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INTERVENÇÕES NA VIDA URBANA E EDUCAÇÃO PARA O PROGRESSO

3.4. Higiene: a arte de educar para a vida

Sobre a eficácia dos medicamentos, a crítica aos tratamentos médicos via remédios de botica52 também podem ser explicados pelos altos índices de mortalidade encontrados entre a população do Rio Grande do Norte, demonstrando que os remédios eram pouco eficientes quando se tratava da cura de doenças via tratamentos médicos em detrimento de medidas higiênicas preventivas. Só para exemplificarmos, em 1893, o médico ajudante da Inspetoria de Hygiene, Dr. Juvencio Odorico de Mattos, trazia em seu relatório alguns dados quanto a propagação de doenças e seu grau de mortalidade.

De acordo com ele, naquele ano cerca de 40% da população de Arez teria sido vitimada por febres, com uma taxa de 5% de letalidade. No caso da capital, entre 23 de fevereiro de 1892 e 15 de junho de 1893, cerca de 580 cadáveres53 teriam sido enterrados no cemitério público da cidade (RIO GRANDE DO NORTE, 1893, A4 p.2).

Sobre o número de óbitos na capital, o quadro torna-se ainda mais assustador quando nos deparamos com os índices de mortalidade infantil na

52 Sobre os medicamentos, também começa a circular dentro da capital, via propaganda nos

jornais impressos, uma gama de oferta destes, que chegou a incomodar alguns médicos, “num local em que a própria medicina ainda estava se constituindo como um campo especifico de saber, as ofertas facilmente poderiam incentivar ao que hoje denominaríamos de ‘auto- medicação’”. (FERREIRA, 2009, p. 144) É neste aspecto que o Dr. Januario Cicco faz uma crítica contundente aos elixires cura tudo. Para ele, “ao mercantilismo é indiferente a sorte dos syphiliticos, bastando-lhe que cada doente consuma uma dúzia de vidros das suas infâmias engarrafadas para lhe consolidar a fortuna. Que ambiciona. Avariados! Em guarda contra vossos coveiros, esses mesmos que nos oferecem um vidro dos elixires cura tudo” (CICCO, 2003, p. 7).

53 Havia grande dificuldade em determinar o número de óbitos no estado, e os motivos do

falecimento, isto porque mesmo com a instalação da Inspetoria de hygiene Publica não existia exigência legal para a declaração da causa das mortes (RIO GRANDE DO NORTE, 1893, A4 p. 2).

91 faixa etária de 0 a 1 ano de idade, mesmo com a deficiência na coleta de dados devido a não obrigatoriedade legal da informação sobre a mortalidade e suas causas.

Entre os anos de 1909 e 1917, por exemplo, temos proporções preocupantes entre a taxa de mortalidade infantil e o número absoluto de óbitos registrados na cidade, conforme podemos verificar na tabela abaixo54.

Tabela 1: Índice de mortalidade infantil em relação ao número total de óbitos na cidade de Natal

Período Nº total de óbitos Nº de óbitos entre crianças de 0 a 1 ano

1909-1910 569 260 1910-1911 562 236 1911-1912 633 247 1912-1913 612 251 1913-1914 605 256 1914-1915 790 342 1915-1916 826 279 1916-1917 602 221

Fonte: Tabela organizada pela pesquisadora a partir das mensagens de governo entre os anos

de 1909 e 1907.

Tais dados demonstram que cerca de 40% a 50% das mortes registradas na capital do Rio Grande do Norte ocorriam entre recém nascidos. Contudo é possível aferir que este número fosse ainda maior se considerássemos uma faixa etária mais ampla, que biologicamente, corresponderia a fase considerada infantil neste período55.

A relação entre taxa de natalidade e mortalidade infantil em Natal, assim como em outras partes do país, se constituía numa grave preocupação médico social quando se tratava de cuidados com as crianças. Neste sentido, o investimento médico na vida infantil atuou em algumas frentes de combate que iam desde a problematização da capacidade da família, sobretudo das mães pobres, em cuidar dos próprios filhos, até a deslegitimação da atuação de

54 Tabela elaborada pela autora a partir da coleta de dados obtidos nos relatórios da Inspetoria

de Hygiene Publica enviados aos presidentes de Estado entre os anos de 1909 e 1917.

55 Foi lugar comum nos relatórios, por exemplo, denúncias relacionadas a grande dificuldade

de aferir os números de nascimentos e óbitos dentro do estado. Até mesmo na capital, que ainda apresentava uma população com baixo crescimento demográfico.

92 parteiras na tarefa de trazer as crianças ao mundo, assim como, a entrada no interior das discussões das políticas públicas relativas aos destinos da infância desvalida e/ou abandonada no interior das cidades.

Destarte, os altos índices de mortalidade infantil denunciavam que antes de educar as crianças, do ponto de vista escolar ou de um ofício, era necessário que estas conseguissem sobreviver aos primeiros anos de sua existência. Preocupação que por séculos foi associada à uma visão caritativa cristã, e portanto relegada à Igreja e suas Ordens religiosas, haja vista, por exemplo, a permanência das rodas de expostos56 nos grandes centros urbanos no Brasil até pelo menos o final do regime monárquico, do que a uma lógica secularizada humanitária que ia ganhando força em grande parte das nações europeias.

Tal visão aos poucos foi sendo substituída por um discurso que buscava associar a importância do crescimento demográfico ao desenvolvimento nacional.

Quando consideramos o cenário de transição entre os séculos XIX e início do século XX no Brasil, é possível perceber a relação que ia sendo construída entre a necessidade de preservação da vida infantil e a garantia da oferta de pessoas futuramente aptas a concretização do projeto republicano de nação e que fossem capazes de contribuir, através do trabalho e da dedicação à pátria, com o crescimento econômico do país.

Para José Gonçalves Gondra, a atuação médica nas questões relacionadas ao combate aos altos índices de mortalidade infantil percebidos no Brasil transitava entre dois discursos bem distintos, sendo um de caráter humanitário e outro vinculado à questões econômicas, sendo este último prevalente.

56 A tese do Dr. José Maria Teixeira (1876), apresentada no Congresso Internacional de Hygiene

em 1878, trazia críticas contundentes aos malefícios da Roda dos Expostos e Asilos caritativos. De acordo com o médico, tais dispositivos apenas serviam para perpetuar hábitos condenáveis para uma sociedade higienizada e desenvolvida, uma vez que a pretensa garantia de anonimato, apenas servia para encorajar uniões ilícitas, o abandono de crianças em tempos de crise econômica, a proliferação da má higiene e os altos índices de mortalidade infantil. De acordo com os dados estatísticos levantados pelo médico, enquanto que nas famílias abastadas havia uma taxa de mortalidade infantil de 70 a 80 óbitos por 1.000 criança nascidas, os índices encontrados em asilos girava em torno de 240 e 750, até mesmo 900 óbitos por 1.000 crianças nascidas. (RIZZINI, 2008, p. 112)

93 [...] A vida de cada homem representava uma unidade do capital social das nações. Nesse sentido, reduzir a letalidade na infância estaria sintonizada com a idéia de ampliação do capital da Nação, discurso que relativiza a dimensão humanitária da preocupação, inscrevendo-se também na esfera da economia social. (GONDRA, 2002, p. 306)

A ação de alguns médicos no combate à mortalidade infantil ganhará força a partir da atuação do Dr. Carlos Arthur Moncorvo Filho, responsável pelo investimento sistemático na higienização da infância do Rio de Janeiro e que influiria de maneira decisiva na vulgarização dos Institutos de Assistência e Proteção à Infância em várias capitais do país, a partir do modelo carioca, implantado em 24 de março de 1899, órgão a partir do qual a ação de médicos na vida das crianças assumiriam um viés cada vez mais prescritivo e controlador já partir do parto.

Suas ações foram amplamente disseminadas pelos órgãos de imprensa nacionais que atuavam como proclamadores do poder da higiene na salvação da vida das crianças, especialmente aquelas moralmente abandonadas, por meio dos Institutos de Proteção e Assistência a Infância, cujas contribuições dariam conta de:

Difundir entre as famílias pobres e proletárias noções elementares de higiene infantil, por meio de pequenos opúsculos, redigidos ao alcance do público, independente das instruções práticas que possam ser ministradas pelo pessoal do Instituto (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1899, p. 2 apud CAMARA, 2013, p. 60).

Durante muitos séculos no Brasil o parto ficou sob a incumbência de comadres experientes, sendo revestido de uma aura de superstições, medo da morte e ritos religiosos. A futura mãe deveria estar acompanhada de amuletos, orações e simpatias, nas quais a medicina,

94 Se instituía como a última intrusa no processo, vindo somente depois de Nossa Senhora do Bom Parto, da Nossa Senhora do Ó, do cordão de São Francisco, da Nossa Senhora da Conceição, da Nossa Senhora das Dores e dos amuletos mágicos, como os fígados de galinha crus atados à coxa das mães e a pedra ‘mombaza’ carregada junto ao joelho da parturiente. (FERREIRA, 2009, p. 146)

A ritualização do parto fazia todo o sentido quando confrontada com o número de óbitos durante o processo de nascimento, conforme apresentamos anteriormente, fossem estes das próprias mães ou de seus bebês. Para muitas mulheres ser mãe era, antes de qualquer coisa, uma sentença de morte.

O aparecimento da figura do médico parteiro se constituirá como realidade dentro da cidade de Natal a partir da década de 1910. Antes disso, havia poucas alusões à médicos de família ou mesmo aqueles que se dedicavam a saúde da mulher. Tais propagandas eram bastante raras e ocupavam lugares discretos nas páginas dos periódicos locais.

A primeira vez que encontraremos a figura do médico parteiro nos jornais locais será em 1906. Tratava-se do Dr. Raul Fernandes, cujas capacidades eram atestadas pela sua estadia no Hospital de Santa Izabel, localizado na Bahia. O médico em questão oferecia serviços de “médico e parteiro” (A REPUBLICA, 1906, p. 3).

A ideia de médico e parteiro, sendo este último um aditivo, nos remete a uma questão interessante: a realização do parto parece não se constituir, ainda, como uma especialidade do ramo da medicina local, mas antes, como sendo algo pertencente ao campo da prática e que rivalizava, sobretudo no seio das famílias mais abastadas, com o trabalho das parteiras que chegavam a cobrar até 10 mil réis por cada criança trazida ao mundo57.

Depois dos anos de 1910, haverá uma maior recorrência na oferta médica deste serviço nos jornais, assim como um alargamento das funções prestadas por médicos que até então não citavam o parto como um préstimo. Foi o caso,

57 Câmara Cascudo relembra que veio ao mundo pelas mãos de Bernardina Nery, velha parteira

das Rocas, que “apanhara mais de 800 crianças. Meu pai que era tenente do Batalhão de Segurança e pagou 10 mil réis”. (CASCUDO, 2008, p. 39)

95 por exemplo, do Dr. Januário Cicco que a partir de 1920 agregará ao repertório de serviços de seu consultório as especialidades de “medicina, cirurgias e partos”. (A REPÚBLICA, 1920, p. 3)

Quanto a criação de uma maternidade em Natal, em 1920 o governador de estado Antonio José de Mello e Souza ressaltará a importância de construir um pavilhão próprio ao funcionamento de uma instituição dessa natureza no Hospital Jovino Barreto como meio profícuo de garantir a vinda segura das crianças ao mundo, além de sua “immediata utilidade pratica e, para dizer claro, economica – a conservação de novas vidas, que poderão ser futuras forças para o trabalho e a prosperidade do Estado.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1920, p. 18).

Por outro lado, a sobrevivência ao parto não se constituiria como a única adversidade a ser vencida pelos médicos, isso porque a sobrevivência da criança aos primeiros meses de vida constituiu-se como uma verdadeira batalha travada entre a educação higiênica e alguns hábitos comuns das mães no trato com os recém nascidos.

Os médicos Alfredo Lyra e Januário Cicco ocupariam lugar de destaque no interior desses embates denunciando hábitos nocivos aos bebês e propondo ações de intervenção no seio familiar, sobretudo porque para eles as vidas infantis não estavam sendo ceifadas por nenhuma epidemia mortal inevitável, mas antes pela total falta de conhecimento das mães quanto aos cuidados com os filhos e sua alimentação.

Cuidados na alimentação da primeira edade, que, só por si, é bastante para entreter as gastro-enterites fataes, quando lhes não succedem as infecções, tão communs às creanças pelo uso de consoladores, pela alimentação de má qualidade e contactos impuros. Accresce que as dearhèas estivaes compromettem também a vida dos pequeninos rio-grandenses, como os de todo mundo, é claro; mas quando organismos se desenvolvem sob a vigilância de mães inteligentes e cultas, quase sempre supportam as enterites outonaes e não morrem pela falta de hygiene alimentar, equivalendo affirmar que a educação é também therapeutica, cada vez mais se comprovando a necessidade de instruir o povo, como problema de salvação universal. (CICCO, 2003, p. 15)

96 O olhar médico sobre o papel da mulher no interior de seus lares tornou- se ponto chave de atuação do pensamento médico higienista sobre a infância, dando a mãe um lugar de destaque quanto aos rumos de futuro que os filhos poderiam ter - a distância entre viver ou morrer transforma-se muito mais em uma questão de dedicação materna, convenientemente educada, do que da inevitabilidade do destino. Neste aspecto, tudo passava a ser apreciado pelo olhar prescritivo do médico, do vestuário ao banho de sol.

Em 1920, pouco depois da criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte58 pelo médico Varella Santiago, era publicado em Natal um pequeno manual de bolso intitulado “Cinquenta pequenos conselhos de hygiene infantil para uso das mães pobres”, de autoria daquela instituição.

O Manual, assim como estava descrito em seu próprio título, era um conjunto de ações, algumas associadas à explicações médicas, que deveriam ser adotadas pelas mães a partir do primeiro dia de vida do bebê, ou dos primeiros sinais de qualquer enfermidade até a criança completar um ano de vida.

Além de cobrar das mães a amamentação, como sendo um “dever moral”, deixava claro que a criança deveria ser considerada um ser diverso do adulto, sobretudo pela conformação biológica de seus corpos e que, portanto, tratá-la da mesma maneira como trataria “gente grande” poderia ceifar a vida desses

58 O Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte foi fruto de um anseio

da classe dirigente do estado de criar algum órgão público oficial que fosse capaz de reduzir a morbidade infantil presente na capital, que por vezes chegava a ser maior do que o próprio índice de natalidade. Começou a ser pensado em 1917 por Ferreira Chaves, mas tornou-se realidade apenas em 1919 sob a responsabilidade do Dr. Varella Santiago, sendo chamado inicialmente de Associação de Assistência a Infância. Sua sede, desde a sua construção, buscava atender a todos os parâmetros da higiene moderna: salas amplas, higienicamente asseadas, assim como também eram as roupas dos profissionais que lá atuavam. Na associação eram realizadas pequenas cirurgias e consultas de rotina, além de contar com serviços odontológicos e de farmácia. Em 1920 a escritora Palmyra Wanderley relatava sua visita aquel instituição: “a primeira, [sala] vasta arejada, modestamente mobiliada contendo pouco, contem tudo quanto necessita. A segunda, a pharmacia, onde o Dr. Luiz Antonio e os acadêmicos Angelo Pessôa e Lauro Wanderley manipulam com habilidade, é pequenina, banhada de luz que lhe entra por uma janela aberta ao nascente. Milhares de caixinhas, dúzias de frascos largos, enfileirados, dezenas de latas de farinhas nutritivas, tudo isto obedecendo uma disposição symetrica, encantava-me.” (A REPUBLICA, 1920, página ilegível)

97 seres tão frágeis. A fragilidade aos poucos ia se conformando como sendo parte de uma identidade infantil fortemente idealizada que, por sua caracterização, necessitava de atenção e cuidados específicos do mundo adulto.

Dentre os conselhos para as mães pobres estavam: Alimentar a acriança apenas doze ou vinte e quatro horas após o nascimento; a exclusividade do leite materno como único alimento do bebê nos primeiros meses de vida; toda mãe tem o dever moral de amamentar o filho; o leite materno faz não só aumentar depressa o peso da criança, como permite que, mais tarde, o estomago dela possa digerir sem sacrifício as farinhas alimentares; as crianças alimentadas a horas determinadas são mais sadias do que as que não tem “regimen alimentar”, menino só deve comer quando tem fome e não toda vez que chora; a mãe que amamenta não deve passar a noite inteira amamentando o filho, mesmo que este seja fraco e de pouca idade; a primeira refeição diária da criança de peito deve ser depois das quatro da madrugada e a última, antes das dez da noite; as mães que amamentam devem ter, pelo menos, seis horas de descanso no correr da noite; na primeira semana, a alimentação do recém-nascido deve ser muito espaçada (de 4 em 4 horas), do fim da primeira semana ao fim do 3º mês, a criança fará 8 refeições ao dia (de 2 em 2 horas), do fim do 3º mês ao fim do 6º, 7 refeições (2¹/² em 2¹/² horas), do fim do 6º ao fim do 1º ano, 6 refeições (de 3 em 3 horas); na falta do leite materno, as mães não devem dar as crianças, de poucos meses, o leite da vaca puro, por ser muito pesado; menino só pode tomar leite de vaca puro, depois do 4º mês de vida, caso não sofra de nenhum problema intestinal, etc.

Os conselhos tinham naturezas variadas, mas a ênfase maior estava ligada, sem dúvida, a questão da amamentação e oferta de alimentação sólida, fosse porque esta não se constituía como um hábito comum entre as mães natalenses, ou porque as principais causas das mortes infantis estavam ligadas à doenças gastrointestinais. Neste aspecto, também podemos encontrar críticas ao hábito de algumas mães de mastigarem as farinhas alimentícias e colocarem depois na boca das crianças, hábito este que além de ser considerado anti- higiênico ainda poderia ser transmissor de doenças. (CINQUENTA ..., 1920)

98 A interferência médico social nos lares das famílias terá formas múltiplas, que vão desde a crítica à limpeza dos lares e hábitos de seus moradores, até as formas como criavam e alimentavam seus filhos ou mesmo na adequação quanto aos casamentos, procurando evitar a consanguinidade e a propagação de genes defeituosos.

Figura 1 – Fachada do Instituto Padre João Maria (Natal/RN)

Fonte: SILVA, 2012, p. 53.

Essa ação colonizadora da família pelo projeto médico social rivalizará com antigas formas de organização social e religiosa quando nos referimos aos caminhos a serem adotados pelo Estado em relação ao amparo à infância desvalida e/ou moralmente abandonada.

Atuando em conjunto com o saber médico, algumas instituições não escolares se tornaram exemplares na secularização do cuidado com as crianças. Mesmo quando estas eram de responsabilidade mista, entre entidades religiosas e Estado, como por exemplo, o Orphanato João Maria59 (fig. 01) criado através

59 O Orphanato João Maria passava a funcionar a partir de 1920 no prédio do Asylo de

Mendicidade, ganhando características próprias, apesar de já existir desde 1º de janeiro de 1912, quando ambos, orfanato e asilo, compunham o Instituto Padre João Maria, que funciona como um complexo médico assistencial localizados no Monte Petrópolis e inaugurado pelo Presidente de Estado Alberto Maranhão. O Asylo de Mendicidade atendia desvalidos e doentes, tanto homens quanto mulheres (RIO GRANDE DO NORTE, 1912, p. 16).

99 do decreto nº 118 de 25 de maio de 1920 onde funcionava, até então, o Asylo de Mendicidade (fig. 02).

Figura 02 - Asylo de Mendicidade Padre João Maria - Natal/RN

Fonte: A República, 1911

A referida instituição contará com a presença constante de um médico encarregado pela saúde das internas desde a admissão até a validação de sua permanência naquele estabelecimento, cuja base avaliativa se dará muito mais em termos de um conhecimento positivo do que humanitário-religioso.

A capacidade de lotação do Orphanato Padre João Maria era para até 60 órfãs na faixa etária dos 7 aos 12 anos de idade, que seriam responsabilizadas por parte dos proventos necessários ao seu funcionamento através da realização de trabalhos manuais prestados à população da cidade, como bordados, costuras e lavagens de roupa.

Para a admissão no Orphanato Padre João Maria60 constituíam-se como requisitos primeiros: a comprovação da orfandade ou da incapacidade dos genitores de cuidar da filha, ocasionada por doenças consideradas incuráveis, como “cegueira, loucura e paralysia”61. Além disso, para ser aceita, a órfã não

60 De acordo com o regulamento do Orphanato João Maria, sua natureza não seria de caráter

escolar, apesar de a instituição contar com uma escola primária, considerada no interior da instituição como “um complemento da educação domestica nelle ministrada, não ficará sujeita aos programas do ensino oficial e apenas será fiscalizada, sob o ponto de vista da hygiene, pelo próprio medico do estabelecimento.” (RIO... Regulamento, 1920, p. 11)

61 A comprovação dessas condições deveria necessariamente ser de responsabilidade médica,