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Para defender essa posição, precisamos de duas coisas: mostrar um tratamento alternativo para condicionais e dizer onde está a falha no argumento em defesa da análise vero-funcional. Um tal tratamento desenvolve uma ideia cuja origem pode ser encontrada em Frank Ramsey. A ideia é a seguinte: para decidir se você deve acreditar ou não em uma condicional, adicione provisória ou hipoteticamente o antecedente às suas crenças e considere então se acredita ou não no consequente. Isso reduz a questão de acreditar nas condicionais à questão de acreditar em proposições não condicionais, isto é, proposições categóricas ou apodíticas. (Algumas vezes antecedente e consequente são denominados “prótase” e “apódose”.) Devemos acreditar em uma condicional se a crença no antecedente nos compromete a acreditar no consequente.

Aqueles que utilizaram a proposta de Ramsey, frequen- temente denominada Teste de Ramsey, se dividem em dois grupos. Alguns, como Jackson ou David Lewis, acreditam que condicionais indicativas são vero-funcionais; mas eles admitem que condicionais subjuntivas não podem ser vero-funcionais. Um tipo importante de condicional subjuntiva é a condicional contrafactual, cujo antecedente é sabidamente falso ou conside- rado falso. Por exemplo, se alguém diz

Se Oswald não tivesse matado Kennedy, outra pessoa teria matado

está considerando, ou pressupondo, que Oswald matou Kennedy. Se todas as condicionais fossem vero-funcionais, condicionais desse tipo seriam todas verdadeiras em virtude da falsidade dos seus antecedentes (ou pelo menos seriam consideradas verdadei- ras por todos aqueles que compartilhassem dessa pressuposição). Isso as tornaria sem sentido. Alguém que asserisse a condicional acima desejaria negar

Se Oswald não tivesse matado Kennedy, ninguém mais o teria matado.

Se condicionais contrafactuais fossem vero-funcionais, essa condicional também seria verdadeira.

O outro grupo que adotou o teste de Ramsey inclui aqueles que foram persuadidos pela ideia de que condicionais indicativas não são vero-funcionais, e assim veem o teste de Ramsey como uma maneira de fornecer um tratamento, tanto de condicionais indicativas quanto de subjuntivas. Na verdade, Robert Stalnaker, o principal defensor dessa posição, minimiza a distinção entre condicionais indicativos e subjuntivos, vendo-a como um aspecto essencialmente pragmático, que não reflete uma diferença acentuada nas suas condições de verdade, mas, antes, reflete simplesmente o fato de que a falsidade do antecedente foi admi- tida, e talvez esteja aberto um maior número de possibilidades. (Vamos retornar a esse ponto na próxima seção.) Já que esta- mos interessados em alternativas à vero-funcionalidade, vamos seguir Stalnaker e elaborar o teste de Ramsey para condicionais indicativas.

Ao apresentar o teste de Ramsey houve uma troca, da verdade e condições de verdade, para crença e ocorrência de crença – para credenciais e credibilidade. Podemos tratar a noção de crença, relacionando-a à noção de verdade, interpretando-a como uma função de probabilidade. A probabilidade de uma proposição é a probabilidade de ela ser verdadeira. é uma medida de quão provavelmente a proposição é verdadeira. Uma função de proba- bilidade é uma função que atribui a cada proposição um número entre 0 e 1, de modo que a proposições totalmente improváveis, contradições lógicas por exemplo, é atribuído 0, e a proposições logicamente verdadeiras, isto é, tautologias, é atribuído o valor máximo 1. A probabilidade de uma disjunção de duas propo- sições que não podem ser ambas verdadeiras é igual à soma de suas probabilidades. Assim, por exemplo, a probabilidade de “não-A”, que designamos por “p(não-A)”, é igual a 1 – p(A),

posto que “A ou não-A” é uma tautologia (logo, sua probabi- lidade é 1), e A e “não-A” não podem ser ambas verdadeiras.

Dada uma medida de probabilidade p1 e uma proposição

E, podemos obter outra medida p2 pela condicionalização de E. A ideia aqui é a de que a distribuição das atribuições de

probabilidade medidas por p1 terão sido feitas com base em

certas evidências, e serão a medida das crenças obtidas com base naquelas evidências. Posteriormente, evidência adicional E é obtida; e com base em E, queremos revisar nossas atribuições de probabilidade e chegar a uma distribuição revisada de juízos de probabilidade, p2. Para cada proposição A, estabelecemos que

p2(A) é a probabilidade anterior de “A e E”, p1(A e E), sendo A e

E verdadeiros, dividida pela probabilidade anterior da evidência, p1(E). (é claro que ao condicionalizar sobre E, p1(E) não deve ser zero; não deve ser impossível a evidência ser obtida.) Essa razão,

é chamada probabilidade condicional de A sobre E, e escrevemos

p1(A/E). Assim,

, desde que p 1(E) ≠ 0

Vejamos um exemplo, a probabilidade de se tirar uma carta de um baralho comum de 52 cartas – quatro naipes de 13 cartas, sem curinga. A teoria da probabilidade tem duas interpretações: uma probabilidade objetiva, que resulta da frequência de resultados particulares, e uma probabilidade subjetiva, que corresponde às crenças de alguém formadas a partir de evidências. A primeira é ilustrada pelo baralho de cartas (e similarmente pelos lançamen- tos de uma moeda ou um dado); a segunda é a que o teste de Ramsey se refere. Não é nem um pouco óbvio que elas estejam

de acordo, ou que crenças reais correspondam a distribuições de frequência objetiva. Não obstante, as frequências objetivas são úteis para ilustrar o uso das funções de probabilidade, e podem ser vistas, se quisermos, como medidas das crenças de um observador ideal e objetivo.

Ao se retirar uma única carta ao acaso de um baralho bem embaralhado, a probabilidade de retirar copas, p(copas) = 1/4; de retirar um ás, p(ás) = 1/13; e de retirar um ás de copas, p(ás de copas) = 1/52. Pois há 13 modos de retirar uma carta de copas dentre 52 modos de retirar uma carta qualquer; 4 modos de retirar um ás; e apenas 1 modo de retirar um ás de copas. A probabilidade de não se retirar copas, p(não-copas) = 3/4, pois há 39 resultados desse tipo, o que corresponde a 1 – p(copas). Além disso, p(não-copas) = p(paus ou ouros ou espadas), e posto que paus, ouros e espadas são mutuamente excludentes, podemos somar tais probabilidades separadamente, isto é, p (paus ou ouros ou espadas) = p(paus) + p(ouros) + p(espadas) =

1/4 + 1/4 + 1/4 = 3/4, como seria esperado. Outro exemplo de soma de probabilidades – que somente pode ser feita quando os resultados são excludentes – é a probabilidade de se retirar uma figura, p(figura) = p(rei ou dama ou valete) = p(rei) + p(dama) + p(valete) = 1/13 + 1/13 + 1/13 = 3/13. Note, entretanto, que

p(copas ou ás) = 4/13 ≠ p(copas) + p(ás) = 17/52, pois os resul- tados de se retirar copas ou ás não são excludentes – eu poderia retirar o ás de copas.

Para ilustrar as probabilidades condicionais, considere a probabilidade de que uma carta de figura que tenha sido retirada seja um rei:

pois p(rei e figura) = p(rei), e isso é claramente correto – existe 1 em 3 chances de que uma carta de figura seja um rei.

Por outro lado,

pois nenhuma carta de figura é um ás, ao passo que

e novamente, o cálculo obtido pela teoria está de acordo com a medição direta das frequências, pois há quatro modos de retirar um ás dentre as 40 cartas que não são figuras.

O teste de Ramsey equipara o crédito que damos a uma condicional com o crédito que damos ao seu consequente, ao assumirmos o antecedente. A proposta de Stalnaker foi usar funções de probabilidade para articular essa ideia. Assim, o que se segue se tornou conhecido como “hipótese de Stalnaker”:

p(se A, então B) = p(B/A). Uma proposta mais fraca, algumas vezes denominada “hipótese de Adams” devido ao trabalho de Ernest Adams, é a de que p(B/A) não dá a medida da probabi- lidade da condicional, mas sim sua assertibilidade. Note que a hipótese de Adams é consistente com a análise vero-funcional da condicional – de fato, essa é a posição de Jackson, que vimos na última seção. Por outro lado, a hipótese de Stalnaker não é consistente com a posição que sustenta que a condicional respectiva é vero-funcional, pois p(B/A) ≠ p(não-A ou B) – por exemplo: p(rei/ás) = 0, mas p(não-ás ou rei) = p(não-ás) = 12/13.

Seja seguindo Stalnaker ou Adams, o que é atraente em consi- derar p(B/A) como medida é que isso evita muitas consequências

contraintuitivas de uma adoção acrítica da análise vero-funcional das condicionais, em particular que qualquer condicional com antecedente falso ou consequente verdadeiro é verdadeiro. Pois

p(B/A) pode ser baixa ainda que p(não-A) ou p(B) sejam altas,

isto é, a alta probabilidade da falsidade do antecedente ou da verdade do consequente da condicional correspondente não implica um valor alto para a probabilidade condicional. Por exemplo, p(ás/figura) = 0, mas p(não-figura) = 10/13 é alta. Similarmente, p(não-figura/rei) = 0, ao passo que p(não-figura) é alta. O que desaparece é a equivalência, em valores de proba- bilidade, entre a condicional (ou probabilidade condicional) e a disjunção correspondente. Independentemente de como considerarmos os argumentos da última seção, em defesa da vero-funcionalidade da condicional, eles não funcionam com probabilidades. Considere o teorema da dedução (que relaciona a verdade de condicionais com a validade do argumento corres- pondente): sempre que p(A e B) é alta, p(B) deve também ser alta; mas daí não se segue que, se p(B) é alta, p(B/A) também será alta, como o exemplo acima, p(não-figura/rei), mostra.

Portanto, a análise probabilística fornece um tratamento alternativo das condicionais e também um diagnóstico do erro dos argumentos em defesa da vero-funcionalidade. No primeiro argumento, o problema era a equivalência entre a condicional e a disjunção correspondente; no segundo, o uso do teorema da dedução.

Vimos na seção anterior que Jackson sustenta que a robus- tez das condicionais no que diz respeito a seus antecedentes é uma questão de implicatura convencional, não de implicatura conversacional. Podemos agora entender as razões de Jackson: a diferença entre p(não-A ou B) e p(B/A) (considerando a disjun- ção vero-funcionalmente). A robustez, como Jackson a define, de uma proposição H com respeito a alguma evidência E é uma medida da diferença que E faz para a probabilidade de H, isto é,

da diferença entre p(H) e p(H/E); p(H/E) não deve ser significa- tivamente mais baixa que p(E). Um simples cálculo mostra que

Mas temos também que

Logo,

Esse fator, que diminui a probabilidade do que para Jackson é a condição de verdade de “se A, então B” – a saber, “não-A ou

B” –, é exatamente a medida da robustez da condicional (consi-

derada vero-funcionalmente) no que diz respeito ao seu ante- cedente, p(condicional) – p(condicional/antecedente). Assim, se

p(B/A) expressa corretamente a medida das condições de asserti-

bilidade das condicionais, como acredita Jackson, então somente a robustez no que diz respeito ao antecedente, e não no que diz respeito à falsidade do consequente, deveria ser considerada. Isso pode acontecer somente se a implicatura é convencional, e não conversacional. Se ela fosse conversacional (regulada pelas máximas de conversação), seria afetada, tanto pela falsidade do antecedente quanto pela verdade do consequente. Mas então haveria um fator adicional, p(condicional) – p(condicional/não- -consequente), e o resultado não seria p(B/A). Se Jackson está

correto em adotar a hipótese de Adams, então a implicatura que a explica deve ser convencional.

Entretanto, vimos que o tratamento de Jackson, que mantém vero-funcionalidade nas condições de verdade dos condicionais, tropeça no problema dos condicionais embutidos. Já a hipótese de Stalnaker, diferentemente, identifica as condições de verdade equiparando a probabilidade das condicionais com a probabilidade condicional. Nos últimos vinte anos, David Lewis realizou um contínuo ataque a essa equiparação. O objetivo de Lewis é mostrar que não existe uma proposição cuja probabilidade seja medida pela probabilidade condicional, isto é, dadas duas proposições A e B, não há uma proposição C tal que p(C) = p(B/A). Assim, em particu- lar, a probabilidade condicional não mede a probabilidade de condicionais. Portanto, a hipótese de Stalnaker é insustentável. Precisamos ou adotar a versão de Adams – como fazem Lewis e Jackson – ou abandonar de vez a análise probabilística.

O argumento de Lewis é um pouco técnico e passou por uma sucessão de refinamentos durante os anos. O que podemos fazer aqui é examinar sua versão mais simples. Em primeiro lugar, note que existem proposições A e B tais que p(B) ≠ 0, p(não-B) ≠ 0, p(A e B) ≠ 0 e p(A e não-B) ≠ 0. Por exemplo, sejam A e B respectivamente as proposições “eu retirei uma carta de figura” e “eu retirei um rei”. Então, p(B) = 1/13, p(não-B) = 12/13, p(A e B) = 1/13 e p(A e não-B) = 2/13. O ponto crucial a obser- var é que p(B/A) = 1/3 ≠ p(B). O que Lewis irá mostrar é que, se houvesse uma proposição C de tal modo que, para toda função de probabilidade p em alguma classe razoável (por exemplo, aquelas que modelam uma gama de crenças do falante), p(C) = p(B/A), logo p(B/A) = p(B). Posto que essa última igualdade é claramente falsa, não pode haver uma tal proposição C, em particular p(“se

A, então B”) ≠ p(B/A).

Suponha que a hipótese de Stalnaker vale para todas as funções de probabilidade de alguma classe. Seja q a função de probabilidade definida por q(D) = p(D/B) para toda proposição

probabilidade em questão (no exemplo, ela é o estado de crença revisado ao saber que alguém retirou um rei). Assim,

de acordo com a definição de q

de acordo com a hipótese de Stalnaker, posto que q pertence à classe

de acordo com definição de probabilidade condicional,

de acordo com a definição de q

de acordo com a definição de probabilidade condicional

posto que “B e A e B” é a mesma proposição que “B e A”. Logo,

De modo similar (supondo que r é definido por r(D) = p(D/ não-B) para todo D, pertence à classe – quando eu fico sabendo que não retirei um rei):

posto que “A e B e não-B” não pode ser verdadeira.

Para completar a prova, precisamos de mais dois fatos da teoria da probabilidade, que podem ser facilmente derivados dos postulados que fornecemos. Em primeiro lugar, posto que

segue-se que p(D e E) = p(D/E) * p(E) para qualquer D e E. Em segundo lugar, posto que “D e E” e “D e não-E” não podem ser simultaneamente verdadeiras, ainda que D seja equivalente a “D e E ou D e não-E”, segue-se que p(D) = p(D e E, ou D e não-E) = p(D e E) + p(D e não-E). Agora, aplicamos o mesmo ponto a C e B (onde C é a proposição cuja probabilidade assumimos que é medida por p(B/A):

(Note que nosso pressuposto de que B, “não-B” etc. não tem probabilidade zero garante que nenhum desses denominadores é zero). Chegamos assim ao chamado resultado da “trivialidade” de Lewis, segundo o qual aparentemente C é probabilísticamente independente de A, um resultado claramente falso em casos como

a carta de figura e o rei. O culpado é a hipótese de Stalnaker. A probabilidade da condicional não pode ser medida pela proba- bilidade condicional.