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Uma resposta melhor a essa dificuldade talvez pudesse ser obtida pela adoção de uma epistemologia não fundacionalista. Mas, ainda assim, permanecemos com a primeira dificuldade, a de responder ao problema da barba de Platão. Precisamos que nossa teoria estabeleça uma distinção entre, por exemplo, de um lado, “Rei Lear enlouqueceu” e “Rei Lear era Rei Lear” e, de outro, “Rei Lear era Hamlet” e “Rei Lear matou Duncan”. Nem a teoria de Russell, nem a de Frege, faz isso: a primeira diz que todas são falsas; a segunda, que nenhuma tem valor de verdade.

Na verdade, estou usando a frase “barba de Platão” em sentido um pouco diferente do de Quine. Para mim, essa frase denota o seguinte problema: como é possível que sentenças com nomes vazios tenham significado? Para Quine, “barba de Platão” denota uma resposta particular para esse problema: que nomes vazios, embora não devessem denotar coisa alguma existente, no entanto, denotam algo – todos têm ser, muito embora apenas alguns existam efetivamente. O mais famoso defensor dessa concepção em tempos recentes foi o próprio Russell, que em 1903 escreveu “ser é o que pertence a tudo o que é concebível, a todo objeto possível do pensamento”. Russell escapou dessa extravagância com a sua teoria das descrições.

Essa concepção extravagante de Russell certamente foi resul- tado da influência do filósofo alemão contemporâneo Alexius Meinong. Mas essa não era a concepção de Meinong. Segundo Meinong, muitos objetos estariam “além do ser e do não ser”. Ele não acreditava, ao contrário do que frequentemente se diz, que além das coisas que existem, todas as outras coisas “subsis- tem”. Para ele, objetos concretos existem; objetos abstratos subsistem; e, além disso, todo termo denota um objeto para o qual a questão do ser nem deveria ser levantada. O princípio

central da sua doutrina era o Princípio de Independência entre o ser e a essência – isto é, se um objeto tem certas propriedades é independente de se o objeto tem ser e de que tipo de ser é esse. Pégaso é um cavalo alado, ainda que ele não exista; a montanha de ouro é feita de ouro, ainda que ela não exista; o cavalo que não é um cavalo é um cavalo, mas não há um tal cavalo. Como colocou Meinong, de um modo paradoxalmente agressivo, “existem objetos tais que não existem tais objetos”.

Ainda que todos os seguidores de Meinong protestem que essa concepção é diferente da do jovem Russell, ela é igualmente extra- vagante. Ela começa por reconhecer nossa intuição – Rei Lear enlouqueceu, mas não matou Duncan –, mas está na iminência de ir além dessas intuições, admitindo o que Quine chamou de “favela ontológica” e outros de “selva de Meinong”. Considere o cavalo que não é um cavalo. Isso não é uma contradição? Segundo Meinong, o princípio da não contradição se aplica somente a objetos possíveis. Esses objetos são impossíveis – essa é a razão pela qual o cavalo que não é um cavalo não existe e nem mesmo subsiste.

No Capítulo 4 defendi um realismo moderado acerca de mundos possíveis – que existem tais mundos e que eles são reais, mas abstratos. Outros mundos possíveis diferem do mundo real porque são meras possibilidades abstratas, ao passo que este mundo é concreto. No Capítulo 3 propus que a semântica das condicionais requer que admitamos “mundos impossíveis” além dos mundos possíveis, mundos nos quais contradições são verdadeiras. Por exemplo, para avaliar a condicional “se Pégaso fosse um cavalo que não é um cavalo, então…” precisamos considerar um mundo no qual Pégaso é um objeto impossível, um cavalo que não é um cavalo. Não seria essa posição a mesma que a de Meinong, e igualmente extravagante? Eu estaria me comprometendo a rejeitar o princípio da não contradição para algumas classes de objetos?

Existe uma diferença crucial entre as duas posições, entre, de um lado, a posição que sustentei acerca da semântica da moda- lidade e, de outro, a ontologia de Meinong e do jovem Russell. Enquanto eu digo “poderia ter existido um cavalo alado, mas não existe”, Meinong e Russell dizem “existe um cavalo alado que não existe”. Enquanto eu digo “considere uma situação (um “mundo impossível”) na qual Pégaso é um cavalo que não é um cavalo”, não estou admitindo que existe um cavalo impossível. Claramente isso não é o caso, como afirma o princípio da não contradição. A distinção diz respeito ao que é varrido pelos quan- tificadores. Quando dizemos “existe algum” ou “para todos”, estamos quantificando sobre o que efetivamente existe ou sobre o que poderia (ou não) ter existido? Russell, em 1903, quantificava sobre “todas as coisas concebíveis”; Meinong quantificava sobre “objetos tais que não existem tais objetos”. Eu não faço isso.

Por essa razão, nem a teoria de Meinong nem a do jovem Russell são lógicas livres. “Lógica livre” é uma abreviação para “lógica livre de pressupostos existenciais”. Há dois pressupos- tos existenciais embutidos na lógica clássica, a visão ortodoxa que consideramos no Capítulo 2. Um é o de que o domínio dos quantificadores não seja vazio; o outro é o de que todos os termos denotem. O primeiro tem a consequência de que “existe um x tal que x é F ou x não é F” é uma verdade lógica (clássica) (para todo F); o segundo tem a consequência de que, para todo termo

a, “a é F” é consequência lógica de “para todo x, x é F”. Nem

todas as lógicas livres rejeitam o primeiro pressuposto (de que o domínio não é vazio). As que rejeitam são chamadas “lógicas universalmente livres”. Se o domínio for vazio, então não existe valor de x para o qual ou “x é F” ou “x não é F” é verdadeiro. Mas, se o domínio não for vazio, então deve existir um valor de

x que denote algo no domínio, acerca do qual, ou a atribuição

de F será verdadeira, ou não.

Não se pode dizer que lógicas livres quantifiquem mais sobre o que não existe do que a lógica clássica. O fato de serem livres diz respeito ao pressuposto clássico de que todos os termos, isto

é, toda constante individual, ou nome, ou descrição, ou expressão funcional (a menos que sejam eliminadas por análise), denotam alguma coisa que existe. é usual classificar as lógicas livres em três tipos: positivas, negativas e neutras. Lógicas livres positivas são aquelas que sustentam que algumas proposições contendo termos vazios (isto é, termos que denotam algo que não existe) são verdadeiras; lógicas livres negativas sustentam que todas as proposições desse tipo são falsas; e lógicas livres neutras susten- tam que todas essas proposições não têm valor de verdade. Com efeito, essa classificação não ajuda muito e é completamente superficial. Ela diferencia lógicas livres que são similares em importantes aspectos e coloca juntas lógicas que são essencial- mente diferentes. Por exemplo, o método de sobrevalorações, que iremos considerar na próxima seção, considera que algumas proposições contendo termos vazios são verdadeiras, ainda que seus pressupostos metafísicos – ou pelo menos a metafísica das lógicas livres que usam sobrevalorações – tenham muito mais em comum com lógicas livres negativas e neutras.

A diferença filosófica mais importante entre as lógicas livres diz respeito às semânticas para “termos vazios”. Até aqui carac- terizei termos vazios de modo equivocado, como termos que “denotam algo que não existe”. Isso cobre duas possibilidades: que tais termos literalmente se referem a coisas que não existem; e que tais termos não se referem a coisa alguma – isto é, que eles simplesmente não têm referência. Chamarei o primeiro tipo de “lógica livre de domínio externo” e o segundo de “lógica livre não referencial”. As características distintivas da lógica livre de domínio externo são as de que todo termo se refere a algo, mas o domínio dos objetos referidos pelos termos é dividido em domínio interno e domínio externo. O domínio interno é como na lógica clássica (com a única diferença que permitimos que seja vazio, se quisermos uma lógica universalmente livre): ele consiste de objetos cuja existência é real, Cícero, Maravilha Negra, minha escrivaninha, o planeta Plutão etc. O domínio externo consiste nas referências dos “termos vazios” Pégaso, Rei

Lear, a montanha de ouro, o quadrado redondo etc. O domínio externo não pode ser vazio, pois todo termo deve referir; logo, o domínio mínimo consiste em um domínio externo com um único elemento e um domínio interno vazio. (é certo que não é isso o que acontece de fato. Mas lembre-se do que vimos no Capítulo 2 sobre consequência lógica, de que é necessário permitir que o domínio varie para evitar a produção de verdades lógicas e consequências lógicas indesejáveis.)

Até aqui, a lógica livre de domínio externo parece correspon- der exatamente à teoria de Meinong – um domínio interno de objetos reais (se existentes ou subsistentes é uma mera questão terminológica) e um domínio externo impossibilista absoluta- mente extravagante. A diferença crucial foi mencionada acima: os quantificadores na lógica livre varrem apenas o domínio interno. “Pégaso é um cavalo alado” é verdadeira, mas daí não se segue que exista um cavalo alado, pois “existir” significa “existir real- mente” e Pégaso não é um dos indivíduos que realmente existem, pois não está no domínio interno. A inferência “a é F, logo, existe um x tal que x é F” não funciona. O termo a pode denotar algo no domínio externo, enquanto o quantificador “existe um x” varre apenas o domínio interno. Se o domínio interno pode ser vazio, temos uma lógica universalmente livre: “existe um x tal que x é F ou x não é F” não é uma verdade lógica, pois é falsa se o domínio interno for vazio. Independentemente disso ser o caso, a inferência que tipicamente distingue a lógica clássica da lógica livre falha: “para todo x, x é F” é verdadeira se todo objeto do domínio interno é F; entretanto, “a é F” pode ser falsa, posto que a pode denotar algo no domínio externo que seja F. Por exemplo, “nenhum cavalo tem asas” (isto é, “para todo x, se x é um cavalo, x não tem asas”) é verdadeira, mas “Pégaso não tem asas” é falsa. A regra de instanciação (ou eliminação do universal, como é também chamada), para todo termo a, “para todo x, x é F, logo, a é F”, é inválida na lógica livre.

Diferentemente, essa forma de inferência na lógica livre requer uma premissa extra, a saber, “a existe”. “a é F” se segue de

“para todo x, x é F” e “a existe”. Pois, se “a existe” é verdadeira, então a referência de a está no domínio interno, e todo objeto do domínio interno é F, posto que “para todo x, x é F” é verda- deira. Em outras palavras, esta última fórmula significa “para todo x que existe, x é F”. O quantificador varre apenas objetos existentes. Similarmente, a regra de introdução do existencial (ou generalização existencial) também requer a mesma premissa adicional e tem a forma “a é F e a existe, logo, existe x tal que

x é F”. Na lógica clássica a segunda premissa não é necessária,

mas na lógica livre, a poderia denotar um objeto não existente. Não se deve concluir disso tudo que, na lógica livre, “existe” é uma propriedade (de primeira ordem). “a existe” significa que a referência de “a” está no domínio interno. Portanto, “a existe” significa que existe algo (no domínio interno) que é o a, isto é, existe um x tal que x é a (posto que “existe um x” significa “existe um x no domínio interno”, isto é, “para algum x que existe”). Em outras palavras, “a existe” é verdadeira se o predi- cado de primeira ordem, “ser idêntico a a”, tem uma instância (que existe). Em geral, “existe um x tal que x é F” significa que a propriedade de ser um F tem uma instância, isto é, uma instância no domínio interno, o domínio das coisas que existem.

Vimos que a teoria de Meinong era contraditória – essa era a maior objeção de Russell. Se permitirmos que “o cavalo que não é um cavalo” seja um termo legítimo, que denote um objeto impossível, e também que os elementos descritivos em tal nome devem ser verdadeiros no que diz respeito ao objeto referido pelo nome, então o cavalo que não é um cavalo é um cavalo e não é um cavalo. No contexto do ex falso quodlibet, isso trivia- liza a teoria, pois daí se segue a verdade de toda proposição. A inconsistência que afeta os objetos impossíveis se estende a todos os objetos, mesmo os existentes. Poderíamos tentar evitar esse problema adotando uma lógica paraconsistente ou relevante, na qual EFQ seja inválido. Mas a lógica livre, na sua forma usual, é uma extensão da lógica clássica e, portanto, aceita EFQ. Seria a

lógica livre também inconsistente e trivial, pelo menos a versão da lógica livre com domínio externo, na qual considera-se que “o cavalo que não é um cavalo” e termos desse tipo denotam elementos do domínio (externo)? A resposta é negativa, e a razão está na restrição imposta aos quantificadores, que varrem apenas objetos existentes.

A ameaça de inconsistência e o modo de evitá-la é o seguinte: uma inconsistência resulta porque somos forçados a admitir que o F (ou um F) é F, para um predicado inconsistente F. Pois suponha que afirmamos que tudo o que é um F é F, isto é, para todo x, se x é um F, então x é F. (Vamos chamar esse princípio, seguindo Meinong, de princípio da essência, PE.) Então, consi- derando que um F existe, por instanciação de PE segue-se que se um F é um F, então um F é F. Portanto, se é universalmente verdadeiro que um F é um F, temos a conclusão indesejada que um F é F. Isto é, a conclusão indesejada (pela inconsistência iminente) se segue de PE (que qualquer coisa que é um F é F), um pressuposto razoável, e de apenas duas premissas, que um

F existe e que um F é um F.

Por exemplo, daí se segue que o cavalo que não é um cavalo é um cavalo; e não é um cavalo somente se o cavalo que não é um cavalo existe e é idêntico a si mesmo. Podemos evitar a inconsis- tência, portanto, pelo fato de que não existe um tal cavalo – na verdade, a derivação da contradição nos diz, por uma aplicação usual do reductio ad absurdum (se é que não percebemos isso ainda), que não existe nenhum cavalo que não seja um cavalo. Esse exemplo é transparente: mas poderia existir um predicado F que não fosse obviamente inconsistente, mas que a pressuposição de que o F é F implicaria uma contradição. A resposta natural é que não pode existir um tal F.

A inconsistência é evitada pela diferença crucial entre a lógica livre (de domínio externo) e a doutrina de Meinong – que os quantificadores varrem apenas os objetos existentes. Dizer que qualquer coisa que seja um F é F é dizer que qualquer objeto

existente que seja um F é F. Daí não se segue que Fs não exis- tentes nunca são F; alguns são, e outros não – e se há a ameaça de inconsistência, não são.

SOBREVALORAçõES

Ainda assim, há algo insatisfatório com o domínio externo na lógica livre, a saber, a bivalência. Ela não é apenas uma lógica livre positiva, isto é, em que alguma proposição que contenha um nome vazio é verdadeira; antes, toda proposição que contenha um nome vazio ou é verdadeira ou é falsa. Isto é, a lógica livre de domínio externo nos força a decidir, para toda proposição acerca de um não existente, se ela é verdadeira ou falsa. Com efeito, mesmo a lógica clássica exige que aceitemos a bivalência para proposições acerca de objetos existentes, mesmo nos casos em que não podemos decidir se a proposição é verdadeira ou falsa. Por exemplo, “Oswald matou Kennedy” ou é verdadeira ou falsa, assim como a conjectura de Goldbach, “todo número par maior que 2 é a soma de dois primos”, uma famosa conjectura da aritmética, ainda sem solução. O realista responde que tais proposições são de fato verdadeiras ou falsas, independentemente de sermos capazes de determinar seus valores de verdade. (Iremos considerar no Capítulo 8 a rejeição antirrealista da bivalência.) Essa resposta, plausível para objetos existentes, não é plausível para objetos não existentes, personagens ficcionais, míticos etc. Considere as proposições “Rei Lear podia assoviar”, “Pégaso tinha 40 centímetros de altura” e “o cavalo que não é um cavalo é um cavalo”. As duas primeiras poderiam nos compelir a investigar a obra de Shakespeare, ou lendas e mitos antigos, para obter uma resposta. Mas, se alguém seriamente acredita que Lear e Pégaso são criaturas míticas, deve estar preparado para que aquela pergunta não tenha resposta alguma. Se eles outrora existiram, existem verdades objetivas acerca deles que nós, entretanto, sem dúvida jamais saberemos. Caso contrário, se eles não existiram, as respectivas proposições não são verdadeiras

nem falsas. Acerca do cavalo que não é um cavalo, acabamos de ver que ele não pode simultaneamente ser e não ser um cavalo e, portanto, é plausível que nem um nem outro seja o caso.

O que as considerações feitas acima deveriam mostrar é que a lógica livre com domínio externo de fato evita o problema. Quando dizemos que um nome é vazio, que não se refere a coisa alguma, isso não significa que tal nome se refere a algo que não existe; nós queremos dizer que tal nome não tem referência. Não há de fato coisa alguma à qual ele se refere – isto é, ele é não referencial. é essa a ideia assumida pela lógica livre não referencial. Existe um domínio de existentes que é varrido pelos quantificadores; pode ou não existir um domínio externo de não existentes, e nomes podem ou não ter referência. Proposições que contêm nomes que têm referência (sejam existentes ou não) são avaliadas da maneira usual. A questão é: como avaliar proposi- ções que contenham nomes vazios?

Na verdade, aquilo a que aspiramos é claro: não queremos que todas as proposições acerca de não existentes sejam falsas (lógica livre negativa), como no tratamento de Russell; nem que sejam sem valor de verdade (lógica livre neutra), como na teoria de Frege; nem queremos exigir que toda proposição tenha um valor de verdade, como na lógica livre de domínio externo. Algumas proposições são verdadeiras, como, por exemplo, “Rei Lear enlouqueceu”; outras são falsas, como “Lear matou Duncan”; e algumas não têm valor de verdade, como “Lear podia assoviar”.

A questão, até onde diz respeito à lógica, é se essas aspirações podem ser obtidas preservando uma lógica, isto é, de modo compatível com um tratamento aceitável da verdade lógica e da consequência lógica. Considere a regra de adição, ou intro- dução da disjunção, a inferência que obtém “A ou B” de uma proposição A. A pode ser verdadeira ou falsa, ou não ter valor de verdade. De que modo o valor de verdade de “A ou B” é relacionado com os valores de A e B? Devemos preservar os valores clássicos: se A e B são verdadeiras, ou uma é verdadeira e a outra falsa, “A ou B” é verdadeira; se A e B são falsas, “A ou

B” é falsa. Mas o que fazer se A ou B não tem valor de verdade?

Temos duas opções. Podemos interpretar a ausência de valor de verdade como uma espécie de praga que infecta tudo o que toca – assim, se ou A ou B não tem valor de verdade, “A ou B” também não terá. Ou podemos, por outro lado, considerar que, digamos, se A é verdadeira, “A ou B” é verdadeira independen- temente do valor de verdade de B (e analogamente para B), de modo que “A ou B” não tem valor de verdade somente se ambas as proposições A e B não tiverem valor de verdade. A primeira opção corresponde às chamadas matrizes fracas de Kleene (as matrizes são tabelas, similares às tabelas de verdade, que repre- sentam o valor de verdade de “A ou B” – e outras combinações – dependendo dos “valores” de A e B, sendo esses “valores” o verdadeiro, o falso, ou a ausência de valor de verdade). A segunda opção corresponde às matrizes fortes de Kleene. Nas matrizes fracas, “A ou B” não tem valor de verdade se ou A ou

B não tiver valor de verdade e, nos outros casos, reproduzem

as tabelas de verdade clássicas. Nas matrizes fortes, “A ou B” é verdadeira se A é verdadeira ou B é verdadeira; e não tem valor de verdade somente se tanto A quanto B não tiverem valor de verdade, ou uma for falsa e a outra não tiver valor de verdade.

Vamos trabalhar com as matrizes fortes, pois o problema que se segue também afeta, entre outras coisas, matrizes fracas. O tratamento clássico da consequência diz que uma proposição é consequência de outras proposições se nenhuma interpretação leva de premissas verdadeiras a uma conclusão falsa. Mas isso irá permitir a inferência que vai de “a é F” a “a existe”, a qual não queremos, pois nos faria deixar de lado os nomes vazios. Sempre que “a é F” é verdadeira, “a existe” é verdadeira; quando “a é F” não tem valor de verdade, “a existe” é falsa. Assim, precisamos estender o tratamento clássico da consequência de modo a incluir os casos em que ocorre ausência de valor de verdade. Para excluir a inferência que conclui “a existe” de “a é F”, precisamos rejeitar como inválido o passo que vai da ausência de valor de verdade à falsidade. Isto é, diremos que uma proposição é consequência

de outras se nenhuma interpretação leva de proposições que não são falsas a uma proposição falsa. Infelizmente, essa revisão do critério de validade irá invalidar inferências que gostaríamos de considerar válidas. Considere, por exemplo, o passo que vai de “a é F e a é não-F” para “b é G” – lembre-se que a lógica livre (tal como foi desenvolvida aqui) é uma extensão da lógica clássica e, portanto, qualquer proposição se segue de uma contradição. Suponha que b existe e não é G. Se a não é vazio, premissas e conclusão serão falsas; mas se a é vazio, a premissa não tem valor