e aplicá-los conforme sua conveniência e estabelecer normas e procedimentos para a admissão de alunos.

 Ampliação significativa da capacidade e competência para o atendimento edu-

cacional adequado a estudantes com educação secundária precária e que pas- saram da idade média do período que cursam, por meio de novos instrumentos pedagógicos, ajustadas às aspirações e às condições de acesso a aprendiza- gem destas populações;

 Desenvolvimento de formas de ensino não convencionais, com o atendimento

de públicos diferenciados por ensino à distância, educação continuada e cursos práticos.

 Reforço da capacidade de formação de professores para o magistério de pri-

meiro e segundo graus, por meio de novas modalidades de atendimento.

 Criação de um sistema ampliado e legitimado de educação básica geral (ciên-

cias sociais e humanidades e ciências exatas e naturais), que coexista com carreiras de cunho profissionalizante e não sejam excludentes;

 Revalorização das atividades pedagógicas e formativas diante da sociedade;  Envolvimento mais estreito e direto dos professores doutores com o ensino e

atividades e outras atividades formativas;

 Reorganização do espaço da pesquisa científica de forma a maximizar seu pa-

cer os vínculos efetivos entre a pesquisa universitária e as demandas do setor produtivo e da sociedade.

 Dissociar diplomas de registros profissionais e desregulamentar o exercício da

maioria das profissões, eliminando sua compartimentalização, aumentando a autonomia didática e pedagógica das universidades e desestimulando a edu- cação de status e o credencialismo;

 Centrar na instituição do governo que responda pela educação a faculdade de

identificar problemas e prioridades, promover o desenvolvimento da capacida- de de gestão autônoma das instituições educacionais, estabelecerem-se pa- drões e políticas globais e acompanhar sua implantação por meio de instru- mentos de incentivos e restrições orçamentárias e uso extensivo de procedi- mentos de revisão metodológica.