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Repositórios digitais de acesso universal

2. Sociedade do Conhecimento e Educação

2.6 Repositórios digitais de acesso universal

Evidencia-se, no contexto atual, a importância de se prover acesso à informa- ção organizada de forma a dispor insumos à construção de conhecimentos úteis em diversas realidades. Isto se faz possível pelas propriedades técnicas dos conteúdos digitais e pelas cada vez maiores facilidades de acesso e manipulação a esses con- teúdos. A uniformização binária do mundo virtual pode ampliar o acesso aos produ- tos de informação, minorando custos de distribuição e estabelecendo o diferencial na qualidade da informação e sua especificidade contida na melhor interação produ- to/consumidor. Repositórios ou bibliotecas digitais, desde que universais, podem trazer uma nova acepção de consumo informativo na sociedade. A DTVi, por exem- plo, deve garantir acesso a conteúdos digitais pautado pela sua disponibilidade e pelo interesse do usuário.

A atual diversidade de acesso à informação organizada se une ao fim do duo- pólio das instituições educacionais e dos livros como veículos mais efetivos para a- quisição de conhecimento. Claro que instituições educacionais continuam tendo um papel essencial, assim como os livros e impressos em geral, e não é provável que desapareçam. Mas a revolução digital que transformou nossa relação com o conhe- cimento está acelerando estes pilares da circulação de conhecimento, e devem ser alterados sensivelmente pelo contato com as novas mídias interativas. A UNESCO (2005 p. 62-64) aponta também que, com o advento destas novas mídias, o que se transformará não é só o próprio texto, mas também a experiência da leitura. Essa nova “Sociedade de Aprendizado” deve, em um primeiro momento, estimular a ativi- dade cognitiva e promover a familiaridade com as práticas interativas, em particular as que se servem de recursos audiovisuais. A educação é, na realidade, aquela que oferece maiores possibilidades de expressão e entendimento, e estimula o interesse de crianças, jovens e mesmo adultos em buscar novos conhecimentos.

A Internet, ainda hoje, é baseada, em sua maior parte, em textos. Isso remete às sociedades de leitura do século XVIII, constituídas como parte de um alargamen- to da prática de leitura, efetivada pelo comércio de livros, e com o tráfego de cartas. Isso propiciou o fluxo de informações que nutriram a ideologia que gerou a ascensão

burguesa. Essa efervescência se repete, hoje, no intenso tráfego de mensagens ele- trônicas de natureza tanto privada (na criação de uma identidade autoral) como pú- blica (pela facilidade de distribuição a vários receptores). A aceleração do fluxo de informação útil pode acabar por solapar as bases em que se assentam as relações pré-estabelecidas, e grandes mudanças se tornam eminentes.

Lévy (1997) afirma que o ponto da virada histórica da relação com o saber si- tua-se provavelmente nos fins do século XVIII. Até aquele momento, um pequeno grupo de pessoas podia ter a pretensão de dominar a totalidade dos principais sabe- res e propor aos outros esse domínio. O conhecimento ainda podia ser pensado em sua totalidade. A partir do século XIX, com a progressiva expansão tanto quantitativa como de diversidade do conhecimento, acelerando a inovação, o projeto de domínio do saber pelo indivíduo ou academia tornou-se ilusório. Hoje, é evidente que o co- nhecimento passou definitivamente para o lado do não-totalizável. A proliferação de informações que se encontrará no mundo moderno é irredutível. A sociedade deve se acostumar a essa profusão e a essa desordem, desistindo de se tentar comparti- mentá-las em invólucros estáticos.

A UNESCO (2005 p. 63-64) refere-se ao atual período como sendo de transi- ção na relação entre os humanos e os textos. Essa transição começou quando, com o desenvolvimento da Internet, teclado e tela se tornaram rapidamente o meio mais comum para produção e exposição de textos. A migração dos textos às telas de computador não está isenta de implicações para a natureza de textos, cujos novos atributos – onipresença, fluidez, interatividade, integração, indexação e fragmenta- ção – crescentemente são considerados essenciais pelos leitores de hoje. A onipre- sença faz com que qualquer texto disponibilizado on-line seja instantaneamente a- cessível na rede, predizendo assim um movimento para a descontextualização e interpenetração de culturas em uma prática inconcebível há alguns anos. A fluidez explica-se pelo fato de ser extremamente fácil modificar documentos digitais, o que é ideal para corrigir, copiar, seriar, remeter, dispor em exibição pública e por fim passa a ser objeto de referência. Com o novo elemento da interatividade, textos são cres- centemente vistos como espaços a serem explorados. Complementados com hiper- links que conduzem a janelas que contêm informação adicional e elementos audiovi- suais. Assim, a digitalização abriu uma nova dimensão para a palavra escrita – a capacidade de interagir com usuários, encorajando-os a adotar uma atitude de leitu-

ra ativa. Particularmente promissor, as técnicas de indexação integrada permitem que textos estejam interconectados na Internet, onde terminais de acesso também integrados permitem sua busca por meio de pistas que os possibilitam ser encontra- dos de qualquer ponto do mundo, quase que instantaneamente.

Um texto é um objeto da fala que ocupa certo espaço e pode ser decodificado dentro de um tempo, regulado por uma sucessão linear de palavras, conforme a sin- taxe do idioma. Ler não é uma atividade imutável; não só depende do meio usado para os textos, mas também do tipo de texto lido e do modo no qual está se lendo. Deve-se considerar também o grande peso do ensino no modo e hábito de leitura de determinada sociedade. Realmente, a experiência de leitura eletrônica tende a um leve desconforto subliminar, que encoraja uma leitura febril de informações curtas com pulos freq uentes, o que torna está mídia ideal para textos curtos, pois se mos- tra inadequada para um artigo substantivo de leitura contínua com várias sessões, como normalmente consta em romances e livros didáticos.

Quando os proibitivos preços dos livros estão acompanhados pela falta de instalações de bibliotecas, então a disponibilidade de conteúdos se torna uma ajuda no combate à ignorância e serve à ampliação dos horizontes de pessoas. A prática de compartilhamento de conteúdo por meio de repositórios e bibliotecas digitais, não respeitando, muitas vezes, direitos autorais, é uma das conseq uências disso. As preocupações daí decorrentes vêm forçando a diversos setores industriais e comer- ciais especializados (e.g., gráfico, editorial, fonográfico, mídia) a reverem suas for- mas de explorar seus mercados.

Para Bodei (1996), os livros estão na raiz da cultura vigente. Essa cultura nasce em uma estrutura rígida, a escritura no papel, tende a ser forte, porque a es- crita do livro não pode ser modificada pelo leitor. Já na cultura da transmissão a qual se adentra cada vez mais, a oralidade ganha novamente um peso significativo, mesmo que em comunhão com a escrita. Essa nova forma de oralidade é potenciali- zada na nova cultura interativa pela possibilidade de emissor e receptor poderem se acessar mutuamente para fluir uma troca idéias, em uma adaptação mútua mais fle- xível e mais elástica que uma relação baseada no texto impresso.

tado geograficamente, pois textos, áudio, vídeo informações, e consequentemente conhecimento, tornaram-se “nômades”. Já na presente era do comércio cultural, as bibliotecas vão ter que se atentarem para o grande desequilíbrio que pode ocasionar a proliferação exponencial de repositórios de informações e a expansão do acesso a informações para consumo imediato. No entanto, deve-se buscar meios que redu- zam os atuais elevados custos de acesso, licenças e subscrições, particularmente no caso de bibliotecas universitárias. O futuro dessas novas formas de biblioteca depende, em grande parte, da capacidade de nossa sociedade em transcender a lógica mercantil da sociedade de informação e propor modelos nos quais seus valo- res provenham da contribuição para cognição e para a criação do conhecimento. Essas novas bibliotecas podem se tornar atores cruciais no desenvolvimento da So- ciedade do conhecimento, mas isso requer uma redução na forte polarização do co- nhecimento no nosso mundo, ampliando o livre acesso universal a bens culturais e informação útil.

As bibliotecas foram por muito tempo lugares onde as pessoas aprendem a obter informação, e a transformá-las em conhecimento. Em sociedades que se ser- vem da aprendizagem universal vitalícia, as bibliotecas têm que promover e facilitar o acesso a seu conteúdo. Um projeto de biblioteca digital de compartilhamento e acesso universal a conteúdo na forma de imagens, textos, sons e vídeos em torno dos mais diversos temas disponíveis pode vir se configurar como um centro cultural e câmara de compensação para o conhecimento. A biblioteca, em sua modalidade virtual, passa a representar um tipo de portal para a nova sociedade do conhecimen- to, servindo frequentemente como um ponto de junção entre o local e o global (U- NESCO, 2005 p. 67). Na Internet já se apresenta atualmente uma experiência simi- lar. A Wikipédia34, um repositório do conhecimento construído com base na solidari- edade vem crescendo a cada dia não só em conteúdo, como na utilização referenci- al de seu conteúdo e principalmente na credibilidade nela depositada.

Contrariando o otimismo generalizado sobre as ondas de crescimento provo- cadas pela nova economia, uma contundente apropriação desigual do uso destas tecnologias tem se traduzido em um forte debate a respeito dos efeitos perversos da assimetria entre os que possuem e os que não possuem acesso à informação. O 34 www.wikipedia.org/

significado de "serviço universal" sofre mudanças e deixa de ser apresentado uni- camente como acesso à infra-estrutura de comunicações; passa a ser entendido como a instrução de recursos para a criação e disponibilidade de conteúdos infor- macionais aos quais todos os indivíduos devem ter acesso segundo suas necessi- dades. Duas questões se colocam: como medir nessa perspectiva a difusão de a- cessos e, de outra forma, como verificar o quanto os indivíduos estão capacitados para lidar com as novas tecnologias? Se, a idéia de inclusão se definia em função da disponibilidade de acesso residencial de telefonia, computadores e Internet, hoje a inclusão ganha um novo sentido: em primeiro lugar, se existe um suplemento para cada indivíduo em domicílio, então deve ser considerada a possibilidade de “isola- mento” de indivíduos com dificuldades de acesso por deficiências técnicas, naturais, culturais ou, principalmente, cognitivas. As questões sobre a exclusão digital não se resumem às características dos indivíduos, mas às necessidades específicas de classes e grupos sociais no contexto em que vivem. Muitos dos que possuem inte- resse em estar conectados, no entanto, não estão em função de barreiras de custo, habilidades e capacidade de uso. Outros possuem pouco ou nenhum interesse nos serviços oferecidos, resultante da não percepção de valores, dificuldades com a lín- gua, de usabilidade ou de um desestímulo em relação à pouca densidade de conte- údos sociais e de interesse. (NAVARRO apud BESSA et al., 2003 p. 6)

Mesmo solucionando a questão de acesso universal, não bastaria disponibili- zar todas as informações em um grande repositório. Sob a ótica do Centro de Pes- quisa e Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD (2004), quando se trata da utilização dos novos serviços interativos, devido a seu caráter inovador, deve-se considerar a capacidade efetiva de se instruir a população para que possa ter aces- so a todas as possibilidades desses serviços. Torna-se essencial a inserção de apli- cativos que sirvam como tutores, organizando, preparando e distinguindo os materi- ais disponíveis aos usuários quanto sua natureza: (i) descritivos (fatos e informação sobre “o quê?”), (ii) processuais (preocupado com a pergunta “como?”), (iii) explicati- vos (correspondendo para a pergunta “por quê?”) ou (iv) comportamentais (pensa- mentos, crenças, idéias, valores, opiniões).

Como revela o estudo da UNESCO (2005 p. 96), que quaisquer novas ferra- mentas multimídia não permitirão dispensar o elemento humano no processo educa- cional, ao contrário dos cálculos daqueles que esperam economizar no custo de

pessoal. Essas tecnologias viabilizam a transmissão instantânea de informação, mas para transformar estas informações disponíveis em conhecimento, é necessário um grande número de “facilitadores” altamente qualificados. Estes agentes devem capa- citar os interessados em cada contexto, monitorando e facilitando a difícil tarefa de transpor a barreira da ignorância comum a todos em novas práticas, e principalmen- te direcionar os usuários para, a partir de um grande repositório de informações dis- poníveis, obter o conhecimento válido à sua realidade.

No entanto, um sistema de educação em rede também tem custos, e mesmo que possam ser menores que os da estrutura tradicional, eles ainda podem ser par- ticularmente altos para que os países em desenvolvimento promovam sua inserção, especialmente se financiados pelo usuário. Contam ainda com custos cultural e insti- tucional (avaliação e sistemas de qualificação, assegurando que os cursos sejam efetivos e reconhecidos para além das instituições das quais os estudantes recebem sua qualificação), ainda mais complexo de serem superados. Deve-se avaliar até que ponto o ensinamento vai ao encontro das necessidades sociais, e em que con- dições se encontram seus usuários para assimilar o conhecimento dado. Não é sufi- ciente reduzir a “dívida digital” sem reduzir a “dívida do conhecimento”, a qual é res- ponsável por cultivar exponencialmente a desigualdade social. Além disso, uma das primordiais funções do novo ensino deve ser atualizar o conhecimento em uma base vitalícia, de acesso universal, consonantes às constantes mudanças da sociedade moderna. (UNESCO 2005 p. 94 e 98)

A UNESCO (2005 p. 97) também revela que a elevação de uma sociedade de informação global permitiu uma considerável elevação da massa de informação dis- seminada pelas mídias. Em sociedades do conhecimento, meios como telefone, te- levisão e Internet deverão fomentar a geração cada vez mais eficaz de conhecimen- to onde as pessoas vivem, tornando-se, assim, um ambiente para oportunidades adicionais e de apoio para avanços na educação vitalícia universal.

No entanto, o compartilhamento de conhecimento também requer (i) esforço intelectual; (ii) habilidades de questionar as próprias certezas dos indivíduos; (iii) franqueza para com outro ou para com o desconhecido; (iv) desejo latente de coope- rar e (v) senso de solidariedade. Também os diferentes grupos sociais estão longe de ter as mesmas condições de acesso e capacidade para assimilar este fluxo cres-

cente de informação ou conhecimento. Em economias baseadas no conhecimento, o capital humano é a fonte principal de lucro e a chave para desenvolvimento humano mais amplo e sustentável. O desenvolvimento de sociedades de conhecimento ofe- rece uma nova chance para países em desenvolvimento se consolidarem desenvol- vidos, priorizando para tal a difusão e disseminação de conhecimento.

Inicialmente, o desenvolvimento da Internet inspirou-se na meta elevada de apoio a comunidades escolares, alcançando, em seus primórdios, notável sucesso nesta dimensão (PRESS, 1993). Hoje, ela não só está presente na maioria dos am- bientes de trabalho, onde colaboração diária remota com colegas seria impossível sem sua existência. Por outro lado, reduz a interação social física. A produtividade foi aumentada notavelmente, mas as relações diárias no ambiente de trabalho orga- nizacional mudaram. A troca de contexto para o remoto é mais pronunciada quando consideram os meios de comunicação de massa. A mesma ferramenta não só é transformada pelo homem como também o transforma. O uso de redes digitais vem inevitavelmente mudando valores, percepções e hábitos da sociedade. Trabalhar, entreter-se e educar-se no ciberespaço muda a relação dos indivíduos com o tempo, com outras pessoas e mesmo consigo. Assim, embora seja o próprio homem a cons- truir a nova rede, deve-se atentar para as conseq uências sobre si mesmo.

Exemplificando como as novas ferramentas pertinentes ao conteúdo digital, que podem ser determinantes para mudança cognitiva e por conseguinte sociais, Lévy (1997) elenca a possibilidade da “simulação”. Essa tecnologia intelectual pode potencializar a imaginação individual (aumento da inteligência) e permitir que grupos partilhem, negociem e refinem os modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade de tais modelos (aumento da inteligência coletiva), incrementando capacidades cognitivas humanas como, a memória, a imaginação, o cálculo, o racio- cínio. As TIC exteriorizam parcialmente essas faculdades mentais em dados digitais. Ao serem exteriorizados e reificados, partes desses processos cognitivos tornam-se partilháveis, reforçando, portanto, os processos de inteligência coletiva. Para o teóri- co, as técnicas de simulação, em particular as que envolvem imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas prolongam e transformam as capaci- dades de imaginação e pensamento. A memória humana de longo prazo tem capa- cidade para armazenar uma grande quantidade de informações e conhecimentos, enquanto a memória de curto prazo contém as representações mentais às quais se

presta deliberadamente maior atenção, possui capacidades mais limitadas. O grau de resolução e o tempo de representação da imagem da mente humana não é o su- ficiente para enumerar detalhes contábeis. Para chegar ao detalhe, é necessária uma memória auxiliar externa (desenhos, fotografias, pintura), graças à qual se pode efetuar novas operações cognitivas: contar, medir, comparar, etc. A simulação é uma ajuda para a memória de curto prazo que envolve não imagens fixas, textos ou tabelas de números, e sim dinâmicas complexas. A capacidade de fazer variar facil- mente os parâmetros de um modelo e observar de imediato e visualmente as conseq uências dessa variação constitui-se numa verdadeira ampliação da imaginação. Hoje em dia, a simulação exerce um papel crescente nas atividades de pesquisa científi- ca, de concepção industrial, de gestão, de aprendizado, mas também para o jogo e a diversão (em especial os jogos interativos na tela). Sob o ângulo da inteligência coletiva, a simulação permite a partilha de mundos virtuais e de universos de signifi- cado de uma grande complexidade. Doravante, informações codificadas são arma- zenadas em bancos de dados acessíveis on-line, em mapas alimentados em tempo real e em simulações interativas dinâmicas. Os instrumentos de simulação possíveis pelo acesso ao mundo virtual trazem novas possibilidades extensoras de nossa inte- ligência capazes de dar grande aporte ao conhecimento.