• Nenhum resultado encontrado

REPENSANDO A LÓGICA Uma introdução à filosofia da lógica

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "REPENSANDO A LÓGICA Uma introdução à filosofia da lógica"

Copied!
335
0
0

Texto

(1)

REPENSANDO A LÓGICA

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor Jaime Arturo Ramírez

Vice-Reitora Sandra Regina Goulart Almeida

EDITORA UFMG

Diretor Wander Melo Miranda

Vice-Diretor Roberto Alexandre do Carmo Said

CONSELHO EDITORIAL

Wander Melo Miranda (presidente) Ana Maria Caetano de Faria Danielle Cardoso de Menezes Flavio de Lemos Carsalade Heloisa Maria Murgel Starling Márcio Gomes Soares

(3)

Stephen Read

REPENSANDO A LÓGICA

Uma introdução à filosofia da lógica

Abílio Rodrigues Filho

Tradução

Belo Horizonte

Editora UFMG

(4)

© Stephen Read 1995 © 2014, Editora UFMG

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor.

_________________________________________________________________________ R284t.Pr Read, Stephen.

Repensando a lógica: uma introdução à filosofia da lógica / Stephen Read ; tradução de Abílio Rodrigues Filho. – Belo Horizonte : Editora UFMG, 2014.

335 p.: il. – (Humanitas)

Tradução de: Thinking About Logic: An Introduction to the Philosophy of Logic.

Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-423-0044-4

1.Lógica – Filosofia. I. Rodrigues Filho, Abílio. II. Série. III. Título.

CDD: 160 CDU: 16

_________________________________________________________________________

Elaborada pela DITTI – Setor de Tratamento da Informação Biblioteca Universitária da UFMG

DIRETORA DA COLEçãO Heloisa Maria Murgel Starling COORDENAçãO EDITORIAL Michel Gannam

ASSISTêNCIA EDITORIAL Eliane Sousa e Euclídia Macedo DIREITOS AUTORAIS Maria Margareth de Lima e Renato Fernandes COORDENAçãO DE TExTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro PREPARAçãO DE TExTOS Camila Figueiredo

REVISãO TéCNICA André Porto

REVISãO DE PROVAS Alexandre Vasconcelos de Melo, Beatriz Trindade e Daniela França

PROJETO GRÁFICO Cássio Ribeiro, a partir de Glória Campos – Mangá COORDENAçãO DE PROJETO GRÁFICO Cássio Ribeiro

FORMATAçãO E MONTAGEM DE CAPA Gustavo Crepaldi IMAGEM DA CAPA

PRODUçãO GRÁFICA Warren Marilac

EDITORA UFMG

Av. Antônio Carlos, 6.627 - CAD II | Bloco III

(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, devo reconhecer uma dívida para com os meus colegas do Departamento de Lógica e Metafísica da Universidade de St. Andrews pelo apoio ao meu pedido de licença de pesquisa no pri-meiro semestre de 1992, quando a maior parte deste livro foi escrita. Em segundo lugar, com satisfação expresso meus agradecimentos a minha turma de Pós-graduação em Filosofia da Lógica do segundo semestre de 1993, que muito me ajudou a pensar sobre esses temas e a melhorar o modo pelo qual eles foram por mim tratados. Agra-decimentos especiais vão para Christina Altseimer, Darragh Byrne, Adrian Crofton, Michele Friend, Lars Gundersen, Anja Schwager e Allan Taggart.

Agradeço também a Paul Castell, Peter Clark, Roy Dyckhoff, Andre Fuhrmann, Bob Hale, Geoff Keene, Neil Leslie, David Miller, Mark Sainsbury, Dalbir Singh, John Skorupski e Crispin Wright, pelos comentários individuais sobre várias partes do livro.

(7)

SUMÁRIO

APRESENTAçãO 9

1. VERDADE, PURA E SIMPLES

A linguagem e o mundo 15 A teoria da verdade como correspondência 17

Reducionismo 27 Teorias da verdade 31 Teorias da verdade minimalistas 39 Resumo e sugestões para leituras 46

2. O PODER DA LóGICA

Consequência lógica 51

A concepção clássica 53 Compacidade 61

Conteúdo e forma 69

Relevância 75

Resumo e sugestões para leituras 83

3. O PODER DE UM SE

Teorias de condicionais 87

A tese conversacionalista 91

Probabilidade condicional 100

A abordagem por semelhança 110

Resumo e sugestões para leituras 122

4. O OLHAR INCRéDULO

Mundos possíveis 127

Platonismo modal 130

(8)

O necessário e o a priori 143

Resumo e sugestões para leituras 152

5. A BARBA DE PLATãO

Sobre o que há e o que não há 157

Descrições 160

Lógica livre 169

Sobrevalorações 176 Resumo e sugestões para leituras 184

6. BEM, ENTãO SEREI ENFORCADO!

Os paradoxos semânticos 191

A hierarquia da verdade 196

Contradições verdadeiras 204

Fechamento semântico 210

Resumo e sugestões para leituras 216

7. HOMENS CARECAS PARA SEMPRE

O paradoxo sorites 223

Vagueza 226

Análise do sorites 232

Lógica difusa 241

Tolerância 249

Resumo e sugestões para leituras 254

8. QUE RETA é ESSA AFINAL?

O desafio construtivista 259

O infinito 262

Intuicionismo 272

O argumento lógico 282

O argumento linguístico 291

Resumo e sugestões para leituras 297

REFERêNCIAS 305

GLOSSÁRIO 315

(9)

APRESENTAÇÃO

Este livro é uma introdução à filosofia da lógica. Frequen-temente vemos demarcada uma área da filosofia denominada filosofia da lógica e da linguagem. E de fato há íntimas cone-xões entre temas da lógica e de análise da linguagem. Mas esses temas são também bastante distintos. Na filosofia da lingua-gem o foco é nas noções de significado e referência, naquilo que denominamos conexões semânticas entre a linguagem e o mundo.

Por contraste, o tópico central da filosofia da lógica é o da inferência, isto é, da consequência lógica, ou do que se segue corretamente a partir de quê. Quais conclusões podem ser inferidas legitimamente de quais conjuntos de premissas? Uma resposta a essa questão lança mão da noção de preservação da verdade: argumentos válidos são aqueles nos quais a verdade é preservada, argumentos nos quais a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. Uma vez que a verdade, com razão, pode ser considerada o terceiro elemento de uma tríade de noções intimamente relacionadas que inclui significado, referência e verdade, a conexão com a filosofia da linguagem é imediatamente assegurada.

(10)

significado, a quem ou a que uma expressão se refere, envolve um esclarecimento linguístico. Diferentemente, a verdade distingue--se e se separa da linguagem e direciona nossa atenção para o mundo. Verdade requer que o que é dito esteja de acordo com a realidade, segundo a famosa frase, que as coisas sejam como é dito que elas são.

Talvez seja artificial fazer essa separação entre como as coisas são, as questões da verdade e da inferência, de um lado, e o que é dito delas, linguagem, significado e referência, de outro. De fato, o tema a ser discutido no capítulo final deste livro é que a concepção do mundo como uma realidade distinta e inde-pendente, e talvez para sempre além de nosso conhecimento e compreensão, é simplesmente incoerente. Mas muito do que é dito na filosofia da lógica parte do pressuposto realista segundo o qual a verdade delimita como as coisas são, independentemente de nossa capacidade de identificá-las, e assim vamos supor em boa parte deste livro.

Existem muitos livros de filosofia da linguagem, com várias excelentes introduções. Há um número bem menor de livros de filosofia da lógica. Uma razão é uma atitude amplamente difundida em relação à lógica, mas lamentável, de uma reverência e veneração acríticas. Isso é baseado em uma crença equivocada de que, uma vez que a lógica lida com necessidades, com a maneira que as coisas devem ser, com aquilo que se segue inde-pendentemente do que possa acontecer, assim, seus princípios básicos não podem ser questionados, e as noções de consequência, verdade lógica e inferência correta não podem ser filosoficamente examinadas e discutidas. O ensino de lógica em departamentos de filosofia pelo mundo afora exibe essa esquizofrenia, na qual a abordagem dogmática da lógica convive desconfortavelmente com a postura permanentemente crítica que é encorajada e exigida na filosofia.

(11)

alegações de alguém de fato são consequências de tais afirmações, independentemente de nós reconhecermos isso ou não. Mas os princípios que nós formulamos, e por meio dos quais nós tenta-mos demarcar tais consequências, podem ser tão equivocados quanto a mais contingente e incerta afirmação empírica. Os lógicos não têm nenhum acesso privilegiado aos fundamentos de seu ofício, que fosse de algum modo negado aos praticantes mais modestos da ciência, história ou psicologia.

Será com essas questões sobre a verdade e a inferência correta que iremos nos ocupar neste livro. E veremos que os paradoxos serão centrais para o tratamento dessas questões. Os paradoxos são o encantamento dos filósofos, seu fetiche. Eles os fascinam, assim como a luz fascina a mariposa. Mas, ao mesmo tempo, eles não podem ser tolerados, e todo o esforço possível deve ser empregado para removê-los. O filósofo é o feiticeiro cuja tarefa é nos salvar e nos livrar do demônio maligno.

Paradoxos podem surgir em muitos lugares, mas aqui vamos nos concentrar em dois em particular, um grupo caracterizado por questões semânticas, e outro por uma imprecisão inerente a certos conceitos. Em ambos os casos o quebra-cabeças surge porque pressupostos simples e naturais, que parecem ser claros e razoáveis, levam rapidamente a contradições, confusões e difi-culdades. Há algo de terrível e fascinante em sua transparência, há um certo prazer em examinar sua variedade e rica diversidade de exemplos.

(12)

Começamos, portanto, pelo cerne da filosofia da lógica, com o conceito de verdade, examinando os princípios básicos, aparen-temente convincentes, acerca do modo pelo qual a linguagem se adéqua ao mundo. Mas eu evito fazer um inventário das posições defendidas pelos bons e grandes da filosofia. Isso seria muito desinteressante e talvez realmente pouco instrutivo. Antes, tento tecer uma narrativa, mostrar como surgem concepções naturais, como elas podem ser articuladas e de que modo elas podem fracassar. Eu espero que os próprios quebra-cabeças aticem a imaginação dos leitores e que estes se aventurem a prosseguir em leituras mais detalhadas, que são indicadas nos resumos de cada capítulo. A ideia é pintar um quadro contínuo de uma rede de ideias, tratadas individualmente e em suas relações recíprocas, de maneira independentedos detalhes históricos ou técnicos.

Esta narrativa crítica e filosófica vai de pensamentos naturais acerca da verdade e da inferência até quebra-cabeças acerca da linguagem, do mundo e da relação entre os dois. Falamos naturalmente sobre como as coisas devem ser caso certos pressupostos sejam verdadeiros. Assim, considerações sobre consequência lógica nos levam naturalmente ao exame do que os lógicos chamam de condicionais – enunciados do tipo “se… então”. Condicionais falam sobre possibilidades, e mundos possíveis parecem dar substância a esse tipo de discurso. Mas como as coisas de fato são, e como elas poderiam ser, são ques-tões ontológicas – quesques-tões acerca do que há – que produzem verdadeiros quebra-cabeças. Poderia eu lhe prometer um cavalo sem prometer qualquer cavalo específico? Posso procurar por unicórnios mesmo se não existe unicórnio algum – ou mesmo falar significativamente acerca do que não existe?

(13)

compreenda as razões, e até mesmo tenha uma ideia geral dos detalhes, por detrás dessas técnicas formais. Nenhuma delas, no entanto, é pressuposta, e o fio condutor serão as motivações filosóficas, os pressupostos e as consequências dessas ideias centrais. Há muitos detalhes técnicos esotéricos em lógica. Mas o foco aqui recairá sobre as questões da lógica que dão origem a problemas filosóficos acessíveis e estimulantes.

(14)
(15)

1

VERDADE, PURA E SIMPLES

A linguagem e o mundo

O que é a verdade? Essa questão pode ser vista como um dos mais típicos problemas filosóficos. Usamos o conceito frequen-temente e sem maiores questionamentos – perguntamos “Isso é verdade?”, anunciamos “Isso é verdade!”, juramos contar a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade. Por vezes, a verdade é fugidia – achamos difícil encontrar o que é realmente a verdade por trás das aparências, ela pode estar deliberadamente escondida ou obscura ou estar simplesmente além de nossas capacidades de investigação. Políticos podem tentar esconder a verdade, cientistas têm como finalidade descobrir a verdade por detrás dos fenômenos, historiadores se debruçam sobre remanescentes históricos e manuscritos para estabelecer o que foi verdade acerca de Júlio César ou de Napoleão.

(16)

mente? Normalmente não temos dificuldade alguma em aplicar conceitos como tempo, conhecimento, mente – podemos olhar o relógio para ver as horas, sabemos quando o próximo trem irá partir, temos em mente que temos de recuperar nossa mala depois da viagem. Mas, quando somos desafiados a explicar o que é o tempo propriamente dito, ou o conhecimento, ou a mente, ou a verdade, vacilamos. Como disse Agostinho acerca do tempo, “eu sei muito bem o que é, desde que ninguém me pergunte. Mas se me perguntam e eu tento explicar, me descon-certo” (Confissões, 11.14).

é preciso resistir à tentação de correr para o dicionário. Há termos técnicos, mesmo em filosofia, em que o dicionário é necessário. Palavras como “isóbaro”, “arcano”, “dualismo” podem ser explicadas com sucesso ao iniciante. Mas os problemas típicos da filosofia são diferentes. Sabemos perfeitamente bem o que é a verdade, o conhecimento, o tempo – até um determinado ponto. Mas como explicar isso?

(17)

Há muitos quebra-cabeças sobre a verdade. Veremos o famoso paradoxo do mentiroso (você acreditaria em mim se eu lhe dissesse que sempre minto?) num capítulo mais adiante. Outro, e talvez o mais provocador de todos, é a afirmação cética ou relativista de que não há algo como uma verdade absoluta – toda verdade é relativa àquele que a julga. A água parece quente para mim, fria para você, mas não há uma questão de fato sobre se ela está realmente quente ou fria. A mesa parece sólida, mas o físico nos diz que ela é, em sua maior parte, espaço vazio – há alguma questão de fato sobre isso? Talvez não exista uma verdade absoluta, mas sim apenas o que é verdadeiro para mim, verdadeiro para você, e assim por diante.

Como Platão nos mostrou, no diálogo Teeteto (170e-171c), o relativismo global é autorrefutante. Ele é vulnerável à objeção

ad hominem deque, segundo seus próprios princípios, ao rejeitá--lo, eu torno essa recusa correta. O relativista tem de conceder que para mim o relativismo é falso, e eu, falando como um não relativista, digo que o relativismo é falso. Verdade não é relativa, mas absoluta. Cada um de nós tem suas percepções, extrai juízos nelas baseados, vê o mundo segundo sua própria perspectiva. Mas o mundo é distinto de todos esses diferentes pontos de vista. A verdade é objetiva. O mundo é um mundo de fatos que tornam nossos juízos objetivamente verdadeiros ou falsos. Pelo menos, isso é um ideal que nossos juízos procuram espelhar.

A TEORIA DA VERDADE COMO

CORRESPONDêNCIA

(18)

de correspondência com um fato. (Alguém se torna tio quando tem um sobrinho ou uma sobrinha.) Um pensamento ou uma proposição é verdadeiro(a) nesses casos e somente nesses casos em que efetivamente há o fato correspondente. (Um homem é um tio nos casos – e somente naqueles – em que há um sobrinho ou sobrinha que lhe corresponda.)

A resposta a uma questão imediatamente produz outras questões. Aqui somos levados às seguintes questões ulteriores: o que é um fato? O que é a relação de correspondência? Por mais que essas questões sejam urgentes, há outra ainda mais – o que é isso que dizemos ser verdadeiro ou falso? Dissemos aqui “um pensamento ou uma proposição” – mas são pensamentos, proposições, sentenças (cadeias de símbolos), crenças, ou o quê, que devemos dizer que correspondem aos fatos, quando esses são verdadeiros?

é claro que podem ser vários desses (“portadores de verdade”), e outros mais. Por exemplo, se são as proposições que são verdadeiras (ou falsas) e as coisas nas quais acreditamos também forem proposições, então, de modo derivado, crenças são verdadeiras quando forem crenças em proposições verda-deiras, e falsas quando forem crenças em proposições falsas. O mesmo vale para pensamentos, se o objeto de um pensamento for uma proposição. Mas o que é exatamente uma proposição – especificamente, ela seria o mesmo que uma sentença?

(19)

americano”, ele estava sem dúvida falando a verdade, mas se Khruschev tivesse dito a mesma sentença, isso teria sido falso. Não resolveria nada dizer que sentenças, como outros objetos, de tempos em tempos podem mudar do verdadeiro para o falso, e de volta para o verdadeiro – Kennedy foi em um momento senador, em outro, presidente; logo não poderia a sentença “Kennedy é presidente” ser a um tempo verdadeira e em outro, falsa? No entanto, Kennedy e Khruschev poderiam ter proferido “Eu sou um americano” simultaneamente, um dizendo a verdade, o outro, uma falsidade. Antes de dizer que a sentença é verdadeira para um deles e falsa para o outro, ou que a verdade é relativa – pois essa alternativa falha ao não levar em conta que o que era falso de Khruschev o era para todos nós –, devemos focar naquilo que há de diferente no que é dito por cada um deles, num caso uma verdade, e no outro, uma falsidade. Kennedy disse que ele, Kennedy, era americano, e isso era verdade. Khruschev, se tivesse proferido aquelas palavras, teria dito que ele, Khruschev, era americano, o que teria sido falso. Filósofos usam o termo “proposição” para identificar exatamente as diferentes coisas que Kennedy e Khruschev teriam dito. Uma mesma sentença pode ser usada para expressar duas proposições distintas, para dizer duas coisas diferentes. Inversamente, sentenças distintas podem ser usadas para dizer uma mesma coisa. Por exemplo, “está chovendo” e “it is raining”, ou “Kennedy é presidente”, dita em 1963, e “Kennedy é presidente em 1963”, proferida depois daquela data.

(20)

coisa alguma uma vez que não há um presidente da Inglaterra. Foram os filósofos que introduziram a ideia de proposição. A função de uma proposição é constituir um objeto a partir da ideia daquilo que foi dito ou expresso pelo proferimento de um certo tipo de sentença, a saber, uma sentença no modo indicativo, com sentido, e cujo aparato referencial não falhe. Desse modo, uma proposição pode se tornar o objeto de um pensamento e de uma crença, um fator comum entre diferentes pessoas e idiomas distintos.

Outros filósofos recusam esse processo de abstração, que produz um objeto abstrato, a proposição, correspondendo a diferentes sentenças. Mas essa objeção é equivocada. Mesmo se lidarmos com sentenças, estaremos abstraindo dos vários profe-rimentos diferentes, mas similares, que os falantes produzem do que chamamos de mesma sentença-tipo. Na terminologia criada pelo lógico americano C. S. Peirce no final do século 19, os eventos físicos de sonorização ou escrita de uma sentença são chamados espécimes distintos de uma mesma sentença-tipo.1 A

mesma distinção entre tipos e espécimes pode ser feita no caso de palavras, ações, sonhos e assim por diante. Peirce dizia que o tipo “não existe”; certamente o tipo não é uma entidade concreta, como um espécime. Mas existem palavras-tipo, sentenças-tipo, e existem proposições comuns a todos os proferimentos (sejam da mesma sentença-tipo ou não) que dizem a mesma coisa. Certamente precisamos esclarecer a relação de equivalência (dizer o mesmo que) sobre a qual abstraímos. Mas essa tarefa também é necessária mesmo para as sentenças-tipo, ao articular o que é comum a diferentes proferimentos (por, digamos, um carioca, um paraibano e um mineiro) da mesma sentença. A familiari-dade nos faz desconsiderar as dificulfamiliari-dades teóricas; elas não são maiores no caso de proposições.

(21)

sendo então a sentença-tipo e a proposição correspondentes verdadeiras em um sentido derivado, quando todas as sentenças--espécime têm o mesmo valor. Mas isso ignora uma importante característica unificadora que a noção de proposição traz à tona, a saber, que todas as sentenças-espécime têm o mesmo valor justamente porque expressam a mesma proposição. é claro que podemos não ser capazes de dizer se uma dada proposição é verdadeira ou falsa, por exemplo, “Oswaldo matou Kennedy” ou “todo número par maior que dois é igual à soma de dois primos”. Não obstante, em cada um desses casos, uma proposi-ção foi claramente expressada, algo que pode ser avaliado como sendo verdadeiro ou falso.

Iremos, portanto, considerar que proposições são os portado-res-de-verdade. Mas precisamos retornar agora a outras questões: o que é isso que dá à proposição o valor de verdade que ela tem? O que são fatos e o que é a relação de correspondência entre proposições verdadeiras e fatos?

O que irei descrever é um paradigma para a teoria da correspondência. Quando estiver claro o que é a teoria assim, suas variantes poderão ser consideradas, e poderemos pergun-tar também em que medida elas expressam a ideia central de verdade como correspondência. Mas iremos começar pela teoria da correspondência em sua forma mais simples, limpa e pura. A teoria da correspondência é uma teoria realista em dois aspectos – ontológico e epistemológico, isto é, tanto em suas implicações existenciais como em suas consequências para o conhecimento. Segundo essa visão, o mundo é constituído por fatos, fatos que existem independentemente de sabermos ou não da sua existência.

(22)

ação e a percepção humanas – seria um filósofo dualista. Outro poderia negar a existência separada de mentes e fornecer uma explicação da ação e da percepção como operações complexas apenas da matéria física. Um terceiro poderia negar a existên-cia da própria matéria, sugerindo que podemos dar conta da nossa experiência sem ela, simplesmente como experiências das mentes. Essas duas últimas teorias são monistas, pois afirmam a existência de apenas um tipo de coisa, no primeiro caso, uma teoria fisicalista, no segundo, idealista. Trata-se de uma questão ontológica, a saber, que tipos de coisas existem.

A teoria da verdade como correspondência afirma que deve existir mais do que isso – seja mente e/ou matéria. Além de mentes e/ou corpos individuais, devem existir fatos, fatos acerca dessas mentes e/ou corpos. Além das mentes e corpos, deve haver fatos acerca deles. é a existência de fatos que torna verdadeiras as proposições verdadeiras. Essa é uma alegação ontológica realista.

(23)

correspondente, da existência de um certo tipo de objeto. Mas, ou esse fato existe ou não existe. Assim, ou a proposição é verdadeira ou ela é falsa. A ordem de explicação é a seguinte: é natural pensar que ou um objeto existe, ou não – é isso que a referência a um fato correspondente fornece à teoria da corres-pondência. Desse modo, conectando a condição de verdade de uma proposição a um objeto correspondente – o fato –, somos naturalmente levados à bivalência – ou a proposição é verda-deira (pois existe um fato correspondente) ou é falsa (pois não existe tal objeto). Logo, toda proposição ou é verdadeira ou é falsa, independentemente de nossa capacidade de descobrir seu valor de verdade. Sua verdade depende simplesmente da questão se existe um tal objeto, o fato correspondente. Dessa forma, a teoria da verdade como correspondência nos leva a um realismo epistemológico.

O realismo epistemológico da teoria da correspondência, portanto, consiste em seu compromisso com o princípio conhe-cido como lei da bivalência: toda proposição é verdadeira ou falsa. Toda proposição – isto é, o que é expresso por uma sentença significativa, proferida nas circunstâncias apropriadas – ou bem tem um fato correspondente, o que a torna verdadeira, ou bem não tem um tal fato correspondente, e é então falsa. Ao tornar a verdade uma questão da existência de um certo tipo de objeto, a teoria se compromete com a possibilidade de que propo-sições sejam verdadeiras ou falsas, mas que talvez não tenhamos como determinar quais são verdadeiras e quais são falsas. O acaso poderia ter deixado claro que Oswald matou Kennedy, mas as circunstâncias tornaram isso obscuro. Entretanto, ou bem ele matou, ou bem ele não matou Kennedy – a proposição é ou verdadeira ou falsa. (Vamos deixar de lado as objeções a esse aspecto do realismo sobre a verdade para o Capítulo 8.)

(24)

A relação de correspondência é o calcanhar de aquiles da teoria da correspondência. Ou a relação é tornada substancial e interessante, e nesse caso parece implausível que ela ocorra, ou a relação é tornada trivial e automática, e nesse caso a teoria como que se evapora no ar. G. E. Moore, um dos principais proponentes da teoria, candidamente apresentava as dificuldades enfrentadas por ele:

a dificuldade [é] definir essa relação [que cada crença verdadeira tem com um e apenas um fato]. Bem, admito que não posso defini-la, no sentido de analisá-la completamente… Mas… daí não se segue que não possamos saber perfeitamente bem o que é essa relação (Some Main Problems of Philosophy,p. 267, grifo do autor).

O sinal de alarme deveria soar aqui. Se é tão óbvio que a relação deve ocorrer, mas ainda assim é impossível decrevê-la, talvez ela tenha sido inventada pela imaginação do filósofo. Vamos comparar dois tratamentos da relação de correspondência, a fim de tornar mais claro o dilema que se nos apresenta: em primeiro lugar, o tratamento de proposições e fatos de Bertrand Russell, no qual essa distinção ameaça desaparecer; em segundo lugar, o tratamento de Wittgenstein, cujo realismo imoderado beira o inaceitável.

Wittgenstein chegou em Cambridge para estudar com Russell em 1911. As ideias de ambos se desenvolveram em paralelo, mas a partir de 1913 eles não se encontraram, e durante a Grande Guerra mal trocaram correspondências. De início, o realismo de Russell foi sempre temperado pela epistemologia; o de Wittgenstein, não – para ele, era a estrutura analítica correta que importava, independentemente do quanto fosse psicologi-camente implausível.

(25)

era descrita. Até onde nos interessa aqui, a estrutura das propo-sições revelaria a estrutura do fato correspondente. Para ambos, a ideia era a de que proposições complexas deveriam ser anali-sadas em – e desse modo reduzidas a – proposições elementares ou atômicas. Mas então, como são essas proposições atômicas? Para Russell, elas consistiam em um ou mais particulares e um universal, por exemplo, a proposição expressada pela sentença “Kennedy é presidente” contém dois objetos: Kennedy, uma pessoa particular, e “ser presidente”, isto é, o atributo comum a todas as coisas que são presidentes (Einsenhower, Reagan etc.). A proposição deve ser distinguida da sentença, pois, por exem-plo, “Kennedy é presidente” e “JFK é presidente” expressam a mesma proposição, assim o que é comum a todas as sentenças que expressam a mesma proposição é a referência aos mesmos particulares. Dessa forma, dizia Russell, os próprios particulares devem estar presentes na proposição, e o mesmo universal é a eles atribuído.

Se a proposição consiste dos próprios particulares e univer-sais, o que então é o fato? Para Russell, ele era algo distinto da proposição. Para início de conversa, há proposições falsas, mas não há “fatos falsos”. Fatos são como as coisas efetivamente são. Assim, a cada fato correspondem várias proposições, aquela que ele torna verdadeira e todas as que ele torna falsas. Mas, aqui, podemos ficar incomodados com o problema de como exata-mente distinguir fato de proposição. Não há problema algum em conectá-los – a proposição contém os mesmos objetos que constituem o fato, o que explica a relação de correspondência. Mas o preço dessa explicação é corroer a distinção linguagem/ mundo.

(26)

coisas, modos pelos quais os objetos, os mesmos em todos os mundos possíveis, são arranjados. O mundo real consiste daque-les estados de coisas que existem, isto é, os fatos. Proposições elementares adquirem significado pela associação com – por corresponder a – estados de coisas particulares. A parte visível (ou audível) de uma proposição é uma sentença, uma sequência de signos. Esses signos se tornam símbolos por um ato arbitrário de correlacioná-los com objetos. Fatos acerca desses símbolos logram assim, por convenção, asserir certos estados de coisas sobre os objetos envolvidos. Assim, no cerne da teoria da verdade como correspondência de Wittgenstein está uma teoria figura-tiva do significado. Proposições elementares são fatos acerca de nomes e, desse modo, são figurações (ou asserções) sobre estados de coisas atômicos, isto é, certas combinações de objetos. Em geral, proposições (por meio da conexão básica entre proposições elementares e fatos atômicos) são figurações de supostos fatos, ou estados de coisas.

A ideia, portanto, é usar a teoria do significado como uma ponte sobre a lacuna entre a linguagem e o mundo, e correla-cionar cada proposição com o estado de coisas correspondente, sendo que essa correlação constitui o significado, ou sentido, da proposição. As proposições verdadeiras são então simplesmente aquelas proposições que são figurações de estados de coisas que efetivamente existem, isto é, fatos. Proposições verdadeiras correspondem aos fatos.

A teoria figurativa de Wittgenstein é sem dúvida alguma a mais estruturada e articulada dentre todas as versões da teoria da correspondência – ou, pelo menos, antecipando discussões posteriores, dentre as versões nas quais proposições verdadeiras correspondam diretamente a fatos. Contudo, há dúvidas que podem ser levantadas sobre ela. Vamos nos concentrar em três.

(27)

seu tratamento da verdade é incompatível com condições plau-síveis impostas pela teoria do significado. Vimos que a aceitação do realismo da teoria da correspondência nos compromete com a lei da bivalência e, por conseguinte, a aceitar que podem existir proposições acerca das quais nós não podemos, em princípio, dizer se são verdadeiras ou falsas. Na terminologia usual, essas são proposições de verificação-transcendente – sua verdade (ou falsidade) transcende nossa capacidade de verificação. A questão que precisaremos enfrentar mais tarde neste livro é como tais proposições podem ser compreendidas. Pois uma proposição é o que é expressado por uma sentença significativa (proferida em condições apropriadas), e o que é significativo é o que pode ser compreendido. A objeção que será apresentada é a seguinte: fornecer um tratamento do significado e da compreensão que inclua as proposições de verificação-transcendente. O realismo ainda não respondeu a essa objeção.

Essa objeção pode esperar. No restante deste capítulo quero desenvolver a segunda e terceira dúvidas e elaborar a partir delas tratamentos alternativos da verdade.

REDUCIONISMO

(28)

B verdadeiras. Similarmente com disjunções, se uma de duas proposições A e B é verdadeira, então a proposição disjuntiva “A

ou B” é verdadeira. Mas o que torna “A ou B” verdadeira não é algum outro estranho fato disjuntivo, mas sim o mesmo fato que torna um dos disjuntos (as proposições constitutivas da proposi-ção disjuntiva) verdadeiro. Pensar de outra forma, para Russell, seria transgredir a navalha de Occam, um aclamado princípio metodológico em metafísica que, se não puder ser atribuído ao próprio Guilherme de Occam (ou Ockam, um famoso pensador do século 14), remonta pelo menos ao seu tempo. O princípio diz: não postule mais tipos de coisas em uma explicação do que for absolutamente necessário. No nosso caso, podemos explicar, dentro da teoria da correspondência, por que uma proposição conjuntiva é verdadeira sem postular um terceiro fato adicional aos dois fatos separados que tornam os conjuntos (as proposições constitutivas da proposição conjuntiva) verdadeiros.

Além disso, há outra consideração que nos impede de admi-tir fatos conjuntivos e disjuntivos. Suponha que houvesse fatos conjuntivos e considere duas proposições verdadeiras A e B. Então, além dos dois fatos separados que tornem A e B

(29)

O melhor caminho seria afirmar que o quarto fato é desne-cessário, pois o terceiro fato seria simplesmente a “conjunção” dos dois primeiros. Talvez por “conjunção” queremos dizer aqui que o terceiro fato tem os dois primeiros como partes (isso é uma metáfora, por isso a palavra aparece entre aspas, pois uma conjunção é na verdade um objeto linguístico, mas a noção de conjunção aqui parece ter passado do lado da linguagem para o lado do mundo, na relação de correspondência entre linguagem e mundo). Mas agora nós vemos que o terceiro fato é desneces-sário também. Nós não precisamos construir uma estrutura dos fatos em correlação com a estrutura das proposições. Podemos simplesmente explicar a verdade da conjunção “A e B” como um resultado da verdade de A e de B, isto é, reduzi-la à verdade de cada conjunto. Assim, nenhuma explicação adicional é necessária além da explicação da verdade das proposições A e B, ou seja, que cada uma corresponde a um fato.

O sonho dos atomistas lógicos, Russell e Wittgenstein, era o de que a verdade de cada proposição pudesse ser reduzida desse modo à verdade de proposições atômicas ou elementares. A correspondência entre proposições verdadeiras e fatos (ou entre proposições e estados de coisas, existentes ou não) funcionava em dois estágios: primeiro, a verdade das proposições complexas era reduzida à verdade das proposições elementares; depois, a correspondência entre proposições elementares e estados de coisas era traçada do modo que descrevemos. Foi a constatação de que a redução ao nível atômico não funcionaria que levou Wittgenstein a abandonar o atomismo lógico (e a teoria da correspondência e o realismo).

(30)

Kennedy” e “Oswald sabia que Kennedy estava em Dallas”. Considere as do primeiro tipo, proposições negativas. Uma redu-ção óbvia seria explicar a verdade de uma proposiredu-ção negativa como “Ruby não matou Kennedy” como resultado da verdade de outra proposição incompatível com “Ruby matou Kennedy”. Suponha que Oswald realmente matou Kennedy. Então esse fato tornaria “Oswald matou Kennedy” verdadeira e, supondo que estamos falando de um único assassino, essa proposição é incompatível com “Ruby matou Kennedy”. Logo, “Ruby matou Kennedy” seria falsa, e “Ruby não matou Kennedy” seria verdadeira.

A objeção de Russell a essa explicação é a de que nela há a ameaça de um regresso vicioso. Vamos escrever “não-A”para a proposição negativa “Ruby não matou Kennedy”. A forma da explicação é de que “não-A” é verdadeira se existir uma propo-sição verdadeira B, incompatível com A. Mas “B é incompatível com A” é uma proposição negativa. Para explicar sua verdade nós precisaríamos de uma terceira proposição C incompatível com “B é compatível com A” e assim por diante, de modo que a verdade de “não-A” nunca receberia uma explicação completa.

Essa é uma objeção estranha. Pois o mesmo argumento poderia ser utilizado com a mesma força no que diz respeito a conjunções. Lembre-se que nosso tratamento da verdade de “A e B” foi que tal proposição é verdadeira se A é verdadeira e

B é verdadeira. Aqui, a condição de verdade “A é verdadeira e

(31)

Com efeito, parece que estamos a um passo de nos envolver em um dilema. Apelar a fatos negativos e conjuntivos para explicar a verdade de proposições desses tipos não será bem-sucedido como uma explicação plena, pois nós iremos então precisar de um tratamento da relação entre tais fatos e os fatos ou a ausência de fatos que correspondem aos seus componentes. Por outro lado, apelar a condições de verdade que reduzam a verdade de tais proposições à verdade de suas proposições componentes não será bem-sucedido como uma explicação plena até que nós tenhamos um tratamento do que torna verdadeira a proposição de mesmo tipo que expressa suas condições de verdade.

Será útil aqui retornar um passo, deixando para trás os detalhes confusos da teoria da correspondência e tentar pensar de modo mais geral acerca do nosso objetivo de fornecer um tratamento filosófico da natureza da verdade. é nesse ponto que aparecerá a terceira dúvida sobre a teoria da correspondência.

TEORIAS DA VERDADE

Nossa questão original era: qual é a diferença entre propo-sições verdadeiras e falsas? Fomos levados, pela ideia de que para saber se uma proposição é verdadeira deveríamos olhar para os fatos, a propor uma teoria geral segundo a qual proposições verdadeiras correspondem a fatos, enquanto que as falsas, não. Mas talvez uma metáfora nos tenha fascinado e enganado. Com efeito, parece agora que um erro filosófico muito comum foi cometido.

(32)

representa a totalidade da espécie. Assim, nos surprendemos falando como se existisse, além de cada baleia particular, uma baleia genérica cujas propriedades são aquelas essenciais a todas as baleias, uma baleia que representasse a natureza das baleias. Poderíamos dizer que isso é a espécie baleia. A rigor, a espécie está espalhada por milênios pelos oceanos do mundo. Portanto, a espécie baleia não é em si mesma, literalmente, uma baleia. Mas falar que o cavalo é um quadrúpede, que o dinossauro dodó está extinto, que o rato é um animal noturno, nos leva naturalmente, por uma figura de linguagem, a entender essas sentenças como a predicação de uma propriedade a algum indivíduo genérico.

Gylbert Ryle, na sua resenha do livro de Carnap Meaning and Necessity, chamou de Princípio “Fido”-Fido a um erro similar em teoria do significado. Posto que o nome “Fido” adquire seu significado por meio da referência a um indivíduo singular, Fido, e o mesmo ocorre a um grande número de palavras, é tentador supor que outras palavras funcionem da mesma forma. Russell caiu nessa armadilha em seu tratamento dos universais: nós já mencionamos seu tratamento das proposições atômicas como sendo constituídas por um grupo de indivíduos e um universal. Considere a sentença “Fido é um cachorro”. “Fido” se refere a um indivíduo. A que palavra “cachorro” se refere? Com certeza, a muitos indivíduos – todos os cachorros. Mas segundo a teoria “Fido”-Fido, a palavra “cachorro” deveria adquirir seu signifi-cado por estar correlacionada a uma única coisa – a propriedade de “ser um cachorro”, ou o universal cachorro. Fido é um parti-cular; a propriedade de ser um cachorro é um universal, comum a muitas coisas, e pode ser predicada a todos os cachorros. As proposições de Russell foram por ele concebidas como sendo o significado das sentenças. Portanto, segundo Russell, elas devem conter essas entidades genéricas, os universais.

(33)

existiriam fatos específicos correspondendo, um para um, a cada proposição verdadeira? A palavra “fato” em uma sentença como “é um fato que Kennedy foi assassinado” é vista como adquirindo seu significado por meio da referência a um fato, algum correlato real da proposição “Kennedy foi assassinado”. Talvez a teoria da verdade como correspondência também caia no mesmo erro do Princípio “Fido”-Fido.

Vamos considerar, de modo geral, o que estamos fazendo quando dizemos que uma proposição é verdadeira, e o que esta-mos perguntando quando nos deparaesta-mos com a pergunta sobre o que é a verdade. Essas são questões semânticas, questões que têm a ver com a relação entre a linguagem e o mundo. Em geral, a semântica é concebida de modo a abarcar pelo menos três aspec-tos: verdade, significado e referência. Referência, está claro, é a relação entre uma palavra ou frase e algum objeto no mundo. Um caso paradigmático de referência, por exemplo, é o uso de uma frase demonstrativa como “aquele pepino” ou um nome próprio como “Kennedy”. Uma tal frase é usada para se referir a um pepino específico, ou uma pessoa específica. Já pensar, como fazem alguns filósofos, que outros tipos de palavras se referem a outros tipos de coisas é mais duvidoso. Mencionamos que Russell, por exemplo, acreditava que predicados, verbos e adjetivos se referem a universais, de modo que “é presidente” se refere à propriedade de ser presidente, e “corre” àquilo que é comum a todas as coisas que correm. Outros filósofos negam que a noção de referência tenha qualquer aplicação a essas partes do discurso.

(34)

e referência. Algumas, apesar de distinguirem significado e referência, continuam a pensar no significado como um objeto correlacionado à sentença, seja um objeto mental, uma ideia na mente, ou algum objeto abstrato, algo imaterial e não físico, ainda que distinto da mente individual e da consciência. é algo que nós podemos pensar sobre, e desse modo tem alguma existência objetiva e independente do mental. Outros filósofos negam que o significado seja qualquer forma de correlação de uma sentença com um objeto. é, antes, uma propriedade da sentença – que a sentença é significativa.

Em terceiro lugar, há a noção semântica de verdade, nova-mente, uma propriedade de uma expressão, dessa vez uma sentença em sua relação com o mundo. Alguns filósofos entendem essa relação segundo o modelo da referência, de modo que (para Gottlob Frege) sentenças verdadeiras se referem ao Verdadeiro, falsas se referem ao Falso. Esses objetos, o Verdadeiro e o Falso, são os valores de verdade. Russell, mesmo sem aceitar o esquema tão simplificado de Frege, foi seduzido pela ideia de que a relação de correspondência era uma relação de referência. Mas, sendo assim, para Russell proposições verdadeiras se referiam a fatos: a proposição que Kennedy era presidente se referiria ao fato de que Kennedy era presidente. Mas nesse caso, o que seria a referência de proposições falsas? Não convencido pela sugestão de que suas referências seriam estados de coisas não existentes, Russell abandonou a referência como modelo e tentou fornecer um outro tratamento da relação de correspondência.

Vimos alguns dos problemas envolvidos na tentativa de elaborar uma teoria da verdade como correspondência. Nossa tarefa agora é estabelecer um quadro conceitual para a elabora-ção de uma teoria semântica, em particular, para a elaboraelabora-ção de uma teoria da verdade. Lembre-se do problema que tínha-mos: a condição de verdade de uma proposição negativa da forma “não-A” é, ela própria, negativa – “não-A” é verdadeira se A não é verdadeira; e para um enunciado conjuntivo da forma

(35)

verdadeira se A é verdadeira e B é verdadeira. Há um regresso vicioso ou mesmo uma circularidade aqui? Será que já estamos pressupondo o que tentamos explicar – estamos pressupondo uma compreensão de proposições negativas ao fornecer uma explicação de proposições negativas, e o mesmo para conjunções, disjunções, e assim por diante? Precisamos lançar mão de fatos negativos, fatos conjuntivos etc. para tratar a verdade de proposi-ções negativas e conjuntivas? Quando dizemos, por exemplo, que “não-A” é verdadeira se e somente se A não for verdadeira, isso é uma explicação adequada ou precisamos substituir a “condição de verdade” “A não é verdadeira” por alguma referência a um fato negativo, como “é um fato que não-A”?

Será útil aqui lançar mão de uma distinção, introduzida por Alfred Tarski, entre linguagem-objeto e metalinguagem. Veremos mais adiante que a teoria de Tarski não é uma teoria da corres-pondência. Mas além de uma teoria da verdade, Tarski elaborou uma teoria de teorias da verdade. Claramente, ao elaborar uma teoria semântica, nós precisamos de uma linguagem na qual essa teoria será expressada, uma linguagem que pode ou não ser diferente da linguagem cuja semântica queremos descrever. Esta última, o objeto da nossa teoria, Tarski chamou de linguagem- -objeto; a primeira, a linguagem na qual a teoria é enunciada, ele chamou de metalinguagem. Por exemplo, a linguagem-objeto pode ser o polonês, enquanto que a metalinguagem é o alemão, ou a linguagem-objeto pode ser o francês e a metalinguagem, o inglês. Poderíamos até mesmo tentar elaborar a semântica da linguagem-objeto na própria linguagem-objeto, de modo que ambas fossem, digamos, o inglês. Entretanto, a mesma linguagem está realizando tarefas distintas. Esse é o modo como procedemos até aqui neste capítulo.

(36)

essa a linguagem-objeto básica. Aumente então a linguagem incluindo conceitos semânticos que se aplicam ao nível básico, o da linguagem-objeto, mas não ao seu próprio nível. Essa é a primeira metalinguagem, ou o primeiro metanível. Se quisermos elaborar uma teoria semântica para esse nível, que contém os conceitos semânticos do nível básico, precisamos passar para uma metametalinguagem, que contenha os conceitos semânticos para o primeiro nível, mas não para si mesma, e assim por diante. Assim, qualquer linguagem é dividida em níveis, uma hierarquia de linguagem e metalinguagem.

Iremos examinar, no Capítulo 6, se essa regimentação é neces-sária ou mesmo exequível. Mas neste momento ela fornece uma resposta ao nosso presente problema. Ao elaborar qualquer teoria nós precisamos de uma linguagem para tal teoria e precisamos pressupor que ela é compreendida e coerente. As negações e conjunções da metalinguagem nos são dadas, não estamos elabo-rando a semântica da metalinguagem. Nós usamos os recursos da metalinguagem para elaborar as condições de verdade das proposições da linguagem-objeto.

é um exercício útil estabelecer que recursos precisamos ter na metalinguagem para podermos fazer isso. Para começar, preci-samos ser capazes de nos referir às proposições da linguagem--objeto. Por exemplo, se vamos dizer “‘Kennedy é presidente’ é verdadeira se e somente se…”, temos de ser capazes de nos referir à proposição da linguagem-objeto “Kennedy é presi-dente”. Também queremos poder dizer “‘não-A’ é verdadeira

se e somente se…”; logo, precisamos de meios para nos referir aos vários tipos de proposições da linguagem-objeto, “não-A”, “A e B” etc. Em geral, o que precisamos é de um modo de nos

(37)

estivéssemos usando o português como metalinguagem para descrever a semântica do inglês, nós apresentaríamos a expressão inglesa, entre aspas, como um nome em português da expressão em inglês: por exemplo, “‘The snow is white’ é verdadeira se…”.

Outros modos de nomear expressões são possíveis, mas nomes com aspas são muito convenientes e facilmente decodificados. Poderíamos nos referir às palavras por meio das suas posições em um certo dicionário, por exemplo “a proposição expressada pela primeira palavra da p. 331 do vol. Si-St do Oxford English Dictionary, seguida pela terceira palavra da p. 499 do vol. I-K,

seguida pela décima-sexta da p. 70 do vol. Wh-x”. Ou poderí-amos formar nomes associando cada letra a um número ímpar, e cada sentença ao produto de uma cadeia de números primos elevados à potência associada às suas letras constitutivas (Kurt Gödel introduziu esse método de atribuir nomes a expressões em um famoso artigo de lógica de 1931, que é hoje frequentemente denominado “numeração de Gödel”). Em um tal esquema, a menor sentença da Bíblia recebe um número de Gödel da ordem de 10332. Esses dois métodos não são tão fáceis de usar

e, particularmente, de decifrar, como o método dos nomes com aspas. Entretanto, o ponto essencial é a necessidade de decodi-ficar: dado um tal número, deve existir um procedimento para determinarmos qual expressão ele nomeia. (Em um caso, nos dirigimos ao Oxford English Dictionary, no outro, fatoramos o número e examinamos os expoentes de seus fatores primos.)

(38)

de verdade de proposições negadas (em geral), precisamos ser capazes de expressar a negação; e assim por diante. Desse modo, a cada proposição da linguagem-objeto será correlacionada uma sentença da metalinguagem com o mesmo significado. Podemos agora propor como uma exigência mínima a teorias da verdade uma que se tornou célebre por receber o nome de Tarski, uma condição de adequação: nada merece o nome de teoria da verdade se não puder produzir, no mínimo, todas as proposições da forma

S é verdadeira se e somente se p,

onde p é substituída por uma tradução na metalinguagem da sentença da linguagem-objeto cujo nome substitui S.

Vejamos alguns exemplos. Primeiro, considere que a lingua-gem-objeto é o alemão e a metalinguagem, o português. Vamos usar nomes com aspas para nos referir às expressões do alemão. “Es regnet” é traduzida para o português como “Está chovendo”. Assim, uma exigência mínima para uma teoria da verdade (em português) do alemão é que entre suas consequências deve estar

“Es regnet” é verdadeira se e somente se estiver chovendo.

A teoria precisaria incluir todos os outros pares, associando cada proposição em alemão à sua tradução em português, isto é, a uma proposição do português que diga a mesma coisa e que estabeleça quando a proposição em alemão é verdadeira. Para o segundo exemplo, considere o português como sua própria metalinguagem (se necessário, regimentada em uma hierarquia do tipo de Tarski, para evitar paradoxos). A teoria deve impli-car, no mínimo, todos os bicondicionais (isto é, enunciados “se e somente se”) tais como

“Está chovendo” é verdadeira se e somente se estiver chovendo.

(39)

parte de um conjunto de exigências que devem ser atendidas por uma teoria semântica: as exigências formais, segundo as quais deve haver modos decodificáveis de nos referirmos às proposições da linguagem-objeto, de que as definições sejam formalmente corretas etc.; e essa condição material, de que a teoria não deve correlacionar proposições da linguagem-objeto com condições de verdade na metalinguagem que digam algo diferente.

TEORIAS DA VERDADE MINIMALISTAS

Será que podemos extrair mais do que isso da condição de adequação material? Não poderíamos considerar que as sentenças-T (o conjunto de enunciados da forma “S é verda-deira se e somente se p”) fornecem uma expressão adequada da teoria da verdade como correspondência? Pois o que nós temos, como foi indicado no último parágrafo, é uma correlação entre proposições da linguagem-objeto, de um lado, e fatos – ou pelo menos estados de coisas, existentes, ou não –, do outro. Mas isso é ler coisas demais no esquema-T, isto é, no esquema para as sentenças-T. Certamente uma teoria da correspondência deveria satisfazer a condição de adequação material – todas as sentenças-T deveriam ser implicadas por ela. Mas é a teoria da correspondência, não a condição de adequação material, que interpreta o lado direito como uma referência a fatos ou estados de coisas. No esquema, há uma correlação entre a linguagem e o mundo; no lado esquerdo, uma referência a entidades linguísticas, e no lado direito – alguém poderia ter a coragem de alegar –, uma “referência” não linguística, sua condição de verdade. Mas é um passo adiante ler naquela descrição uma referência metafísica a fatos. A teoria da correspondência envolve uma metafísica de fatos e estados de coisas correlacionados a proposições. Esse é seu erro fundamental: construir a semântica da verdade em analogia com a referência de “Fido”2. O esquema-T é neutro

(40)

O próprio Tarski também apresentou uma teoria da verdade, que não deve ser confundida com sua condição de adequação material, a ser atendida por qualquer teoria da verdade. Sua própria teoria da verdade era próxima das teorias da correspon-dência de Russell e Wittgenstein – mas sem a referência a fatos. Deixando de lado a linguagem natural, vulnerável a paradoxos semânticos por ser semanticamente fechada, ele mostrou como construir uma semântica para uma linguagem formal, uma linguagem especificada pela descrição inicial de uma classe de sentenças atômicas, seguida por um tratamento recursivo de como sentenças complexas são construídas a partir de senten-ças mais simples. (Chamar isso “recursivo” significa que, dada qualquer cadeia de símbolos, podemos checar formalmente se ela é bem formada e se constitui uma legítima sentença.) Sentenças atômicas são constituídas de nomes e predicados, cada um asso-ciado a alguma entidade não linguística: nomes com objetos, predicados com propriedades, ou relações, ou conjuntos. Uma sentença atômica é verdadeira se os objetos por ela nomeados têm a propriedade ou são ligados pela relação associada ao predi-cado. (Por exemplo, “Sortes currit” é verdadeira se e somente se o objeto denotado por “Sortes” tem a propriedade associada a “currit”.) Sentenças complexas são tratadas do modo que vimos antes: “não-A” é verdadeira se A não é verdadeira; “A e B” é verdadeira se A é verdadeira e B é verdadeira; e assim por diante. (Na verdade, Tarski forneceu a definição recursiva da noção de “satisfação” – s satisfaz “não-A” se s não satisfaz A, e assim por

(41)

O que podemos ler de modo mais plausível no tratamento de Tarski – embora, vale lembrar, não seja implicado por ele – é um tratamento da verdade metafisicamente minimal. Um tal tratamento pode ser de três formas: uma denomina-se a si mesma “minimalismo” e afirma que o conjunto das sentenças-T esgota o que há para ser dito acerca da verdade; um tratamento minimal mais antigo é a teoria da “redundância”; e uma versão mais recente é a chamada teoria “prossentencial”. Dentre essas três formas, vamos ver agora a segunda e a terceira.

De acordo com a teoria da correspondência, o predicado--verdade é um predicado-substantivo, que atribui uma proprie-dade relacional a proposições. Em virtude de sua correlação com fatos, proposições verdadeiras têm uma propriedade real, uma propriedade que as distingue das proposições falsas. Isso é negado pela teoria da redundância. Ela diz que verdade é redundante no sentido que predicar verdade a uma proposição não diz nada além da asserção da própria proposição. Vejamos um exemplo: “‘Matilda é sensível e brilhante’ é verdadeira” não é, de acordo com a teoria da redundância, e apesar das aparências, uma afir-mação acerca de uma proposição, atribuindo-a a propriedade da verdade. Antes ela seria uma afirmação acerca de Matilda, dizendo que ela é sensível e brilhante. Ela diria nada além ou aquém do que a proposição “Matilda é sensível e brilhante”. Nenhuma teoria da verdade é necessária, pois não haveria uma tal coisa como a verdade. As sentenças-T de Tarski são verda-deiras porque seus lados direito e esquerdo são essencialmente idênticos – diferem apenas notacionalmente.

(42)

uma propriedade, logo o argumento falha. Posto que não existe diferença alguma entre, digamos, um Deus e um Deus existente, ou entre uma mesa e uma mesa existente, existência não é uma propriedade. Se a mesa não existe, não há mesa alguma. Para ter quaisquer propriedades, aquilo que possui as propriedades deve existir. Logo, a existência não pode ser uma propriedade.

Nem sempre podemos confiar na linguagem. Considere a sentença “Está chovendo!”. Perguntar “O que é isso que está a chover?” revela uma ignorância do português ou estupidez filosófica. Sem dúvida, uma resposta pode ser produzida, mas na verdade a sentença não serve para predicar “chuva” de alguma coisa. Ela significa que há chuva, que a chuva está caindo. Gramaticalmente, a sentença tem a forma sujeito-predicado, mas não há sujeito algum. Do ponto de vista lógico, há apenas um predicado.

A predicação da verdade é enganadora de modo similar. Se nós afirmamos uma proposição, nós a afirmamos como verda-deira. Logo, dizer que ela é verdadeira nada acrescenta. é isso o que as sentenças-T nos mostram. Mas as sentenças-T não são apenas uma condição mínima para testar uma teoria da verdade substancial. Antes, elas nos mostram que não há substância alguma na noção de verdade.

(43)

descartar o predicado-verdade, redundante, obtendo “Oswald matou Kennedy”. Temos a mesma afirmação feita por John.

Mas suponha que nós não sabemos o que John disse – nós estamos endossando sua frase não porque sabemos o que ele disse e também acreditamos nisso, mas talvez porque sabemos que John nunca mente, ou porque alguém nos disse para acreditar nele. O predicado-verdade nos habilita a endossá-lo sem repetir o que ele disse. Nossa frase inclui a generalidade: “o que quer que John tenha dito (naquela ocasião)...”, isto é, “para toda propo-sição, se John proferiu tal proposição (naquela ocasião), então tal proposição é verdadeira”. Um dos primeiros proponentes da teoria da redundância foi Frank Ramsey. Ele fez uma observa-ção interessante. Suponha que todas as proposições tivessem a forma aRb – por exemplo, “Oswald matou Kennedy”. Então, poderíamos dizer “para todos os nomes e predicados a, R e b, se John disse que aRb, então aRb”. Em particular, se John disse

que Oswald matou Kennedy, então Oswald matou Kennedy. Aqui, no consequente do condicional (a parte depois do “então”) existe um verbo (R). Portanto, não precisamos acrescentar “é verdadeira”. Mas nem todas as proposições são da forma aRb há um número ilimitado de diferentes formas de proposições. é impossível percorrer todas as formas de proposições possíveis. Logo, dizemos “o que quer que John disse...”, e agora precisamos de um verbo no consequente; nós não podemos simplesmente concluir “...essa proposição”. O predicado-verdade cumpre o papel de um tal verbo: “...essa proposição é verdadeira.”

(44)

Seguindo Tarski, podemos tomar casos particulares: “‘Oswald matou Kennedy’ é verdadeira se e somente se Oswald matou Kennedy.” Seguindo Ramsey, podemos generalizar parcial-mente: “proposições verdadeiras da forma ‘aRb’ são aquelas

que aRb.” Se tentamos generalizar completamente, tudo o que obtemos é “proposições verdadeiras, p, são aquelas que...” – p? Não, não podemos dizer isso, não é gramaticalmente correto: “é verdadeira” deve ser adicionado, como um “falso verbo”. Mas isso, certamente, não ajuda muito e é trivial: “proposições verdadeiras p são aquelas em que p é verdadeira.”

A teoria da redundância tem um ponto importante e benéfico. Ela evita a procura por uma metafísica da verdade em termos de objetos, a busca por uma propriedade real das proposições verdadeiras. Mas há mais acerca da verdade do que a mera repe-tição – o ponto sobre generalidade mostra isso. E mais: a simples repetição do que outra pessoa falou perde o caráter de endosso. é isso que o tratamento prossentencial acrescenta à teoria da redundância. Dizer que uma proposição é verdadeira é fazer mais do que repeti-la, é endossá-la também. A teoria da redundância está correta em negar que a verdade é uma propriedade real; ela erra ao insistir que o predicado-verdade é realmente redundante. Isso é mostrado já pelo ponto acerca da generalidade. Mais importante, entretanto, é a natureza anafórica da predicação de verdade. Dizer “isso é verdade” ou “o que John disse é verdade” é essencialmente se referir a outra afirmação – mas não predicar uma propriedade real a tal afirmação.

(45)

pronomes-por-preguiça; seu sentido é dado essencialmente ao se colocar no lugar de um nome. Deixando de lado a falta de estilo, poderíamos substituí-los pelo antecedente, por exemplo: “Peter pegou a correspondência de Peter” – temos de ignorar a sugestão, produzida pelo uso repetido de “Peter”, de que estamos nos referindo a duas pessoas diferentes. Note que o antecedente de um pronome (não definimos essa noção precisamente) pode vir após o pronome, por exemplo: “Quando ele abriu a porta, Peter pegou sua correspondência.” O antecedente de “ele” na primeira oração (subordinada) é “Peter” na segunda oração (principal).

Nem todos os pronomes anafóricos são pronomes-por--preguiça. Por exemplo, em “Alguém abriu a porta. Ele pegou a correspondência”, não podemos, preservando o sentido, substituir “ele” por “alguém”. Gareth Evans chamava casos desse tipo de “pronomes tipo-E”. Para substituí-los por um termo nominal, temos de construir uma expressão em função do contexto: “Alguém abriu a porta. A pessoa que abriu a porta pegou a correspondência.” Aqui também tais pronomes servem para se referir a algo que já foi referido antes, mas eles não podem simplesmente ser substituídos pela expressão antecedente. Um terceiro tipo de pronome anafórico é o uso quantificacional. Considere a proposição “todo estudante trouxe a sua foto do passaporte”: “sua” é anafórico, mas não pode ser substituída pelo antecedente, nem existe uma sentença ou oração anterior que permita a construção de um termo nominal. A proposição não significa “todo estudante trouxe a foto do passaporte de todo estudante”, logo “sua” não é um pronome que esteja no lugar de um nome. Ele se refere ao quantificador “todo” e extrai dele sua referência (outros quantificadores são “algum”, “nenhum”, “cada”, “qualquer” etc.).

(46)

pode ser substituída pelo seu antecedente. Tudo o que Mary diz

é “Oswald matou Kennedy”. Mas ao fazê-lo, ela endossa o que John havia dito. Isso é o que escapa à teoria da redundância. O acréscimo do elemento anafórico completa o tratamento da verdade. Outros usos prossentenciais da verdade são do tipo-E: “John disse alguma coisa. Se isso era verdadeiro, então...” – aqui nós não podemos substituir “isso” por “alguma coisa”, nem podemos reduzir “o que John disse era verdadeiro” ao que John disse. “Isso era verdadeiro” é uma prossentença por meio da qual designamos a referência do que John disse. Outros usos são quantificacionais, por exemplo: “nada do que John diz é verdadeiro” – isto é, para toda proposição p, se John disse p,

então p não é verdadeira. Nós não podemos substituir “p” em “p

não é verdadeira” por qualquer antecedente aqui, ainda que “p

não é verdadeira” se refira ao seu antecedente quantificacional, “tudo o que John disse”.

A verdade não é uma propriedade. Nós não podemos caracte-rizar as proposições verdadeiras, pois não há uma característica comum compartilhada pelas proposições verdadeiras. As senten-ças-T nos mostram que predicar a verdade de uma proposição é equivalente a asserir essa proposição. O que o predicado-verdade acrescenta é a generalidade: nos torna capazes de fazer afirmações gerais abstraindo das particulares; e o endosso: o papel anafórico da verdade ao responder e comentar outras afirmações.

RESUMO E SUGESTõES PARA LEITURAS

Nossa primeira tentativa de responder à pergunta “o que é a verdade?” nos levou a um quebra-cabeças metafísico acerca da natureza dos fatos e de como eles se relacionam com (isto é, correspondem a) proposições verdadeiras. A perplexidade de G. E. Moore diante desse problema pode ser lida em seu

(47)

1912 e nos anos seguintes (embora não publicadas até muito tempo depois). A resposta de Russell, seu atomismo lógico que lia a natureza da realidade na estrutura lógica da linguagem, foi publicada em suas palestras “The Philosophy of Logical Atomism”, reimpressas em Logic and Knowledge, ed. R. C. Marsh. O atomismo lógico mais meticuloso de Wittgenstein, no qual a teoria figurativa do significado funciona como a ligação entre a linguagem e o mundo, pode ser encontrado no

Tractatus Logico-Philosophicus, traduzido por D. Pears e B. McGuiness. Mas o estilo do Tractatus é opaco, e uma visão geral mais clara das teorias de correspondência e do atomismo lógico encontra-se em Philosophical Analysis de J. Urmson ou

em The Correspondence Theory of Truth de D. J. O’Connor. As objeções às teorias da correspondência em que me concen-trei eram essencialmente ontológicas: é possível apresentar um tratamento plausível dos fatos (e da relação de correspondência) que mostre que é essencial reconhecer a existência dos fatos como ontologicamente autônomos? Gottlob Frege apresentou outro argumento contra os fatos, e na verdade contra qualquer teoria da verdade que sustente que verdade é um conceito subs-tantivo. A ideia é que a equivalência entre A e “é verdade que

A”, junto de uma tal afirmação, produz um regresso vicioso (e portanto implica que uma tal teoria é incoerente). O argu-mento é apresentado e criticado em Spreading the Word, de

S. Blackburn, capítulo 7. Alguns veem o argumento de Frege como um precursor do minimalismo em teorias da verdade.

(48)

and Information,de Keith Devlin, é uma introdução cuidadosa à teoria da situação.

Os maiores problemas são: o que é uma situação? Realmente precisamos dela? Esse é o problema original, que nos leva a perguntar: “para que uma teoria da verdade?” e “como teorias da verdade deveriam ser avaliadas?” As condições de adequação formal e material de Tarski foram formuladas pela primeira vez em um longo artigo publicado por volta de 1930, mas a encontramos expressada de modo mais conciso no texto “The Semantic Conception of Truth”, reimpresso em Readings in Philosophical Analysis, ed. W. Sellars e H. Feigl. O tratamento que Tarski deu à noção de verdade levou ao desenvolvimento da teoria de modelos em lógica formal. Um artigo que apre-senta um bom panorama do trabalho de Tarski, incluindo as teorias deste e do próximo capítulo, é “Tarski on Truth and Logical Consequence”, de John Etchemendy. Uma reformula-ção da teoria da correspondência, inspirada nos resultados de Tarski, foi apresentada por Donald Davidson em “True to the Facts”, reimpresso em seu Essays on Truth and Interpretation.

Uma apresentação clara das teorias da verdade, incluindo a contribuição de Tarski, pode ser encontrada no capítulo 7 de

Philosophy of Logics, de Susan Haack. Esse é também o foco da discussão de Mark Platts sobre a verdade no primeiro capítulo de Ways of Meaning.

Uma reflexão acerca da condição de adequação material de Tarski nos leva a questionar o que é de fato obtido com a atribuição de verdade. A observação intrigante de Ramsey, que mais tarde deu origem à teoria da redundância e a outras teorias da verdade minimalistas, encontra-se em “Facts and Propositions”, incluído em The Foundations of Arithmetic and Other Essays,uma coletânea publicada após sua morte

(49)

nada acrescenta à sentença cuja verdade é declarada, foi desen-volvida por Arthur Prior nos anos de 1960 e é articulada de modo límpido em What is Truth?, de Christopher Williams. A teoria prossentencial acrescenta à teoria da redundância a natureza anafórica da verdade: asserir a verdade não se resume a reasserir, mas sim endossar o que foi dito. Essa teoria foi exposta por Dorothy Grover e outros em “A Prosentential Theory of Truth”. Esse e outros artigos sobre o mesmo tema encontram-se no livro A Prosentential Theory of Truth.

Nos anos recentes, entretanto, vimos uma forte rejeição a ideias minimalistas e tentativas de estabelecer uma noção subs-tantiva de verdade sem a metafísica inaceitável de uma teoria plena da verdade como correspondência. Hilary Putnam, por exemplo, em “A Comparison of Something with Something Else”, descarta o trabalho de Tarski como um trabalho que não fornece insight filosófico algum acerca do conceito de verdade. Em muitos outros lugares – um tratamento acessível é dado em seu Reason, Truth and History, especialmente no capítulo 3 –,

Putnam defendeu uma forma de realismo, que ele chama de “realismo interno”, para distingui-lo de “realismo metafísico”, que ele rejeita. A ideia essencial do tratamento internalista, compartilhada com as visões construtivistas que veremos no Capítulo 8 deste livro, é que não há um ponto de vista exterior a partir do qual possamos comparar o que dizemos e pensamos com o modo pelo qual as coisas são: há apenas o ponto de vista interno, a perspectiva dentro de um esquema de descrição.

Um tratamento geral (e uma crítica) dos tratamentos mini-malistas (chamados de “deflacionários”) é dado por Hartry Field em “The Deflationary Conception of Truth”, em Fact, Science and Morality, ed. G. Macdonald e C. Wright. Crispin Wright lançou recentemente mais um ataque sistemático à ideia de que verdade não é uma propriedade substancial em seu livro

(50)

de dar conta de aspectos essenciais do conceito de verdade, em particular, que tal conceito é distinto da – e ultrapassa a – noção de assertibilidade justificada na medida em que é estável (uma vez verdadeiro, sempre verdadeiro) e absoluto (diferentemente da noção de justificação, não admite graus).

NOTAS

1 Optamos por traduzir a distinção type/token por tipo/espécime, conforme a

Enciclopédia de termos lógico-filosóficos (João Branquinho, Desidério Murcho e Nelson Gonçalves Gomes (ed.), São Paulo, Martins Fontes, 2006) [N.T.]. 2 Nome comum para cachorros em inglês, frequentemente é usado para se referir

Referências

Documentos relacionados

– Os conceitos são expressos por termos gerais; – Os julgamentos são expressos por proposições; – Os raciocínios são seqüências de proposições. • Em Aristóteles

é um raciocínio válido, porque é constituído por proposições verdadeiras, não importando a relação de inclusão (ou de exclusão) estabelecida entre seus termos.

[...] uma sentença tal como “Ou é dia ou é noite” <é chamada de> asserível disjuntivo pelos filósofos mais novos e premissa hipo- tética por divisão pelos antigos.

Podemos atribuir a aristóteles três teses: (i) o movimento ocorre segundo quatro tipos básicos, que esgotam o inteiro domínio da mudança; (ii) estes quatro tipos básicos de

No conhecimento, trata-se em geral de retirar ao mundo objetivo, que se nos contrapõe sua estranheza, e, como se costuma dizer, de encontrar-nos nele: o que significa

O programa do SEI intitulado “Uma Autoridade Geral Fala a Nós” será transmitido pelo sistema de satélites da Igreja na sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013, com

Lógica de programação é a forma como você organiza qual passo você deve dar em cada momento para realizar a ação que você deseja.. Em outras palavras, você vai aprender

O objetivo deste artigo é conceituar esta lógica de acordo com seus termos, sua teoria de conjuntos e operações, variáveis linguísticas e funções de pertinência, bem