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Talvez o caso mais simples em que esse paradoxo surge seja o chamado paradoxo do mentiroso,

A proposição expressada por esta sentença é falsa.

A proposição diz dela mesma que ela é falsa. Suponha que ela seja verdadeira. Nesse caso, ela seria falsa, pois o que ela diz de si mesma é que ela é falsa. Isto é, se ela é verdadeira, então é falsa. Por outro lado, se ela for falsa, ela é verdadeira, pois ela diz de si mesma justamente que ela é falsa. Logo, se toda proposição é ou verdadeira ou falsa, segue-se que ela é simultaneamente verdadeira e falsa.

Poderíamos pensar, portanto, que seria possível evitar esse paradoxo em particular inferindo que a proposição em questão não é verdadeira nem falsa. Talvez seja o caso de que algumas proposições não são verdadeiras nem falsas. Por exemplo, pode- ríamos considerar que “o atual reitor de St. Andrews é um bom ciclista” não é nem verdadeira nem falsa, pois St. Andrews não tem mais reitores.

Mas essa saída não funciona com todos os paradoxos. Considere a proposição:

Esta proposição não é verdadeira.

Novamente, suponha que ela fosse verdadeira. Então, o que ela diz é o caso, isto é, ela não é verdadeira. Logo, se a proposição for verdadeira, ela não será verdadeira. Mas se supusermos que ela não é verdadeira, então ela deverá ser verdadeira, pois é isso o que a proposição diz. Logo, se a proposição não for

verdadeira, então ela será verdadeira. Mas certamente ela deve ser ou verdadeira ou não verdadeira e, portanto, ela deve ser simultaneamente verdadeira e não verdadeira.

Note que acima não usamos a lei da bivalência, segundo a qual toda proposição ou é verdadeira ou falsa. Mas usamos a lei do terceiro excluído, segundo a qual, ou uma dada proposição, ou sua contraditória, é verdadeira, isto é, que toda proposição ou é verdadeira ou não é verdadeira.

Existem várias maneiras de negar o terceiro excluído. Vamos explorar uma delas. Poderíamos concordar que toda sentença com significado expressa uma proposição que é verdadeira ou falsa. Mas, se uma sentença não tem significado, então ela de fato não tem significado e, portanto, não irá expressar uma proposição verdadeira, ainda que aparentemente as coisas sejam do modo que tal proposição diz que são. No nosso caso, parece que a sentença diz que a proposição que ela expressa não é verda- deira. Se a sentença não tem significado, então ela não expressa uma proposição verdadeira. Mas isso não nos autoriza a inferir, posto que ela diz que não expressa uma proposição verdadeira, que, no final das contas, ela expressa uma proposição verdadeira.

O que realmente precisamos para que essa seja uma solução convincente é um tratamento adequado da noção de significado em relação ao qual sejam claras as razões pelas quais a sentença “esta proposição não é verdadeira” não tem significado. Pois é certo que tal sentença parece ter significado – nós sabemos o que ela significa, a saber, que a proposição por ela expressada não é verdadeira. Além disso, se ela não tem significado, então certamente não pode expressar uma proposição verdadeira. Portanto, presumivelmente, podemos dizer que essa sentença não expressa uma proposição verdadeira. Por que não podemos usar a própria sentença para dizer que ela não expressa uma proposição verdadeira? Esse ponto é problemático e é algumas vezes denominado “o problema da revanche”. Sustenta-se que a proposição “esta proposição não é verdadeira” não é verdadeira, ainda que isso seja exatamente o que ela diz – o que há de errado

então? A resposta é a seguinte: a sentença que pretende dizer que tal proposição não é verdadeira é sem significado e, por isso, não expressa uma proposição verdadeira. Mas por quê? Qual seria o tratamento da noção de significado que irá, de modo convincente, mostrar que essa sentença não tem significado? Estamos diante de um argumento negativo: se a sentença tivesse significado, estaríamos diante de um paradoxo. Mas qual seria o tratamento positivo da noção de significado que explicaria o fato de tal sentença não ter significado?

Aqui temos mais um paradoxo (chamado mentiroso fortale- cido) que enfatiza esse ponto:

Esta sentença ou expressa uma proposição falsa ou não tem significado.

Se a proposição expressada fosse verdadeira, ou ela seria falsa, ou a sentença não teria significado; logo, ela não seria verda- deira. Portanto, ela não pode ser verdadeira. Se a proposição expressada fosse falsa, ela não seria falsa e teria significado; logo, ela seria verdadeira. Portanto, ela não pode ser falsa. Se a sentença não tivesse significado, aparentemente a proposição diria justamente isso, que ela é sem significado (ou expressa uma proposição falsa); logo, aparentemente seria verdadeira e, nesse caso, não seria uma sentença sem significado (pois uma sentença verdadeira tem significado). Portanto, aparen- temente, também não é uma sentença sem significado.

Qual seria o tratamento da noção de significado que pode- ria mostrar que essas sentenças paradoxais não têm significado – e por que – e produzir um tratamento geral e aceitável do significado de sentenças não paradoxais?

Uma ideia é que o que está presente em todos esses casos paradoxais é a autorreferência. Temos sentenças, ou viajantes, ou cretenses, que referem-se a si mesmos. Quando apresen- tamos a sentença “a proposição expressada por esta sentença é falsa”, somos instados a explicar de qual sentença se trata. Mas, quando fazemos isso, constatamos que a explicação é circular.

Começamos dizendo “...esta sentença...” e somos interrompi- dos pela pronta questão “que sentença?”; “...esta sentença...”, repetimos, e novamente somos questionados “que sentença?”, e assim por diante.

Esse tratamento da noção de significado desobedece à segunda condição que estabelecemos no fim do parágrafo anterior. Pois ela exclui sentenças não paradoxais aparentemente aceitáveis, ao considerá-las sentenças sem significado, mas não apresenta uma justificativa plausível para isso, além de ser possivelmente bem-sucedida em excluir as sentenças paradoxais. Mas isso não vai funcionar – pois é certo que Epimênides pode se referir a si mesmo, por exemplo, se ele quiser dizer o seu nome a alguém, ou dizer que está com fome e precisa comer alguma coisa. E até mesmo sentenças podem legitimamente se referir a si mesmas, por exemplo, o adesivo na traseira do carro que diz “se você pode ler isto, está próximo demais”.

Portanto, o problema não pode ser apenas a autorreferência. Antes, a causa dos paradoxos parece ser a combinação de autor- referência com falsidade, em que ser falso – ou algo análogo – é predicado da proposição expressada pela própria sentença, ou dizer que algo é verdadeiro ou falso é predicado do próprio falante, e assim por diante. Na verdade, será bastante difícil explicar o que é incluído na expressão acima “e assim por diante” de modo a garantir que estejam sendo incluídos todos os casos que levam a paradoxos. Temos um exemplo talvez inesperado. Considere o argumento:

1 = 1

Logo, este argumento é inválido.

(Esse é um argumento de uma premissa apenas, e a premissa é necessariamente verdadeira; a conclusão é que o próprio argumento é inválido.) O argumento acima é um paradoxo autorreferencial, embora não mencione verdade nem falsidade. Pois podemos argumentar: se o argumento é válido, então ele tem uma premissa verdadeira e uma conclusão falsa. Mas todos

os argumentos com premissas verdadeiras e conclusão falsa são inválidos (pois a validade garante justamente que se a premissa for verdadeira, a conclusão também será verdadeira). Logo, se o argumento for válido, ele será inválido. Portanto, ele deve ser inválido. Mas, ao mostrarmos que ele é inválido, nos baseamos no fato que “1 = 1” é verdadeira; isto é, deduzimos que ele é inválido a partir da afirmação que 1 = 1. Mas isso é justamente o que o argumento diz que pode ser feito. Logo, ele deve ser válido. Por conseguinte, o argumento é simultaneamente válido e inválido!

Dizemos que argumentos são válidos ou inválidos, assim como dizemos que proposições são verdadeiras ou falsas. Portanto, devemos ser cuidadosos ao afirmar ou negar a validade de argumentos autorreferenciais. E, sem dúvida, isso se aplica também a outros conceitos. Desse modo, para que esse caminho produza uma solução, nós precisamos caracterizar, em termos gerais, conceitos semânticos, conceitos relacionados às noções de verdade, significado, validade etc.

A maioria das sentenças não menciona verdade ou falsi- dade (ou validade, ou conceitos semânticos em geral). Vamos chamar tais sentenças de sentenças básicas. Outras sentenças predicam verdade ou falsidade (e outros conceitos) das propo- sições expressas pelas sentenças básicas; vamos chamar essas sentenças de “sentenças de nível 1”. Há ainda outras sentenças que predicam verdade ou falsidade das proposições expressas pelas sentenças do nível 1; vamos chamá-las de sentenças de nível 2 – e assim por diante, com sentenças em todos os níveis. Essa construção tem origem no trabalho de Alfred Tarski. Ele considerou que a cada nível corresponde uma determinada linguagem, de modo que o nível 1 é a metalinguagem do nível 0, o nível 2 é a metalinguagem do nível 1, e assim por diante. Chamamos isso de “hierarquia de Tarski”.

A restrição que evita o paradoxo é a seguinte: uma sentença pode predicar verdade ou falsidade apenas das proposições expressadas por sentenças do nível inferior a ela própria. As