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Necessidade social da promoção do conhecimento

1. Introdução

1.3 Revisão de literatura

1.3.3 Necessidade social da promoção do conhecimento

Indubitavelmente, as desigualdades de acesso a fontes de informação, conte- údos e infra-estruturas lançaram dúvida no caráter global da sociedade da informa- ção e, por conseguinte, cerceiam o crescimento de sociedades de conhecimento. Embora as sociedades organizadas em geral se esforcem para manter o sistema de ensino e educação tradicional, percebe-se uma troca gradual do foco nos “possuido- res” de conhecimento para os que estão buscando adquirir. Isso ocorre não só no sistema formal de ensino, mas também na atividade profissional e na educação in- formal onde a imprensa e mídia eletrônica fazem um papel preponderante (UNES- CO, 2005). Khan (2003) afirma que aproximadamente 80% da população do mundo não tem acesso a instalações de telecomunicações básicas, infra-estrutura funda- mental para a sociedade da informação e para a emergente sociedade do conheci- mento que sucinta interatividade. Dispor acesso às rodovias de informação e ao de- senvolvimento de conteúdo, dados e informações é um problema primordial ainda em muitos países. O maior desafio de todo esse trabalho no campo de desenvolvi- mento social é a dívida digital. Está claro que sociedades só são eq uitativas se to- das as pessoas, incluindo desvantajosos e marginalizados que se agrupam como pessoas com inaptidões, indígenas ou os que vivem em pobreza extrema, mas tam- bém mulheres e jovens, se beneficiarem igualmente do acesso aos insumos do co- nhecimento. Eles deveriam ser habilitados a usar as TIC, suas redes tecnológicas de

informação e de compartilhamento (comunicação), criando recursos de conhecimen- to e desenvolvendo habilidades que possam ajudá-los a viver e serem produtivos no novo ambiente digital. Comunidades locais devem ser apoiadas em suas iniciativas de se conectarem e principalmente de proverem conteúdos às redes, com o efeito do combate à marginalização, à pobreza e à exclusão.

Moura (2006) explicita sua impressão sobre a importância dada pelas institui- ções governamentais brasileiras na busca pela formação de uma sociedade ativa para a produção de conhecimento. Ele lembra, por exemplo, que a produção científi- ca brasileira passou em termos percentuais de 0,64% da produção mundial, em 1990, para 1,55% em 2002, e continua a crescer. Em termos absolutos, foi-se de 3.552 artigos publicados em periódicos internacionais para 11.285, 13 anos depois. A produção foi portanto, triplicada. Isso deveu-se em grande parte, aos investimen- tos sérios e sistemáticos na pós-graduação, iniciados ainda nos anos 70 do século passado. São números que não podem ser desprezados quando se delineia a futura sociedade humana desejável, como a Sociedade do conhecimento. No Gráfico 1 é mostrado, no entanto, que ainda muito precisa ser feito para trazer relevância ao investimento científico na América latina.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1992 1994 1997 2000

América do Norte Ásia Europa

América Latina África Oceania

Gráfico 1: Participação nos gastos mundiais em Pesquisa e Desenvolvimento Científico

(UNESCO 2005, p 100)

Um relatório da UNESCO (2005) conclama os governos do mundo inteiro a investir em educação de qualidade para todos. O documento exorta os governantes

a multiplicar os locais de acesso comunitário às TIC e a encorajar o compartilhamen- to do saber científico entre os países a fim de reduzir as diferenças numéricas e cognitivas que separam o Norte do Sul, e assim abrir o caminho para uma forma in- teligente de desenvolvimento humano sustentável. No entanto, há uma questão que precisa ser ressaltada para o caso brasileiro: quem produz conhecimento científico no Brasil e está na origem de toda a riqueza gerada na nação a partir desse conhe- cimento é a universidade e nela é que se pode criar soluções próprias ao desenvol- vimento da nação.

Para a UNESCO (2005, p. 170-171), a ampliação do domínio público contribui para o desenvolvimento do capital humano e da criatividade em sociedades de co- nhecimento, que definitivamente estão encabeçando uma livre autorização e desen- volvimento para todos. O conhecimento tem duas características notáveis: sua não rivalidade e sua não excluibilidade. Thomas Jefferson, ex-presidente dos Estados Unidos, devido ao seu interesse em fazer da biblioteca um espaço público, refletiu sobre a não propriedade do conhecimento. Sua primeira consideração foi afirmar que o uso do conhecimento por alguém não previne o seu possível uso por outro (não rivalidade). A segunda premissa é que uma vez que o conhecimento não pode ser retido, diferente da informação, sempre pode ser usado por outrem na extensiva criação de outros conhecimentos (não excluibilidade). De acordo com o trabalho do economista Paul Samuelson (1954, apud UNESCO 2005), a presença destas duas propriedades (não rivalidade e não excluibilidade) caracterizam um bem público, e- xemplificados no Quadro 1.

Excluibilidade Não Excluibilidade

Rivalidade Bens Privados(Roupas, carros, eletrodomésticos, terra,...) Bens Naturais(Água, coleta de frutos, pesca, extrativismo mineral,...)

Não Rivalidade

Bens Restritos

(Eletricidade, Internet, TV por assinatura, educação,...)

Bens Públicos

(Saúde, segurança, ar, cultura, rádio, TV aberta,...)

Quadro 1: Caracterização de bem público, segundo Samuelson (1954 apud UNESCO 2005)

Logo, conhecimento, no sentido restrito, não pode ser tratado como proprie- dade intelectual exclusiva. O que pode ser incluído no sistema de propriedade inte- lectual é a expressão de uma idéia ou uma invenção, nunca os fatos que a origina- ram ou as idéias que a partir podem ser constituídas como parte da expressão de outras novas idéias ou invenções. Em outras palavras, só a informação pode ser

protegida por meio de direitos de propriedade intelectuais, o que é importante para o beneficio dos pesquisadores pela proteção da propriedade intelectual, onde muitas vezes se determina um retorno econômico dos seus esforços, que estimula e dá su- porte à constante busca de novos conhecimentos. Em sociedades de conhecimento, para se conciliar teoria e prática, arranjos para um conhecimento coletivo comparti- lhado encontrariam no domínio público uma linha promissora que postule o livre compartilhamento de conhecimentos válidos a todos.

No entanto é possível um contra-incentivo ao conhecimento pelas elites for- madas nas universidades é apontada por Jacques Marcovitch, ex-Reitor da USP:

“É corriqueiro ver o aluno, enquanto universitário, extremamente soli- dário com os excluídos, para depois tornar-se dirigente de uma gran- de empresa e agir de forma oposta. Ali, vivendo nova cultura e des- vinculado da cultura da universidade, ele pode passar a ser um refor- çador da exclusão. A questão da exclusão e a questão da emprega- bilidade serão facilitadas quando se entender como comunidade uni- versitária a comunidade alargada, incluindo os ex-alunos, e dela fa- zendo um espaço formulador de alternativas.” (MARCOVITCH, 1998

p. 71-72 apud PLONSKI, 2001).

Cristovam Buarque aponta várias questões cruciais da vida acadêmica:

“A exclusão social é o maior problema da sociedade moderna, princi- palmente no Brasil. Não há como a universidade furtar-se ao debate dessa questão. [...] O que faz a universidade elitista não é o fato de que alguns pobres não terão filhos médicos, mas o fato de que os pobres não terão médicos para seus filhos. [...] Na questão da exclu- são social, uma primeira mensagem que a universidade tem que dei- xar muito clara é a do compromisso social amplo e permanente que a universidade tem, simultaneamente, um compromisso com a coesão social e outro com a excelência” (BUARQUE, 1994).

Para a UNESCO (2005), há uma fratura cognitiva que separa os países dota- dos de poderosos potenciais de pesquisa e de inovação, de sistemas educativos de grande desempenho, locais de saber e de cultura abertos ao maior número de pes- soas possíveis, daqueles com sistemas educativos deficientes, instituições de pes- quisa não equipadas, vítimas da ultrajante “fuga de cérebros”. Mais de 40 mil cientis- tas latino-americanos abandonam anualmente seus países para instalar-se nas na- ções ricas. Os baixos salários, o desemprego, a falta de investimentos e de políticas públicas para a defesa e promoção da ciência constituem as principais causas res- ponsáveis pela fuga de talentos da África e da América Latina para os países indus- trializados. A Tabela 3 congrega o tempo médio de educação formal das principais

nações do mundo.

É certo que não somente o tempo que se passa no sistema formal de ensino pode evidenciar o grau de comprometimento de um povo com a formação educacio- nal. No entanto, hoje com os ainda insipientes sistemas alternativos de formação humana fora do sistema formal de ensino este ainda é um índice que se correlaciona diretamente ao conhecimento disseminado na população. O Brasil apresenta um tempo mediano em relação as demais nações do mundo, mas pouco significativo em relação as nações mais desenvolvidas, mesmo considerando que o segmento mais abastado da população brasileiro apresenta índices melhores que as médias das nações do primeiro mundo não é suficiente para contrabalançar o índice muito inferi- or a média da população mundial da grande maioria da população brasileira.

Percebe-se que para se alcançar o tempo ideal formação, para a melhor utili- zação da potencialidade do conhecimento humano, muitas nações terão de fazer investimentos consideráveis em seus sistemas educacionais. Ainda assim, existem ressalvas, pois somente o tempo de exposição formal não será o bastante para pro- ver um sistema de qualificação do conhecimento humano. Afinal, a qualidade da formação e sua extensão para além deste período são determinantes no desenvol- vimento na sociedade moderna. Alternativas menos onerosas podem dar oportuni- dades a governos com recursos mais limitados de mesmo não atingindo o tempo de formação similar as nações mais desenvolvidas atingirem um relativo desenvolvi- mento da difusão de conhecimentos, por sistemas formadores eletrônicos em redes TICs.

Tabela 3: Tempo médio de educação formal em adultos acima de 15 anos

Ranking Países Anos Ranking Países Anos

1 Estados Unidos 12,0 51 África do Sul 6,1

2 Noruega 11,8 52 Costa Rica 6,0

3 Nova Zelândia 11,7 53 Maurício 6,0

4 Canadá 11,6 54 Suazilândia 6,0 5 Suécia 11,4 55 Portugal 5,9 6 Austrália 10,9 56 Síria 5,8 7 Suíça 10,5 57 Bolívia 5,6 8 Alemanha 10,2 58 Zâmbia 5,5 9 Finlândia 10,0 59 Argélia 5,4 10 Polônia 9,8 60 Zimbábue 5,4 11 Dinamarca 9,7 61 Colômbia 5,3 12 Israel 9,6 62 Jamaica 5,3 13 Japão 9,5 63 Turquia 5,3

14 Países Baixos 9,4 64 El Salvador 5,2

15 Reino Unido 9,4 65 Índia 5,1

16 Irlanda 9,4 66 Indonésia 5,0

17 Eslováquia 9,3 67 Tunísia 5,0

18 Bélgica 9,3 68 Brasil 4,9

19 Chipre 9,2 69 Rep. dominicana 4,9

20 Hungria 9,1 70 Honduras 4,8 21 Argentina 8,8 71 Nicarágua 4,6 22 Islândia 8,8 72 Lesoto 4,2 23 Grécia 8,7 73 Quênia 4,2 24 Barbados 8,7 74 Iraque 4,0 25 Panamá 8,6 75 Gana 3,9 26 Áustria 8,4 76 Paquistão 3,9 27 Fiji 8,3 77 Uganda 3,5 28 Filipinas 8,2 78 Guatemala 3,5 29 França 7,9 79 Camarões 3,5

30 Trinidad e Tobago 7,8 80 Togo 3,3

31 Peru 7,6 81 Malauí 3,2

32 Uruguai 7,6 82 Papua-Nova Guiné 2,9

33 Chile 7,5 83 Birmânia 2,8 34 Espanha 7,3 84 Haiti 2,8 35 Itália 7,2 85 Tanzânia 2,7 36 México 7,2 86 Senegal 2,6 37 Kuwait 7,1 87 Ruanda 2,6 38 Eslovênia 7,1 88 Bangladesh 2,6 39 Cingapura 7,0 89 Libéria 2,5

40 Sri Lanka 6,9 90 Rep. Centro-Africana 2,5

41 Jordan 6,9 91 Serra Leoa 2,4

42 Malásia 6,8 92 Nepal 2,4 43 Venezuela 6,6 93 Gâmbia 2,3 44 Tailândia 6,5 94 Benin 2,3 45 Equador 6,4 95 Sudão 2,1 46 China 6,4 96 Afeganistão 1,7 47 Botsuana 6,3 97 Moçambique 1,1 48 Guiana 6,2 98 Níger 1,0 49 Paraguai 6,2 99 Mali 0,9 50 Bahrain 6,1 100 Guiné-Bissau 0,8

Média das nações pesquisadas: 6,2

Muitas instituições e empresas pretendem, em curto prazo, com o impacto da introdução de novas tecnologias em educação e aprendizado, multiplicar seu público minimizando seus custos. Deve-se, no entanto, ficar atento para não se negligenciar um imprescindível investimento em novos conteúdos com qualidade e formatos ade- quados. Isso pode ser preocupante quando se dá uma importância exagerada à ad- ministração de informação pré-formatada por provedores de conteúdos on-line em detrimento a mecanismos que levem ao desenvolvimento de habilidades analíticas e de julgamento crítico (UNESCO, 2005 p. 89). A oferta educacional está se diversifi- cando cada vez mais com movimentos que remetem e incentivam o conhecimento, mas a massificação do ensino superior convencional está aumentando o fardo nos orçamentos dos estados. O crescimento e a diversificação do sistema de educação, nos países que mais precisam, deixaram de ser prioritários no âmbito público e rele- gado à iniciativa privada.

Esta é a situação vigente, com a crescente tendência de transformar o conhe- cimento em mercadoria. Ela requer uma redefinição de padrões, um fortalecimento do comprometimento ético dos pesquisadores e demais produtores do conhecimento e prioritariamente uma sensível melhoria da distribuição de informação técnico- científica disponível ao público. Com a atual taxa de crescimento do ensino superior, hoje com algo em torno de 20%, o Brasil chegará facilmente, mantendo o ritmo atual, ao número referencial mínimo ideal de 60% de sua população como nível superior aproximadamente em 2030 (IBGE, 2006). (A Tabela 4 reflete a situação comparativa do Brasil em relação a uma amostra de países.) Sua simples expansão não é ação suficiente para promover a educação e elevar a consciência do público. Ela depende de efetivas campanhas que valorem o conhecimento e estimulem ampla cobertura da mídia em tecnologias resultantes de sua aplicação, e principalmente de sistemas paralelos balizadores da qualidade e da ética, estimuladores de uma consciência crítica na busca de uma instrução séria em prol do conhecimento humano.

Tabela 4: Penetração do ensino superior nas nações

Número de Matriculados no Ensino Superior Estimativas do atendimento 2005 Países Mat. 1999 Mat. 2005 Pop. alvo (18-24) % atendidas Pop. total Estados Unidos 13.769.000 17.282.000 25.000.000 69,1 295.734.134 Suécia 335.000 427.000 650.000 65,7 9.001.774 Austrália 815.000 1.015.000 1.650.000 65,1 20.090.437 Rússia 9.020.000 14.200.000 63,5 142.775.578 Espanha 1.787.000 1.809.000 3.000.000 60,3 40341462 Ucrânia 1.737.000 2.605.000 4.470.000 58,3 46.959.420 Itália 1.797.000 2.015.000 3.620.000 55,7 58.103.033 Polônia 1.399.000 2.118.000 3.900.000 54,3 38.557.984 Irlanda 151.000 187.000 360.000 51,9 4.015.676 Argentina 1.601.000 2.127.000 4.100.000 51,9 39.537.943 Cuba 153.000 472.000 910.000 51,9 11.326.153 Reino Unido 2.081.000 2.288.000 4.800.000 47,7 60.441.457 Japão 3.941.000 4.038.000 8.800.000 45,9 127.537.189 França 2.012.000 2.187.000 4.800.000 45,6 62.911.523 Chile 451.000 664.000 1.600.000 41,5 15.995.043 Venezuela 1.050.000 2.800.000 37,5 25.269.177 Tailândia 1.214.000 2.339.000 6.350.000 36,8 64.185.502 Egito 2.447.000 2.594.000 8.800.000 29,5 77.561.884 Colômbia 888.000 1.224.000 4.450.000 27,5 43.100.021 Turquia 1.465.000 2.100.000 8.000.000 26,3 69.660.559 Irã 1.308.000 2.126.000 9.600.000 22,1 64.737.226 Romênia 379.000 408.000 2.000.000 20,4 22.329.977 Brasil 2.497.000 4.275.000 21.000.000 20,4 186.112.794 México 1.838.000 2.385.000 11.740.000 20,3 106.202.903 Arábia Saudita 350.000 604.000 3.000.000 20,1 26.417.599 China 6.366.000 23.361.000 125.000.000 18,7 1.306.313.812 Indonésia 3.640.000 25.250.000 14,4 228.895.746 África do Sul 633.000 735.000 5.500.000 13,4 44.344.136 Fontes: http://www.unesco.org/education/gmr2008/annexes/annex5.pdf e http://www.census.gov/cgi-bin/ipc/idbrank.pl

Diante da instabilidade crescente de empregos e profissões que a maioria dos futuristas prevê, canais que possibilitem uma educação vitalícia para todos podem ser um forte contribuinte ao sistema de formação e qualificação humana. A busca por acesso à sociedade do conhecimento para todos confirma a importância social de uma nova concepção contemporânea de conhecimento como valoroso fator de inclusão social. Paradoxalmente, o conhecimento é ainda tido como fator de segre- gação, sendo promovido numa participação desigual como diferencial competitivo,

provendo melhor a quem já dispõe de recursos abastados. Há muitas assimetrias relacionadas ao conhecimento que elevam potencialmente a exclusão social. Elas podem estar contidas nas sociedades do conhecimento quando seu desenvolvimen- to é reduzido à promoção de uma economia do conhecimento ou em uma inócua sociedade de informação (UNESCO, 2005 p. 24-25).

A grande desigualdade no acesso ao conhecimento na sociedade moderna decorre do não reconhecimento da natureza do empreendimento filosófico, científico e tecnológico do conhecimento por pessoas “educadas” segundo estes princípios. Esse desconhecimento se manifesta de formas antípodas, ambas com forte carga ideológica. Alguns poucos praticam uma defesa arraigada, quase um endeusamento da ciência e da tecnologia, em que se constrói uma imagem de que somente delas provêem os conhecimentos capazes de diminuir os males da humanidade. Por outro lado, há uma “demonização” do conhecimento científico e tecnológico, mesmo no mundo ocidental em pleno século XXI, exemplificada por ataques às pesquisas “bio- tecnológicas”, pelo medo do descontrole da nano-replicância, pelas barreiras ao uso de combustíveis alternativos, um novo ludismo16 derivado do medo pela substituição

humana pela mão de obra automatizada, e do posicionamento contrário a quaisquer novas tecnologias que subvertam o status dominante e mesmo ilusoriamente amea- cem os interesses individuais. (PLONSKI, 2001)

Plonsk (2001) alerta também que poucos se atêm aos reais problemas que o uso de tecnologia nas dinâmicas sociais trouxe no bojo de suas facilidades. Por e- xemplo, a redução da diversidade cultural simbolizada pela extinção de centenas de idiomas, num ambiente cada vez mais conectado pela rede mundial e no qual as próprias entidades internacionais deram legitimidade a apenas poucas línguas. Também poucos relevam as rupturas psicológicas que sofrem muitos jovens e prin- cipalmente adultos, incapazes de lidar com a elevada taxa de mudança introduzida pela globalização nos espaços econômico, social e cultural. Essa incapacidade de inclusão na nova dinâmica social, agravada pela insensibilidade dos arautos da mo- dernidade aos saberes e práticas tradicionais, levam a sociedade a alimentar desvi- os sociais como drogas, terrorismo, suicídios e outras práticas diretamente ligadas 16 No período da revolução industrial, Ned Ludd pregava a destruíção das máquinas, que, segundo

ele e seus seguidores, por serem mais eficientes que os homens, tiravam-lhes importância de seus papéis sociais.

ao rompimento de uma consciência racional e analítica.

Sem a promoção de uma ética baseada em compartilhar conhecimento e co- operar com os menos afortunados, os países e grupos sociais mais avançados ten- dem a capitalizar seu avanço privando os mais pobres de tais ativos cognitivos, es- senciais como novo conhecimento médico ou agronômico. Este cenário acaba por criar um ambiente que impede o crescimento do conhecimento pleno e irrestrito en- tre os humanos. Claro que quem se prepara a longo tempo com dedicação e se de- bruça sobre informações, as reordenando, testando e validando na construção do novo conhecimento, têm o direito, também imprescindível como um estímulo, ao de- vido reconhecimento e retorno, principalmente financeiro. É então necessário achar um equilíbrio entre proteger a propriedade intelectual e promover o domínio público do conhecimento para o bem social. O acesso universal a insumos válidos a produ- ção conhecimento tem que ser posto como prerrogativa fundamental que apóia o desenvolvimento humano. E a seus atores deve ser dado o devido reconhecimento por sua contribuição, seja pelo estado, nas contribuições essenciais ao bem coletivo, seja pelo mercado, nas contribuições para o desenvolvimento técnico-social de cará- ter individual. O conhecimento não pode ser considerado um usual artigo comerciali- zável. A tendência atual para a privatização de sistemas de ensino superior e sua internacionalização merece atenção política e deveriam ser examinados no vigamen- to do público e em debates nacionais, regionais e internacionais. O conhecimento é um bem comum e deve ser percebido como tal, e defendida sua livre profusão para o bem do desenvolvimento humano.

É primordial não se perder um momento significativo de mudança tecnológica para ampliarmos essa mudança a outras esferas determinantes de nossa condição social. Segundo Pierre Lévy (2001), os cidadãos, pela primeira vez na história, po- dem se comunicar com o governo mais livremente, associando-se em grupos de in- teresse, alinhando seu voto e participando ativamente dos processos de decisão, como avaliação das necessidades, captura da informação, exame de decisão, avali- ação e correção das ações. A soma dessas ações multiplicadas pelo alcance de seus múltiplos atores é definida por ele como a ciber-democracia, que promove o desenvolvimento social e político do mundo contemporâneo. Com a possibilidade de expressão digital, a sociedade se tornou mais visível e transparente e, sobretudo, um número maior de pessoas podem exprimir seus pontos de vista. A Internet permi-

te hoje que milhões de pessoas se dirijam a um vasto público internacional – pesso- as que não poderiam publicar suas idéias nas mídias clássicas como a edição em papel, nos jornais ou em televisão. Evidentemente, nada disso acontece sem um comprometimento ativo dos cidadãos. A tecnologia abre possibilidades, mas somen- te a atuação das pessoas permite que elas se realizem. O principal obstáculo à par- ticipação em ações digitais coletivas não é a falta de acesso aos computadores ou às redes, mas sim o analfabetismo e a falta de recursos culturais. É por isso que o esforço para a educação, para a inovação pedagógica, para a formação intelectual e constituição de um ''capital social'' são os fatores chave do desenvolvimento de uma inteligência coletiva.