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Isso pode parecer surpreendente, pois nem todos sabem que Cícero era Túlio. Não se trata de uma verdade óbvia, mas sim de uma verdade que precisa ser descoberta. Mas isso não significa então que é uma verdade contingente? Não. Isso apenas mostra que é uma verdade empírica, ou a posteriori (essas palavras são equivalentes). “Necessário” significa “verdadeiro em todos os mundos”; “contingente” significa “verdadeiro em algum, mas não em todos os mundos” (logo, “contingente” significa

“possível, mas não necessário”). “A priori” significa “capaz de ser conhecido como verdadeiro sem investigação empírica”; “empírico” (ou “a posteriori”) significa “pode ser descoberto somente por meio da experiência”. Verdades a priori não são sempre autoevidentes. O teorema das quatro cores é um bom exemplo. Considere o problema, enfrentado pelo cartógrafo, de desenhar um mapa em uma folha de papel. Cada área (que repre- senta, digamos, um país, um estado, um município, um bairro) precisa ser colorida com uma cor diferente das áreas vizinhas. Cada região dada pode fazer fronteira com um número indefi- nido de outras regiões. Entretanto, os cartógrafos descobriram, por meio da experiência, com bastante engenhosidade, que eles nunca precisavam de mais de quatro cores. Quatro cores basta- vam para colorir qualquer mapa que eles pudessem conceber, de tal modo que duas regiões adjacentes nunca tivessem a mesma cor. Mas até então isso era apenas uma descoberta empírica,

a posteriori, baseada em um passo indutivo que, a partir de

mapas particulares (uma quantidade muito grande de mapas particulares, sem exceções), formulou uma hipótese acerca de todos os mapas. Se eles sabiam que nenhum mapa precisa de mais de quatro cores – e eu concordaria de bom grado que eles sabiam disso –, tal conhecimento era empírico. Não obstante, isso pode ser provado. A prova foi obtida somente no início dos anos de 1980. A prova é a priori; ela não depende de investiga- ção empírica alguma, mas analisa várias possíveis configurações de mapas em (um número muito grande de) diferentes tipos e mostra como cada tipo requer no máximo quatro cores. A prova mostrou que o teorema das quatro cores é um conhecimento a

priori que é capaz de ser obtido independentemente de inves-

tigação empírica e, dessa forma, mostrou também que o juízo, baseado na experiência, formado pelos cartógrafos, era de fato conhecimento. O conhecimento dos cartógrafos era empírico, mas o teorema, a verdade propriamente dita e o conhecimento dela são a priori.

Dois outros termos técnicos intimamente relacionados são “analítico” e “sintético”. Uma verdade analítica é verdadeira somente em virtude do seu significado; uma verdade sintética é aquela que não é analítica. Assim, “necessário” e “contingente”, “a priori” e “empírico” e “analítico” e “sintético” constituem pares de opostos, exclusivos e exaustivos. Primariamente eles qualificam verdades, mas podem também distinguir entre as falsidades que são necessariamente falsas e contingentemente falsas (falsas, mas possivelmente verdadeiras), o falso a priori e o falso empírico, o analiticamente falso (implicitamente contra- ditório, falso em virtude do significado) e o sinteticamente falso. As caracterizações dos termos “analítico” e “sintético” talvez tenham passado por mais modificações do que a dos outros pares. Mas o que é importante estar ciente é que os termos “necessário”, “a priori” e “analítico” têm caracterizações bastante diferentes, apesar de muitos filósofos terem acreditado que esses termos seriam coextensionais. Essa crença, de fato, levou a um uso algo arrogante e impreciso desses termos. Mas, se eles fossem coex- tensionais (e nesse caso não haveria erro algum em permutá-los, salvo produzir uma confusão que nenhum filósofo gostaria de ser acusado), essa afirmação precisaria ser defendida por um argumento, pois essa é uma tese metafísica forte.

Havia razões para se adotar a tese segundo a qual necessidade, aprioricidade e analiticidade são coextensionais – na sua maior parte razões empiristas e reducionistas. Até aqui, nas nossas reflexões sobre mundos possíveis, nossa tendência foi ignorar considerações epistemológicas. Elas são particularmente proble- máticas no caso do platonismo modal. “Necessário” foi identi- ficado com “verdadeiro em todos os mundos possíveis”. Como, então, vamos estabelecer que algo é necessariamente verdadeiro? O modelo sugere que inspecionemos cada mundo. Mas isso é impossível, por duas razões. Em primeiro lugar, existem muitos, infinitamente muitos mundos possíveis. Em segundo lugar, eles são inacessíveis. De acordo com o platonismo, cada mundo é uma realidade concreta, espaço-temporalmente disjunta de cada

uma das outras. Escritores de ficção científica como Asimov podem postular uma comunicação entre eles, mas isso é uma fantasia. Existem conexões lógicas, mas conexões efetivas são necessariamente internas a um determinado mundo. O discurso acerca de mundos possíveis, longe de ajudar-nos a estabelecer necessidades e possibilidades, ameaça torná-las impossíveis de serem descobertas. Se não vamos rejeitar necessidade como uma noção obscura, parece que o único modo de salvá-la é identificando-a com o a priori.

A noção de a priori, por sua vez, também foi atacada. Filósofos racionalistas como Kant afirmaram que algumas verda- des, apesar de verdadeiras a priori, eram, todavia, sintéticas. Sua verdade não era uma questão trivial de significado, mas um fato metafísico substancial. O empirista poderia não aceitar isso: concordando que as verdades analíticas sejam essencialmente triviais, sua posição é a de que todas as verdades substanciais são empíricas. Ele nega a possibilidade de uma metafísica substancial (verdade real é verdade científica) e identifica o a priori com o analítico. Claramente, se algo é uma questão de significado, pode ser elaborado independentemente da experiência; o empirista insiste que o que pode ser descoberto independentemente da experiência deve resultar dos significados das palavras.

A verdade necessária de identidades empiricamente descober- tas bloqueia o primeiro passo dessa redução do necessário ao analítico. Que Cícero era Túlio foi uma descoberta empírica; tal identidade, porém, é necessária. Dois designadores rígidos do mesmo objeto devem, em virtude da rigidez, designar o mesmo objeto em todos os mundos possíveis. Logo, trata-se de uma identidade necessária. Isso é uma consequência imediata da noção de designação rígida. A parte substancial da tese de Kripke é provar que um termo particular é rígido. Esse é o tema principal de Kripke, que os nomes próprios da linguagem natural não têm sentido e não podem ser substituídos por frases descritivas, pois estas se comportam de maneira diferente em contextos modais. Nomes próprios, segundo Kripke, são designadores rígidos.

Parte da dificuldade com essa afirmação é a falta de clareza nas duas visões opostas sobre os nomes, uma historicamente associada a John Stuart Mill – a de que nomes são puramente denotativos, não possuindo conotação – e a outra associada a Gottlob Frege – a de que nomes possuem sentido. Kripke, embora insista que nomes não têm um sentido dado por uma descrição, aceita que a referência de um nome possa ser “fixada” por uma descrição; aqueles que defendem Frege negam que o sentido que cada nome possui possa sempre ser dado por uma descrição e podem até mesmo conceder que nomes em sua função conotativa (sejam descritivos ou de reconhecimento) sempre recebem, por convenção, escopo maior. Nesse ponto, as teorias se tornaram equivalentes. O metafísico do século 19, F. H. Bradley, assinalou que, a menos que um nome fosse associado a um meio de reiden- tificar seu referente, não poderíamos usá-lo. Mas se admitirmos (como admite a convenção de “maior escopo”) que esse método de reidentificação não se aplica a possibilidades, mas apenas ao mundo atual, a teoria do “sentido” se modifica e se torna uma teoria denotativa. Pois o argumento de Kripke para sustentar que nomes não possuem sentido era o de que proposições simples (isto é, não modais) que contenham tais nomes poderiam ter tido valores de verdade diferentes. Kripke nega que isso seja o mesmo que considerar seu comportamento em contextos modais. Mas como nós decidimos se “Cícero denunciou Catilina” poderia ter sido falsa? Parece que a questão se reduz a perguntar se Cícero poderia não ter denunciado Catilina, e isso é perguntar pelo comportamento de “Cícero” em contextos modais como “pode- ria não ter…”. De acordo com o argumento de Kripke, segundo o qual nomes não possuem sentido, qualquer que seja o sentido

F que um nome a supostamente possui, “a poderia não ser F”

é verdadeira; por exemplo, Cícero poderia não ter denunciado Catilina, ou não ter escrito De Lege Manilia, ou qualquer outra coisa acerca de Cícero que possamos usar para fixar a referência de “Cícero”. Dessa forma, sentidos servem apenas para designar alguma coisa em virtude de como tal coisa atualmente é, mas não

fornecem uma expressão com o mesmo significado – exceto sob a convenção do escopo maior. Nomes próprios têm suas referências fixadas no mundo atual por descrições (ou por outros meios de reconhecimento) em virtude de como as coisas são, mas mantêm suas referências rigidamente em contextos modais.

Se qualquer enunciado verdadeiro de identidade como “Cícero era Túlio”, é necessariamente verdadeiro, o que fazer com o enunciado “Cícero poderia não ter sido Túlio”. Ele tem de ser necessariamente falso, assim como “Cícero poderia não ter sido Cícero”. Nossa inclinação para supor que tal enunciado seja verdadeiro reflete uma possibilidade epistêmica, não uma possi- bilidade metafísica. Posto que a verdade de “Cícero era Túlio” é

a posteriori, não reconhecemos imediatamente sua verdade. Mas

a nossa dúvida, “Cícero era Túlio?”, reflete ignorância, não uma possibilidade contingente. Se Cícero é Túlio, isso é uma verdade necessária; se Cícero não é Túlio, isso também é uma verdade necessária. Anastasia alegava ser a última dos Romanovs. Se fosse realmente possível Anastasia ser a filha mais nova do czar da Rússia, que teria sobrevivido à Revolução, então haveria um mundo possível no qual ela era de fato a filha sobrevivente. Mas então ela seria necessariamente a filha sobrevivente e, portanto, o era no mundo atual também. Assim, se ela não era realmente a filha sobrevivente, não era nem mesmo possível que ela o fosse. A “possibilidade” que nós concebemos é epistêmica – simplesmente não sabemos se ela era ou não a filha sobrevivente.

Outras propriedades essenciais também produzem necessi- dades a posteriori. Kripke e outros, por exemplo, acreditam na doutrina da necessidade de origem – Margaret Thatcher não poderia ter sido filha de Stalin, pois ela era filha do Sr. Roberts, o dono de armazém de Grantham. De fato, poderíamos descobrir uma conspiração e constatar que a primeira-ministra britânica era uma espiã da KGB e fazia parte de um plano a longo prazo para destruir a economia britânica. Mas isso, insiste Kripke, é uma possibilidade epistêmica; não existe a possibilidade metafí- sica de que a pessoa que realmente nasceu em Grantham poderia

ter sido filha de Stalin. Se a é um designador rígido e F é uma propriedade essencial que o objeto atualmente denotado por a de fato possui, então a possui a propriedade F em todos os mundos possíveis. Sendo rígido, a denota o mesmo objeto em todos os mundos; e sendo F uma propriedade essencial, todo objeto que possui a propriedade F em qualquer mundo a possui em todos os mundos. Assim, não existe um mundo possível no qual a não é F, e não poderia acontecer de a não ser F.

Kripke não apenas rejeita a tese de que todas as verdades necessárias sejam a priori, mas também rejeita a tese de que todas as verdades a priori sejam necessárias. Seu exemplo básico é o da barra do metro padrão em Paris. Pelo menos uma vez, um metro foi definido por referência a essa barra, que foi mantida em determinada temperatura e pressão. Assim, poderíamos saber a priori que tal barra tem comprimento de um metro. Não obstante, ela poderia ter sido maior ou menor do que ela é, pois existem mundos em que ela tem um comprimento diferente de um metro. Nesses outros mundos possíveis, o comprimento da barra teria definido a medida de um metro diferentemente do mundo atual, mas isso é irrelevante, do mesmo modo que vimos que é irrelevante que a palavra “Edmundo” pudesse ter sido usada para denotar outra pessoa. O que é relevante é o nosso uso da palavra “metro” e que tal uso seja determinado pelo comprimento atual da barra. Os diferentes comprimentos que ela poderia ter estão retratados nos diferentes comprimentos que a barra possui em outros mundos possíveis. Logo, contingência e aprioricidade são conceitos distintos. “A barra padrão de um metro tem comprimento de um metro” é uma verdade apenas contingente, embora possa ser conhecida a priori.

Esse divórcio radical entre o necessário e o a priori tem consequências surpreendentes. Uma delas é a de que toda proposição é a priori equivalente a uma proposição contingente. Considere qualquer proposição A. Se A é contingente, o resul- tado é imediato, pois A é a priori equivalente a si mesma. Se A é necessariamente verdadeira ou necessariamente falsa, considere

a proposição “A tem o mesmo valor de verdade que ‘A barra padrão de um metro tem comprimento de um metro’.” Se A é necessariamente verdadeira, essa proposição é verdadeira, mas contingentemente verdadeira, e é a priori equivalente a A (pois tudo o que ela realmente diz é que “‘A’ é verdadeira”); se A é necessariamente falsa, essa proposição é falsa, mas contingente- mente falsa, e novamente ela é a priori equivalente a A. Assim, qualquer proposição é a priori equivalente a uma proposição contingente.

Uma dose de engenhosidade pode estender esse resultado de modo a estabelecer que toda proposição é a priori equivalente a uma proposição que é necessariamente verdadeira ou necessaria- mente falsa (dependendo da proposição original ser verdadeira ou falsa). Vamos chamar uma tal proposição, que é, ou necessa- riamente verdadeira ou necessariamente falsa, de necessitativa. A engenhosidade de que precisamos aqui é a construção de um designador rígido apropriado. O que precisamos é, para toda proposição, uma expressão que designe rigidamente o valor de verdade dessa proposição. A frase “o valor de verdade de A” não irá funcionar, pois ela irá designar, para cada mundo, o valor de verdade de A nesse mundo; logo, não será um designador rígido. Mas “o atual valor de verdade de A” resolve o problema; qualquer que seja o mundo que considerarmos, essa proposição designa o valor de verdade de A no mundo atual. Portanto, “o atual valor de verdade de A” é um designador rígido. (Isso é um caso de rigidez por essência, o terceiro dos três tipos que mencionamos, do mesmo modo que “o quadrado de 3”.) A ou é verdadeira ou é falsa, portanto, “o atual valor de verdade de

A” designa ou o verdadeiro ou o falso. Considere a proposição

“o atual valor de verdade de A é o verdadeiro”. Vamos chamar essa proposição de act(A). Se A é verdadeira, então act(A) (uma identidade verdadeira entre designadores rígidos) é necessaria- mente verdadeira; se falsa, é necessariamente falsa. Portanto, act(A) é uma necessitativa. Além disso, podemos dizer a priori

que A é equivalente a act(A), que essencialmente diz que A é verdadeira no mundo atual. Portanto, A é a priori equivalente a uma necessitativa.

Similarmente, podemos mostrar que A é necessariamente equivalente a uma proposição a posteriori, e que isso é neces- sariamente equivalente a uma proposição a priori. No primeiro caso, escolha A se A é a posteriori, e escolha “A é equivalente a act(A)” se A é a priori. No segundo caso, escolha “A é equi- valente a act(A)” se A é verdadeira e “A não é equivalente a act(A)” se A é falsa.

Mas o que esses jogos mostram? Eles enfatizam a diferença entre o necessário e o a priori. Isso também nos leva de volta ao Capítulo 1. Lá, a ideia era a de que a equivalência entre A e “A é verdadeira” mostrava que verdade não é uma propriedade substancial de proposições (por exemplo, que consiste em uma relação com fatos), mas sim um dispositivo que nos torna capazes de nos referir a outras afirmações e endossá-las. A equivalência entre A e “A é verdadeira” é simultaneamente necessária e a

priori. Considere um exemplo: suponha que A seja a proposição

“alguém matou Kennedy”. Já vimos que a verdade de “alguém matou Kennedy” em um determinado mundo depende de alguém ter de fato matado Kennedy em tais circunstâncias, e não depende do que poderia ser o significado de “matado” e “Kennedy” em tais circunstâncias. Poderíamos pensar que “‘alguém matou Kennedy’ é verdadeira” seria um caso diferente, pois aqui aparentemente estamos nos referindo à sentença “alguém matou Kennedy”. Precisamos distinguir uso e menção. Em “Fred tem 7 letras” estamos usando o nome Fred e nos referindo ao indivíduo Fred – talvez ele esteja jogando palavras cruzadas de tabuleiro e tenha 7 letras na mão; em “‘Fred’ tem 4 letras” estamos mencio- nando o nome “Fred”, isto é, estamos nos referindo ao nome. As aspas em “Fred” servem para nos lembrar que não estamos usando, mas sim mencionando, o nome. Se estivéssemos mencio- nando a sentença “alguém matou Kennedy” quando dizemos

“‘alguém matou Kennedy’ é verdadeira”, então a verdade dessa proposição dependeria do significado de “matou”, “Kennedy” etc., e poderia variar independentemente da verdade de “alguém matou Kennedy”. Mas já argumentamos no Capítulo 1 que não devemos considerar que sentenças são portadores de verdade, caso contrário “A é verdadeira” seria diferente de “é verdade que A”; “‘alguém matou Kennedy’ é verdadeira” iria atribuir verdade a uma sentença, diferentemente de “é verdade que alguém matou Kennedy”. Decidimos construir “A é verdadeira” predicando a verdade da proposição expressa por A, e isso significa a proposição atualmente expressa por A. Portanto, A e “A é verdadeira” se mantêm lado a lado, enquanto passamos de um mundo a outro, avaliando ambas em cada mundo, mas preservando os significados que possuem no mundo atual. Em contraste, A e “A é atualmente verdadeira” não se mantêm lado a lado. “Alguém matou Kennedy” adquire diferentes valores, dependendo de Kennedy, em outras circunstâncias, ter sido assassinado, o que não acontece com “‘alguém matou Kennedy’ é atualmente verdadeira”. Se Kennedy tivesse morrido em paz na sua cama (em algum mundo diferente do atual), “alguém matou Kennedy” seria falsa (nesse mundo); mas mesmo nesse caso, “‘alguém matou Kennedy’ é atualmente verdadeira” seria ainda verdadeira – isto é, “alguém matou Kennedy” no mundo atual seria verdadeira, pois Kennedy foi assassinado. Lembre-se que é o significado do nosso proferimento que está em questão.

A barra de metro padrão poderia não ter um metro de compri- mento, mas podemos dizer, a priori, que ela deve ter um metro de comprimento. O necessário e o a priori não são coextensivos.

RESUMO E SUGESTõES PARA LEITURAS

O platonismo modal vê o nosso mundo, em sua totalidade, como apenas uma entre uma imensa variedade de possibilidades alternativas reais e existentes. Cada mundo é uma realidade

concreta, de indivíduos com suas propriedades e relações, completo e plenamente determinado. Atualidade nada mais é do que a imediatez do mundo do falante; cada mundo é atual em relação a si mesmo. Nosso mundo é atual apenas na medida em que é o nosso mundo. O principal defensor dessa visão é David Lewis, em seu livro Counterfactuals, capítulo 4, e mais recentemente, e de modo mais pleno, em On the Plurality of

Worlds. Neste último, Lewis comenta que suas exposições

anteriores dessa concepção receberam olhares incrédulos, mas poucas objeções cogentes. Entre os dois livros, uma profusão de objeções apareceu.

Os problemas que diagnosticamos no platonismo modal eram todos consequência de os mundos todos serem tratados da mesma forma. Se cada um deles constitui uma realidade concreta, então nenhum objeto pode estar presente em mais de um mundo – objetos podem ter contrapartes, doppelgängern em outros mundos, mas não podem ser idênticos a eles. O problema então é encontrar e identificar suas contrapartes. O recurso a ecceidades, isto é, essências individuais, é difícil de ser levado a sério e sugere algum tipo de mágica. O uso de semelhanças ameaça limitar as alternativas de um modo não natural. O ponto crucial é que estamos interessados em como seria Edmundo se ele fosse completamente diferente, e não em alguma contraparte dele. Lewis apresenta sua teoria das contrapartes no artigo “Counterpart Theory and Quantified Modal Logic”, reimpresso na coletânea de Michael Loux, The Possible and the Actual.

Tratar cada mundo como uma realidade autossubsistente também vai de encontro à nossa crença de que nosso mundo é único. Nosso mundo é atual, os outros são meramente possíveis. Sugerir que, para as contrapartes de Edmundo, seus mundos são atuais e nós somos apenas uma vaga possibilidade contradiz nossa ideia do que é real. Além disso, sugerir que a reflexão acerca de possibilidades exige algo como um tipo especial de telescópio, através do qual outros mundos possíveis seriam observados,

coloca problemas epistemológicos gratuitos e desnecessários porque tais métodos são impossíveis. Possibilidades tornam-se subitamente indetectáveis.

Há ainda outro problema para um realismo extremo: há muitas lógicas modais. Dentre elas, várias têm interesse apenas formal e não correspondem a qualquer concepção modal real. Mas pode-se argumentar que mais de uma lógica modal arti- cula estruturas modais válidas. Por trás de nossa discussão está uma equiparação entre “necessário” e “verdadeiro em todos os mundos possíveis”. Essa concepção é conhecida como o sistema modal S5, que corresponde ao mais forte dos cinco