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Entretanto, tratar condicionais como sendo vero-funcionais leva a vários problemas. Suponha que a libra será desvalorizada, mas a recessão, contudo, irá continuar. Isso já seria o suficiente para corroborar a afirmação de que se a libra não é desvalorizada, a recessão continuará? De acordo com o tratamento vero-funcio- nal, a resposta é positiva. Traduzida em termos da disjunção, a condicional diz que ou a libra será desvalorizada, ou a recessão irá continuar. Se a libra for desvalorizada, essa disjunção é verda- deira; por outro lado, se a recessão continuar (independentemente do que aconteça com a libra), a disjunção é verdadeira. Mas a condicional sugere uma conexão mais direta entre o antecedente e o consequente. O tratamento vero-funcional implica que a condicional é verdadeira simplesmente em virtude dos valores de verdade de seus constituintes. Mas em geral, quando pensamos sobre isso, assumimos que condicionais adquirem seus valores de verdade em virtude de uma conexão entre antecedente e conse- quente. Mas vemos agora que pode não haver conexão alguma, muito embora, no tratamento vero-funcional, os valores possam, por coincidência, ser tais que impliquem a verdade da condicio- nal. Portanto, surgem dúvidas de se o tratamento vero-funcional consegue captar a história toda.

O argumento oferecido em defesa da vero-funcionalidade foi sucinto: ele dependeu da equivalência entre a condicional “se A, então B” e a disjunção “ou não-A, ou B” e da vero-funcionalidade

da disjunção. Mas podemos nos perguntar se de fato existe essa relação entre a condicional e a disjunção. A dúvida surgiu no capítulo anterior. “Se o Edmundo não é covarde, então ele é um alpinista” parece significar que ou Edmundo é covarde, ou ele é um alpinista – ou ele é covarde, ou não é, e nesse caso é um alpinista. Mas a disjunção é desmembrada em dois aspectos: de um lado, ser equivalente à condicional correspondente e, do outro, ser vero-funcional. As premissas desse breve argumento (equivalência e vero-funcionalidade) não podem ser satisfeitas simultânea e univocamente pela disjunção.

Há, entretanto, um argumento mais elaborado em defesa da vero-funcionalidade. Ele toma como ponto de partida o trata- mento usual da consequência lógica, que já examinamos aqui, e acrescenta a observação de que as condicionais são usadas para expressar o fato de que a conclusão de um argumento depende de suas premissas. Isto é, uma condicional é verdadeira, dadas certas pressuposições, apenas no caso em que seu consequente se segue logicamente do seu antecedente juntamente com tais pressuposições:

“Se A, então B” se segue de certas proposições se e somente se

B se segue dessas mesmas proposições juntamente com A.

Por exemplo:

“Se Edmundo é corajoso, então ele é um alpinista” se segue de “toda pessoa corajosa é alpinista”

se e somente se

“Edmundo é alpinista” se segue de “toda pessoa corajosa é alpinista” e “Edmundo é corajoso”.

Condicionais não apenas correspondem a argumentos válidos, mas frequentemente são usadas para dizer que tais argumentos são válidos. Podemos dizer que, em um argumento válido, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também é verdadeira,

sendo essa conexão reforçada por meio da referência à necessi- dade ou à generalidade: segundo o tratamento clássico da vali- dade, visto no capítulo anterior, qualquer que seja o modo pelo qual as letras esquemáticas são interpretadas, se as premissas são verdadeiras, a conclusão é também verdadeira. Vamos denomi- nar essa relação entre condicionais e a consequência lógica (ou validade) de “teorema da dedução”.1

Do tratamento padrão da consequência e do teorema da dedução se segue que condicionais são vero-funcionais. Primeiro, suponha que A é verdadeira e B falsa. Então se a condicional “se A então B” fosse verdadeira, B seria verdadeira (por modus

ponens). Logo, posto que B é falsa, “se A então B” deve também

ser falsa, posto que A é verdadeira. De fato, não há discordância nesse ponto: se A é verdadeira e B falsa, então “se A então B” não pode ser verdadeira.

O que ocorre quando A é falsa, ou quando B é verdadeira? Trataremos desses casos separadamente. Suponha que A é falsa. Pelo princípio ex falso quodlibet, B se segue de A e “não-A”. Logo, pelo teorema da dedução, “se A, então B” se segue de “não-A”. Mas, posto que A é falsa, “não-A” é verdadeira, logo “se A, então B” deve ser verdadeira.

Suponha agora que B é verdadeira. Novamente, pelo tratamento padrão, B se segue de A e B. Logo, pelo teorema da dedução, “se A, então B” se segue de B. Como estamos assu- mindo que B é verdadeira, daí se segue que “se A, então B” é verdadeira. Portanto, em ambos os casos, seja A falsa ou B verda- deira, o tratamento padrão da consequência juntamente com o teorema da dedução implicam que “se A, então B” é verdadeira.

Todos os casos já foram tratados: se A é falsa, a condicional é verdadeira; se B é verdadeira, a condicional é verdadeira; e se

A é verdadeira e B é falsa, a condicional é falsa. Assim, o valor

de verdade da condicional é completamente determinado pelos valores de verdade de seus constituintes.

Isso reforça o tratamento clássico das condicionais, mas não explica os contraexemplos. Não explica o problema de que, por

exemplo, a possível covardia de Edmundo não parece suficiente para a afirmação de que se ele é corajoso, ele é um alpinista. A réplica conversacionalista é uma tentativa de explicar esse fenômeno de modo consistente com a tese da vero-funcionali- dade. A ideia é simples: condicionais são vero-funcionais; não é o caso que os contraexemplos mostram que uma condicional com antecedente falso e consequente verdadeiro não é, de fato, verdadeira. Antes, eles mostram que uma tal condicional pode não ser asserível em certas circunstâncias. é estabelecida uma distinção entre verdade e assertibilidade. O que é verdadeiro em certas circunstâncias pode não ser asserível – e vice-versa: o que é asserível pode não ser verdadeiro.

A doutrina conversacionalista tem uma esfera de aplicação muito maior do que simplesmente as condicionais. Alguns dos seus principais exemplos são muito familiares. Se, ao respon- der à pergunta sobre se você conhece a mulher jovem que foi recentemente nomeada professora de letras clássicas, você diz “ela é muito boa em Latim” ou “ela gosta de futebol”, você poderia perfeitamente ser compreendido como querendo dizer que as realizações acadêmicas dessa professora não são boas, como deveriam ser. Com efeito, em um contexto apropriado, a interpretação poderia não ser essa. Se é claro que o status da nova professora como pesquisadora é excelente, sua resposta poderia simplesmente ser tomada como informações adicionais interessantes. Além disso, mesmo que sua audiência inferisse da sua resposta um certo desprezo pelas realizações acadêmicas da professora, isso poderia ser anulado por você: “certamente eu não quis dizer que seus vários livros não são muito bons.” Não obstante, em qualquer situação conversacional há inferências e implicações – nesse caso, usamos o termo técnico “implicatura”, posto que “implicação” é frequentemente usado no lugar de “acarretamento”. A existência de implicaturas influi no que está sendo asserido, e precisamos estar prevenidos. Duas máxi- mas foram identificadas por H. P. Grice como diretrizes para a conversação: a máxima da qualidade, segundo a qual alguém

somente deveria asserir aquilo que acredita ser verdadeiro e justificado, e a da quantidade, segundo a qual alguém não deveria asserir menos do que pode asserir. A razão, no primeiro caso, é que quando algo é asserido, está implicado que o autor da asserção acredita no que diz e tem boas razões para dizê-lo. Essas implicaturas podem ser anuladas: o autor das asserções pode prosseguir e indicar que ele mesmo não acredita no que diz, embora outros sustentem tais asserções; ou então indicar que ele acredita no que diz, mas, até então, não possui evidências para tal. Mas, na ausência de tais esclarecimentos, a implicatura está lá. Analogamente, no segundo caso, quando alguém faz uma asserção, está implicado que nenhuma informação adicional útil e relevante pode ser dada. Por exemplo, ao dizer que ou Bush ou Clinton venceu as eleições, está implicado que aquele que fez a asserção não sabe qual dos dois venceu. No comentário acerca da professora de letras clássicas, há uma implicatura segundo a qual o autor não tem opinião alguma acerca da posição acadêmica de tal professora; ou, ainda, que o autor está escondendo suas crenças acerca dela (muito embora essa última opção talvez esteja em desacordo com a máxima de relevância de Grice).

A ideia de Grice, portanto, é a de que, embora o que torne uma disjunção verdadeira seja a verdade de um dos disjuntos, o conhecimento de um dos disjuntos não é suficiente para sua asserção. Na asserção de uma disjunção há uma implicatura de que aquele que assere, nela acredita, e tem um fundamento para tal (pela máxima da qualidade), mas que esse fundamento não consiste simplesmente no conhecimento de um dos seus componentes (pela máxima da quantidade). Deve haver uma razão pela qual o autor da asserção escolheu asserir a disjunção, e não apenas um disjunto, e a explicação óbvia é a de que não há razões que fundamentem a asserção de um dos disjuntos. Em outras palavras, na asserção de “A ou B” há uma implicatura de que aquele que assere não sabe que A, nem sabe que B, ainda que saiba que um ou outro é verdadeiro, isto é, que se A não é verdadeiro, B deve ser verdadeiro; isto é, sabe que “se não-A,

então B” é verdadeiro (de modo equivalente, que “se não-B, então A” é verdadeiro).

A relação entre condicionais e disjunções serve para estender o tratamento conversacionalista das disjunções às condicionais. “Se A, então B” corresponde – e, de fato, é equivalente – a “não-A ou B”, e cada um é verdadeiro se A for falso ou B verdadeiro. Mas nenhum é asserível baseado simplesmente na falsidade de A, ou na verdade de B. Se Edmundo é covarde, daí se segue que tanto “Edmundo é covarde ou é um alpinista” quanto “Se Edmundo é corajoso, ele é um alpinista” são verda- deiras. Mas não se segue que qualquer uma das duas seja asse- rível, pois asseri-las implicaria que o fundamento da asserção é alguma conexão entre a covardia de Edmundo e alpinismo. Portanto, temos uma explicação da razão pela qual a suces- são de inferências parece problemática, mas essa explicação é consistente com correção das inferências. Se A é verdadeiro, então “A ou B” é verdadeiro, e, portanto, “se não-A, então B” é verdadeiro. Se “não-A” e “se não-A, então B” são verdadeiras,

B deve ser verdadeira. Logo, se tanto A quanto “não-A” são

verdadeiras, B deve ser verdadeira, qualquer que seja B. Isso não é um problema, pois nenhuma proposição e sua negação são simultaneamente verdadeiras; logo, para nenhuma propo- sição A temos que tanto A quanto “não-A” são verdadeiras.

Vamos pensar um pouco mais, entretanto, sobre a ideia de distinguir entre a assertibilidade e a verdade de uma proposi- ção. A ideia é aceitar os argumentos pela vero-funcionalidade de “se… então” e, portanto, aceitar que qualquer condicional com antecedente falso ou consequente verdadeiro é verdadeira; e assim explicar os contraexemplos inaceitáveis, não por serem falsos, mas por não serem asseríveis. A razão de não serem asseríveis é que eles são proferidos em circunstâncias nas quais se sabe que o antecedente é falso, ou que o consequente é verdadeiro, o que contradiz a implicatura conversacional que resulta da asserção da condicional, a saber, que nenhuma

asserção mais forte seria possível (isto é, negar o antecedente ou asserir o consequente).

Há uma abordagem alternativa. Grice atribuía a não asser- tibilidade dos exemplos a uma implicatura conversacional. Já Frank Jackson a atribuía a uma implicatura convencional. A diferença é que, enquanto Grice vê a implicatura como consequência de máximas conversacionais gerais (em particular, a máxima da quantidade), Jackson a identifica como um aspecto específico das condicionais. Ele define uma noção de “robustez”: uma proposição é robusta no que diz respeito a alguma informação se a alta assertibilidade da proposição não é afetada pela aquisição dessa informação. Algumas disjun- ções são robustas no que diz respeito à negação de ambos os disjuntos, outras não o são. Por exemplo, se eu digo “Churchill ordenou o bombardeio de Dresden” e você nega isso, um de nós deve estar certo, isto é, “ou eu estou certo ou você está certo” tem alta assertibilidade, que permanecerá alta quando alguma evidência revelar qual de nós dois estava correto. A disjunção é robusta no que diz respeito à negação de cada um dos disjuntos. Por outro lado, se eu sei que Mascagni escreveu

Cavalleria rusticana, mas escolhi asserir algo mais fraco, “Ou

Mascagni ou Leoncavallo escreveu Cavalleria rusticana”, essa disjunção, com alta assertibilidade, não é robusta no que diz respeito à negação do primeiro disjunto. Ao saber (se isso fosse o caso) que Mascagni não escreveu Cavalleria rusticana, eu me retrataria, e não iria inferir a autoria de Leoncavallo.

Para Jackson, é aqui que o silogismo disjuntivo e o modus

ponens entram na discussão. O ponto das condicionais, ele diz, é

mostrar que se pode aceitar o modus ponens. A condicional “Se Mascagni não escreveu Cavalleria rusticana, então Leoncavallo escreveu” para mim não é asserível, pois não é robusta no que diz respeito ao antecedente. Uma condicional “se A, então

B” é robusta no que diz respeito ao antecedente se tem uma

antecedente é verdadeiro. Somente nesse caso o modus ponens poderia funcionar. Mas no nosso caso, eu não continuaria a acreditar na condicional se soubesse que seu antecedente era verdadeiro. Minha única razão para acreditar nela (dada a tese de que ela é equivalente à disjunção correspondente) é minha crença na falsidade do seu antecedente. Logo, eu teria relutância em obter o consequente ao saber da verdade do antecedente. Inversamente, a condicional “se eu estou errado, então você está certo” é robusta no que diz respeito ao antecedente, pois eu não a asseri simplesmente porque não acredito no antecedente. Mas, segundo Jackson, condicionais não são robustas no que diz respeito à falsidade de seus consequentes. Essa é uma conse- quência de ele acreditar que a assertibilidade de uma condicional é dada pela probabilidade condicional do seu consequente sobre o seu antecedente, uma noção que iremos discutir na próxima seção. Se a baixa assertibilidade de condicionais verdadeiras fosse consequência da implicatura conversacional, elas seriam robustas no que diz respeito tanto à verdade dos antecedentes quanto à falsidade dos consequentes, pois o fato de elas terem sido asseridas implicaria, pela máxima da qualidade, que nada se sabia da falsidade de seus antecedentes, nem da verdade de seus consequentes. Portanto, se Jackson estiver certo acerca da assertibilidade ser medida pela probabilidade condicional, essa máxima pode ser o fundamento da sua baixa assertibilidade somente no caso de um antecedente sabidamente falso, mas não do consequente verdadeiro. (Nós veremos o cálculo que resulta nisso um pouco mais adiante.) A proposta de Jackson é a de que existe uma convenção específica no caso das condi- cionais, a saber, que elas são robustas no que diz respeito aos seus antecedentes, e, portanto, não asseríveis nas circunstâncias em que seus antecedentes são sabidamente falsos. O modus

ponens ser válido, isto é, da verdade do antecedente podermos

Entretanto, nem a teoria de Grice nem tampouco a de Jackson são defensáveis. Isso porque as condicionais proble- máticas – condicionais que parecem falsas, apesar de terem antecedente falso ou consequente verdadeiro – ocorrem no interior de contextos maiores. Lembre-se do exemplo sobre Churchill e considere a disjunção:

Ou se eu estava certo você também estava, ou se você estava certo eu também estava.

Posto que, nesse exemplo, você estava negando categoricamente o que eu havia dito, não é plausível considerar verdadeira nenhuma dessas condicionais. Entretanto, de acordo com a análise vero-funcional, se você estava certo, o primeiro disjunto é verdadeiro (consequente verdadeiro), ao passo que se você estava errado, o segundo disjunto é verdadeiro (antecedente falso). Grice explica isso dizendo que, embora uma das duas seja verdadeira, nenhuma é asserível. Mas nenhuma das duas foi asserida – o que foi asserido foi a disjunção. Asserção e assertibilidade são noções que se aplicam a proposições completas, e não a partes de proposições. A razão pela qual a disjunção acima parece ser falsa não é que, embora verdadeira, não é asserível por alguma razão, mas sim porque é falsa. E a razão pela qual é falsa é a de que, apesar do argumento em defesa da vero-funcionalidade das condicionais, condicionais não são vero-funcionais. Ainda que os defensores da análise vero-funcional possam protestar e tentar rejeitar os contrae- xemplos, parece ser claro que existem condicionais falsas com antecedente falso ou consequente verdadeiro.