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Isso que vimos é a metafísica conhecida como realismo modal ou, como prefiro chamá-la, realismo extremo ou platonismo modal – pois pretendo, mais adiante neste capítulo, defender uma metafísica realista diferente. O que é característico do platonismo – que tem esse nome em alusão ao filósofo grego do século 4 a.C., Platão, cuja teoria das formas tinha esse mesmo caráter – é que ele procura fundamentar a objetividade em objetos autos- subsistentes. A ideia é a de que condicionais, por exemplo, são objetivamente ou verdadeiras ou falsas, independentemente de nossa capacidade de determinar seus valores de verdade – até aqui trata-se de realismo –, e que a explicação para essa objetividade reside no fato que – digamos, segundo a teoria da “semelhança” – antecedente e consequente têm os valores de verdade que têm em mundos apropriados (e objetivamente) semelhantes ao nosso. Analogamente, proposições têm significado objetivamente – na teoria pictórica do significado de Wittgenstein mencionada no Capítulo 1 – em virtude de corresponderem a estados de coisas reais e independentes da mente, segmentos de histórias completas do mundo, todas reais, mas apenas uma atual.

Hallam, Denison e Selene têm contrapartes no parauniverso, contrapartes que ao mesmo tempo são uma única contraparte, Estwald. Os diferentes mundos são universos reais e concretos, contendo matéria física estendida no espaço e no tempo. é natural, dessa forma, enquadrá-los na concepção platonista. Concepções alternativas de mundos, que veem mundos como “modos como o mundo poderia ter sido”, frequentemente sugerem que objetos em um mundo não têm meras contrapartes em outros mundos, mas são idênticos a elas. Se imaginamos o que teria acontecido se Edmundo fosse corajoso estamos imaginando o que teria acontecido se o nosso Edmundo, o Edmundo do mundo real, fosse corajoso, não estamos pensando em alguma contraparte dele. Mas levar o platonismo a sério sugere fortemente que isso é incoerente. Certamente, uma ideia que naturalmente acompanha

o platonismo, e pode ser apoiada por um argumento, é a de que a afirmação de que Edmundo pudesse habitar diferentes mundos deve ser rejeitada. Se cada mundo tem realidade concreta, então Edmundo não pode estar ao mesmo tempo em dois mundos diferentes. Quando imaginamos como seria Edmundo se ele fosse corajoso, estamos pensando em alguém muito parecido com Edmundo – ou tão parecido quanto alguém poderia ser – sendo corajoso. Dua escapou, não do nosso Sol, mas sim de uma contraparte do Sol – muito menor e mais frio.

Como identificamos uma contraparte? Alguém poderia dizer que Dua não é a contraparte de Selene, mas sim que ela é a contraparte de Peter Lamont. São eles que, em seus respec- tivos mundos, tentam interromper o processo de troca. Selene, na Lua, não tem uma contraparte no parauniverso, pois nesse mundo a Terra não tem lua. Por outro lado, no trio, Dua tem as características femininas, e é “emocional”, ao passo que Selene é “intuitiva”. Identificar a contraparte de uma pessoa, ou de uma coisa, em outro mundo, parece se basear em características que são correspondentes. Ao pensar no que teria acontecido se Edmundo fosse corajoso, buscamos a pessoa, na outra situa- ção, mais parecida com Edmundo, exceto no que diz respeito à coragem, e nossa questão é respondida ao descobrirmos quais outras qualidades essa pessoa tem. Uma pessoa ou uma coisa pode não ter contraparte em alguma outra situação – se as forças nucleares fossem cem vezes mais fortes, diz Asimov, a Terra (a contraparte da Terra) não teria lua alguma. Não haveria Lua. Inversamente, quando Dua e Odeen pensam acerca do nosso mundo, eles julgam que o número de estrelas, e de pessoas, é inimaginável. Da perspectiva deles, existem muitas pessoas e coisas possíveis, mas não existentes – objetos possíveis que não têm uma contraparte atual.

O que esse raciocínio torna visível é uma embaraçosa simetria na concepção platonista modal. O que é atual, o que realmente existe, é relativo a cada mundo. Denison e Selene acreditam que nosso mundo é o mundo atual; o parauniverso é apenas como

as coisas poderiam ter sido se as leis da física fossem diferentes. Analogamente, Odeen e Dua acreditam que eles são reais; nosso mundo, para eles, é meramente uma possibilidade remota. Mas quando a bomba de pósitrons entra em ação, trocando matéria entre os dois universos, os outros se tornam reais e motivo de interesse. O que aconteceria com as pessoas – nós – no outro mundo, se o sol deles – nosso – explodisse? Na concepção platonista, todo e cada mundo é real. “Atual” conota apenas “o mundo ao qual pertenço”; “real” é ambíguo entre “atual” e “todo”. Todos os mundos são reais; todos os mundos realmente existem; não há mais o contraste entre o “possível” e a realidade. Toda possibilidade é realizada.

À primeira vista, a concepção platonista é convincente. Explicamos “possível” da seguinte forma: “é possível que A” signifique que existe um mundo possível em que A é verdadeira; “é necessário que A” significa que em todos os mundos possíveis

A é verdadeira. Assim, quantificamos sobre todos os mundos

possíveis – “existe…”, “em todo…”. Não deveria existir essa infinidade de mundos possíveis para podermos explicar as noções de possibilidade e necessidade? Ainda que tomássemos a metáfora seriamente e desenvolvêssemos uma teoria metafísica que realmente contivesse todos esses mundos possíveis, como realidades concretas realmente existentes, constataríamos, em última análise, que precisamente a noção que pretendíamos esclarecer escapa de nossas mãos. Imaginamos o que seria possível se Edmundo fosse corajoso; e constatamos que não seria Edmundo, mas algum doppelgänger, que teria praticado alpinismo. Edmundo está aqui entre nós; ele não pode habitar também um outro mundo. Mais grave ainda, temos agora difi- culdade em identificar sua contraparte. Edmundo não pode ser tão diferente – sua contraparte não pode ser muito diferente dele, ou não seremos capazes de localizá-la e rastreá-la. Quão diferente Edmundo pode ser e ainda assim ser (uma contraparte de) Edmundo? Quão diferente Edmundo pode ser sem deixar de ser (uma contraparte de) Edmundo? Além disso, trata-se

de Edmundo, o Edmundo real, como Edmundo efetivamente é. Sua contraparte deveria ser somente uma sombra, como Edmundo poderia ter sido, uma possibilidade. A possibilidade agora é real – a contraparte pensa que é o próprio Edmundo, como Edmundo efetivamente é, e para ela nós somos apenas uma remota possibilidade – nosso Edmundo é como Edmundo teria sido, caso não fosse corajoso. Mas essa não parece ser a concepção de possibilidade que procurávamos.

Ao identificar Edmundo, ou qualquer que seja o objeto de nossas reflexões modais, o platonista acerca de mundos possíveis lançará mão de uma dentre as seguintes estratégias. O ecceitista acredita que cada coisa tem uma essência individual, um conjunto de propriedades que são essenciais a tal coisa. Por exemplo, Edmundo é essencialmente um ser humano, e nenhuma contra- parte de Edmundo poderia ser algo diferente de um ser humano. Mas Edmundo não é essencialmente covarde, sua contraparte pode ser corajosa. Mais ainda: Edmundo tem também uma essência definidora, algo ainda mais característico dele do que ser um ser humano, pois essa última é uma característica que ele compartilha com outras pessoas. Edmundo deve também ter a propriedade essencial de “ser Edmundo”, e essa propriedade é compartilhada apenas com suas contrapartes nos outros mundos. é essa ecceidade (do latim haecceitas, um neologismo criado por Duns Scotus no fim do século 12, que significa literalmente “coisidade”) que nos torna capazes de localizar Edmundo (isto é, as contrapartes de Edmundo) em outros mundos. Suas proprie- dades determinam as propriedades modais de Edmundo.

O antiecceitista apresenta uma objeção a esse discurso ultra- essencialista. Eles podem ou não admitir que algumas proprie- dades são essenciais. Por exemplo, poucos sustentariam que Edmundo poderia ter sido um carro esportivo, uma doença ou uma linha de longitude. Isso pode ser porque ser um ser humano é, de algum modo, profundo, essencial para ele. Mas pode ser simplesmente porque as contrapartes de Edmundo são identi- ficadas pela semelhança com ele, por serem mais semelhantes

a Edmundo do que às outras coisas de seu mundo. Seja ou não essencialista, o antiecceitista nega que existam quaisquer essên- cias individuais. Se existissem, eles dizem, faria sentido supor que Edmundo e seu irmão Edgar pudessem trocar de lugar em algum outro mundo – que, em tal mundo, a contraparte de Edmundo poderia se comportar como Edgar se comporta aqui, e vice-versa. De fato, aparentemente dois mundos poderiam ser idênticos, exceto no que diz respeito a uma permutação de identidades, isto é, de contrapartes. Mas isso, o antiecceitista replica, é uma distinção sem diferença. Entre dois mundos deve haver uma diferença real, de modo que algum objeto não possua, em um mundo, uma propriedade que possui em outro. Identidade, ou a relação de contraparte, não é uma tal diferença. Quais objetos são as contrapartes de quais objetos depende das propriedades que eles têm, e não de alguma essência escondida por debaixo dessas propriedades.

Muitos anos atrás, Willard van Quine rejeitou em bloco a lógica modal com base na ideia de que seus proponentes se comprometiam com uma crença em essências. Ele estava disposto a admitir que algumas proposições são necessariamente verdadeiras (pelo menos, ele aceitava que essa ideia faz sentido, embora não concordasse com o modo como era descrita). Por exemplo, a proposição “9 é maior do que 7” é necessariamente verdadeira, pois é uma verdade da aritmética. Isso é modalidade

de dicto, modalidade atribuída a uma proposição (dicto vem do

latim dictum, para “proposição”). A interpretação de dicto de “necessariamente, 9 > 7” é a de que não é concebível a propo- sição “9 > 7” ser falsa. Mas 9 é também o número de planetas. Podemos com razão inferir que, necessariamente, o número de planetas é maior que 7? A proposição “o número de planetas é maior que 7” não parece ser necessariamente verdadeira, pois é concebível que existissem menos de 7 planetas. Não obstante, o princípio que utilizamos na inferência, em geral, é útil e seguro. Coloquialmente, é a garantia de Romeu para Julieta, de que “aquilo que chamamos uma rosa, mesmo com outro nome, teria

a mesma doçura”. “O que é um nome?”, pergunta Julieta. Posto que 9 é maior que 7, ao que se segue que o número de planetas é maior que 7, da mesma forma, aparentemente, do fato que necessariamente 9 é maior que 7, segue-se que, necessariamente, o número de planetas é maior que 7. O nome técnico desse princípio é indiscernibilidade dos idênticos, chamado também algumas vezes de Lei de Leibniz. Se a e b são idênticos, então suas propriedades são as mesmas. Se dois nomes significam uma mesma coisa, então as propriedades de tal coisa não dependem do modo pelo qual elas são nomeadas. (A conversa, a identi- dade dos indiscerníveis, segundo a qual se a e b têm as mesmas propriedades, a é idêntico a b, é muito mais controversa.)

Contudo, parece aqui que o princípio da indiscernibilidade dos idênticos nos leva, da afirmação verdadeira de que necessa- riamente 9 é maior que 7, para a afirmação falsa de que neces- sariamente o número de planetas é maior que 7. Pois é certo que poderiam existir apenas 6 planetas. Há uma explicação, que Quine conhece, mas que não é suficiente para aliviar seus temo- res. A resposta é distinguir dois tipos diferentes de nomes, nomes genuínos, e nomes não genuínos (ou dizer que estes últimos não são nomes de verdade). Somente nomes genuínos permitem a substituição de acordo com o princípio de indiscernibilidade de idênticos. O princípio diz que, dada uma proposição da forma

Fa, isto é, a atribuição de uma propriedade F a um objeto a, e

dada também a premissa “a = b” (isto é, que a e b são nomes da mesma coisa), podemos inferir Fb. O passo que vai de “Cícero denunciou Catilina” (que atribui a Cícero a propriedade de ter denunciado Catilina) e “Cícero é Túlio” (pois “Cícero” e “Túlio” são diferentes nomes de uma mesma pessoa, Marco Túlio Cícero) até “Túlio denunciou Catilina” tem essa forma, e nos leva de premissas verdadeiras a uma conclusão verdadeira. Por outro lado, “o maior orador romano” e “o número de planetas” não seriam nomes genuínos. (Veremos com mais atenção as razões para isso no próximo capítulo.) Tais expressões são descrições. A proposição “o maior orador romano denunciou Catilina” não

tem a forma Fa, associando um nome a um predicado, mas é um enunciado muito mais complexo, a saber, “existe, dentre os oradores romanos, um que é o maior de todos e que denunciou Catilina”. Analogamente, “o número de planetas é maior que 7” tem a forma “existe um x tal que x é o único G e x é F”, isto é, “algum número é o único número que corresponde ao número de planetas e tal número é maior que 7”. Quando analisadas dessa forma (a análise das descrições de Russell, que preparou o terreno para o desenvolvimento da filosofia analítica nos primei- ros anos deste século), as proposições “o número de planetas é 9” e “necessariamente, o número de planetas é maior que 7” não contêm nomes genuínos (além de “9” e “7”), e portanto não podem ser premissa e conclusão de uma aplicação do princípio de indiscernibilidade dos idênticos.

O problema inicial foi evitado. “Necessariamente, 9 > 7” é verdadeira e “necessariamente, o número de planetas é maior que 7” é falsa. Esta última não se segue da primeira pelo princí- pio de indiscernibilidade dos idênticos, posto que “o número de planetas é 9” não é a proposição de identidade que parece ser, e que o princípio requer. Mas, diz Quine, saímos de um problema para cair em outro ainda pior. Pois apliquemos a análise das descrições à proposição “necessariamente, o número de planetas é maior que 7”. Podemos fazer isso de duas maneiras diferentes. Ao analisar essa proposição, implicitamente damos ao nome não genuíno um escopo, pois a análise consiste em substituir uma forma aparente A(d), em que a descrição d ocorre na proposição

A, por uma proposição B, que não contém constituinte algum

que corresponda a d. Dizemos que a proposição A é o escopo da descrição. Em nosso exemplo, a descrição “o número de planetas” ocorre, tanto na proposição “necessariamente,… é maior que 7”, quanto na cláusula “… é maior que 7”, que é parte da proposição inteira. Substituindo a descrição na proposição maior, “necessariamente,… é maior que 7”, obtemos

Existe um número que é o único número que corresponde ao número de planetas e, necessariamente, tal número é maior que 7

ao passo que, substituindo a descrição na cláusula “… é maior que 7”, obtemos

Necessariamente, existe um número que é o único número que corresponde ao número de planetas e tal número é maior que 7.

(Na primeira, “necessariamente” tem escopo menor, e o quanti- ficador existencial que substituiu a descrição tem escopo maior, ao passo que, na segunda, “necessariamente” tem escopo maior, e o quantificador existencial que substituiu a descrição tem escopo menor.)

A última proposição é certamente falsa, pois não é necessário que exista um número maior que 7 e que tal número corresponda ao número de planetas. Se existissem apenas 6 planetas (como acreditava Newton, por exemplo), não existiria tal número. Essa proposição não causa problemas e dissolve o quebra-cabeças inicial. Mas o que dizer da primeira proposição? Lembre-se das premissas do argumento que dá origem ao quebra-cabeças: “necessariamente, 9 > 7” e “existe um número que é o único número que corresponde ao número de planetas e tal número é 9”. A expressão “9” é um nome genuíno (assim foi considerado, ao contrário da expressão “o número de planetas”). O princí- pio da indiscernibilidade, portanto, produz “existe um número que é o único número que corresponde ao número de planetas e, necessariamente, tal número é maior que 7”, precisamente a proposição acima. Portanto, ela é verdadeira – implicada por premissas verdadeiras. Mas o que ela diz? Ela diz que algum número é necessariamente maior que 7. Qual número, pergunta Quine? “9”, ele responde, “– isto é, o número de planetas”.

Essa última objeção é puramente retórica. Vimos que não podemos substituir “9” diretamente pela descrição correspon- dente. Mas existe uma questão séria por trás desse movimento

retórico. A aceitação de nomes genuínos nos compromete com a modalidade de re, a atribuição de propriedades modais a objetos. Quine aceitaria (dependendo de análises adicionais) a modalidade de dicto, a atribuição de propriedades modais a proposições. Mas atribuições de re verdadeiras (re do latim res, “coisa”) são totalmente diferentes. Elas dizem que os próprios objetos, independentemente de como são descritos, necessa- riamente possuem propriedades. Isso é um essencialismo que, para Quine, é um vestígio da ciência aristotélica corretamente rejeitado pela revolução científica do século 17 e sua ênfase no método empírico.

ATUALISMO

A solução de Quine é restringir o campo de aplicação do princípio de indiscernibilidade, e sua justificativa reside na renúncia efetiva da lógica modal e da metafísica de mundos possíveis, que vem junto com ela. A lógica é restrita ao paradigma clássico do Capítulo 2, e a teoria das modalidades torna-se uma teoria questionável, a ser rejeitada, em última análise, pelos seus argumentos contra analiticidade e significado. Antes disso, Quine constrói toda modalidade como sendo de dicto, e a toma literalmente em termos de citação. Isto é, proposições modais da forma “necessariamente A” são consideradas proposições da forma Fa, onde a nomeia a proposição A e F é o predicado “é necessariamente verdadeira”. Assim, “necessariamente 9 > 7” torna-se “‘9 > 7’ é necessariamente verdadeira”. Os nomes “9” e “7” ficam então escondidos dentro da citação, protegidos do princípio da Indiscernibilidade. Nem se discute se a citação é “opaca” à substituição, como propõe Quine. Que Túlio seja Cícero não nos permite inferir, do fato que “Túlio” tem 5 letras, que “Cícero” também tem 5 letras.

Consideramos dois extremos: realismo extremo de um lado e, do outro, a total rejeição do discurso modal. Entretanto, nenhum

dos dois é satisfatório. O platonismo trata possibilidades como realidades concretas, fazendo desaparecer a distinção entre o que é atual e o que é apenas possível. E isso, ou restringe a gama de possibilidades de modo a permitir a identificação de contrapartes pela sua semelhança, promovendo um tipo de essencialismo não justificado; ou postula ecceidades, essências íntimas e encobertas compartilhadas apenas pelas contrapartes, um tipo de essencia- lismo mágico. Não é de se estranhar que isso seja rejeitado por Quine. Entretanto, é preciso que a rejeição do platonismo seja assim tão violenta? Será que não há um meio-termo razoável?

Sim, existe um meio-termo, uma forma de atualismo que distingue de modo rigoroso o mundo atual da gama de mundos possíveis. Há duas formas principais de atualismo: o reducio- nismo, em suas muitas variantes, que busca construir mundos possíveis a partir de uma matéria-prima mais mundana e fami- liar; e o realismo moderado, no qual o mundo atual e concreto opõe-se a mundos possíveis abstratos, porém reais. Os defeitos do reducionismo podem ser caracterizados pela consideração de duas de suas variantes. Em uma, mundos possíveis são identifi- cados com combinações conjuntísticas de elementos básicos do mundo atual – por exemplo, pontos do espaço-tempo, átomos, o que quer que seja. O problema é a limitação daí resultante, pois os constituintes básicos de todos os mundos são os mesmos, o que entra em conflito com nossa intuição de que o mundo poderia, no mínimo, ter constituintes de algum modo diferentes. (Contudo, lembre-se, conforme o Capítulo 1, que isso era negado por Wittgenstein: para ele, os objetos eram comuns a todos os mundos.) Tais formas de reducionismo falham, portanto, em fornecer uma variedade suficiente para a gama de mundos possíveis. A outra falha importante com o reducionismo acerca de mundos possíveis é similar a um problema do reducionismo acerca de números. Os chamados números de Von Neumann têm um isomorfismo estrutural com o conjunto de números naturais – construímos cada número como o conjunto consti- tuído por todos os seus predecessores. Assim, 0 é considerado o

conjunto vazio; 1 é o conjunto cujo único membro é o 0; 2 é o conjunto cujos membros são 0 e 1; e assim por diante. Além de ser elegante, tratar os números como números de Von Neumann tem vantagens técnicas, permitindo que algumas provas sejam obtidas mais facilmente. Mas, do ponto de vista filosófico, esse tratamento é inaceitável. O que quer que seja o número 2, ele não é um conjunto com 2 membros, nem é um membro do número 3. Algo análogo ocorre com mundos possíveis. Podemos cons- truir mundos possíveis a partir de proposições (por exemplo, identificando um mundo possível com o conjunto de proposições verdadeiras em tal mundo), de decimais infinitos (uma descrição de um mundo pode ser codificada como uma expressão infinita desse tipo) e de inúmeras outras formas. Mas “ser verdadeira em” (um mundo) não é o mesmo que pertencer a (um conjunto). Todas essas alternativas se parecem muito mais com jogos mate- máticos e são pouco convincentes como uma teoria de mundos possíveis.

Quando pensamos que Edmundo poderia ter sido corajoso, ou que 9 deve ser maior que 7, quantificamos sobre mundos possíveis. Há um modo que as coisas poderiam ter sido em