• Nenhum resultado encontrado

INTERVENÇÕES NA VIDA URBANA E EDUCAÇÃO PARA O PROGRESSO

4.3. Inspecção Médico Escolar: um inventário médico da criança na escola

As críticas em torno da realização das inspeções escolares, fora da capital do estado do Rio Grande do Norte, foram constantes nos relatórios oficiais dos diretores gerais de instrução pública e presentes nas falas oficiais dos presidentes de estado a serem encaminhadas ao Congresso Legislativo.

Conforme apresentamos anteriormente, as reclamações concentravam- se na ausência de comprometimento dos encarregados pela inspeção na construção de relatórios contundentes que descem conta da realidade de cada escola fixada nos diversos municípios do Rio Grande do Norte sob subvenção do estado e cuja justificativa principal girava em torno do acúmulo de funções a serem desempenhadas por este profissional.

Além disso, não havia uma exclusividade quanto às apreciações em torno da salubridade e higiene dos escolares em detrimento de um olhar mais generalista que dava prioridade para uma avaliação que se voltava às condições de conforto e higiene das instalações escolares ou atentava para os perigos de contágio em situações de epidemia, conforme percebemos no Código de Ensino de 1916 em seu artigo 203º:

Art. 203º - Os alunos que contraírem moléstia transmissível ou repugnante serão afastados da escola ou estabelecimento que frequentarem, até que desapareçam as causas que motivaram tal medida.

§1º - Ocorrendo um caso de moléstia suspeita, será o fato levado imediatamente ao conhecimento da autoridade sanitária ou do presidente da Intendência.

138 § 2º - Esta notificação é obrigatória: incorre na multa de 10.000 a 20.000 mil ao professor ou diretor do estabelecimento que não o fizer.

§ 3º - Nos casos de aparecimento de sarampo ou de coqueluche, as aulas deverão continuar a funcionar com qualquer número de alunos, sendo afastados da escola os acometidos dessas moléstias e desinfetados os moveis e salas de aula, como media preventiva, fazendo-se logo a devida participação ao diretor geral da Instr8ução Pública. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 96)

Na contramão dessa realidade, mas em consonância com o que ocorria em outras capitais brasileiras, em 24 de maio de 1918 o candidato à presidência de estado, Antonio José de Mello e Souza, tornava pública sua “carta familiar” - um apanhado de propostas de campanha - na qual trazia como uma de suas promessas de governo a contratação de médicos, em quantidade suficiente, para realizar, de maneira periódica e contínua, as “Inspecções Médico Escolares”.

Para o político, tal medida seria responsável por fiscalizar e empregar nas escolas os modernos preceitos de higiene vigentes e propagados pelos países “avançados em grau de civilização e cultura”.

Transitando entre as noções de higiene e limpeza, Antonio José de Mello e Souza associava os grandes males infantis e, consequentemente, suas marcas perenes na vida adulta, à falta de asseio nas escolas e nos escolares, assim como a insuficiência de iluminação, a falta de correção das posturas inadequadas dos alunos durante a escrita e a leitura e o não combate aos pequenos maus hábitos adquiridos em casa ou na rua.

De acordo com o futuro presidente de estado do Rio Grande do Norte, tais “inspecções” teriam as funções de:

Recommendação especial para atenderem particularmente, no exame individual, aos órgãos dos sentidos, ao funcionamento do aparelho gastro-intestinal, ás atitudes do menino em pé ou sentado, e a tudo o mais quanto a sua competência naturalmente julgasse necessário. Em relação ao meio, estudariam as endemias porventura reinantes, o impaludismo, as verminoses e outras, e as moléstias parasitárias; examinariam a água potável recommendando e ensinando

139 providencias de prophylaxia usual e solicitando do governo aquellas que, por sua importância e generalidade, estivessem acima dos meios individuais. (SOUZA, 1919, p. 25)

Ao assumir o governo do Rio Grande do Norte um ano depois, Antonio José de Mello e Souza endereçava ao Congresso Legislativo queixas relativas a falta de professores para preencherem as cadeiras de “Hygiene, Educação Physica e de Pedologia” da Escola Normal, o que influía diretamente na qualidade de formação dos professores que atuariam no ensino primário.

Tais aspectos justificavam o não comprometimento e/ou preparo inadequado de parte do professorado quanto à fiscalização dos critérios de higiene dos escolares, da adoção de medidas corretivas via exercícios físicos, ou mesmo do total desconhecimento de questões relativas a “psychologia e da physiologia infantis, tão delicadas e complexas” [...] (RIO GRANDE DO NORTE, 1920, p. 14).

Dentre as diversas tentativas de resolução dos problemas relacionados a hygiene escolar, Antonio José de Mello e Souza nomeou, em 1920, o Dr. Alfredo Lyra para ocupar a cadeira de Hygiene da Escola Normal, encarregando o mesmo três anos depois, via decreto de 9 de maio de 1923, da realização do serviço de “Inspecção medico-escolar.”

Para tanto, o governo contou com a contratação de mais dois médicos – o Dr. Varella Santiago, já encarregado do Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Rio Grande do Norte, e o Dr. Octavio Varella. Ambos os médicos foram responsáveis pela inspeção de 353 alunos da capital, entre 9 de maio e 30 de setembro daquele mesmo ano. Como resultado, o governador ressaltava que “se não são desanimadores, também não recommendam o estado sanitario da população infantil” (RIO GRANDE DO NORTE, 1923, p. 10).

A situação de saúde dos escolares era, assim, preocupante, uma vez que praticamente todos os alunos inspecionados apresentavam algum tipo de problema de saúde:

140 Além da carie dentaria, que num total de 353 examinados apresenta a lamentável proporção de 235, são frequentes as pediculoses, as adenopatias, a hypertrophia das amygdalas, os defeitos do aparelho visual (myopia 36 casos), e não muito raros os defeitos de audição, as scolioses e moléstias acidentaes. (RIO GRANDE DO NORTE, 1923, p. 10)

Para a realização das inspeções, o governo destinou um orçamento de 5:565$300, para a aquisição de instrumentos e aparelhos, que seriam utilizados para mensuração dos alunos, na busca pelas anormalidades; 7:000$ para materiais impressos, como cadernetas individuais, mapas e boletins; e 50:000$ destinados ao pagamento dos profissionais médicos envolvidos no processo (RIO GRANDE DO NORTE, 1923, p. 10-11).

O modelo para as inspeções em Natal/RN foi fruto de um estudo sistemático realizado pelo Dr. Alfredo Lyra e condensado na obra “Inspecção Medico-Escolar”, publicado em 1922 pela Typ. M. Victorino e A. Camara & C.

Neste livro, o médico apresentava um estudo completo diluído ao longo de mais de 200 páginas, que compreendiam os três pontos principais a serem observados pelo serviço de inspeção: I) Vigilância sanitária do meio escolar; II) Exame individual dos alunos; III) Prevenção das doenças transmissíveis.

Todos estes pontos foram amplamente abordados e discutidos a partir de preceitos médicos, pedagógicos, químicos e físicos, acompanhados de inúmeros exemplos, referencias nacionais e estrangeiras e imagens ilustrativas.

As inspeções médico escolares já era uma realidade em outros países da Europa, Ásia e da América. O ponta pé inicial para sua prática derivou das discussões realizadas na França em 1793, a partir das apreciações de Lakanal, Sièges e Daunou, contando ainda com a participação de Wandelanicourt, Robespièrre, Michel Lepelletier e Marie-Joseph Cheniér, tendo sido posta em prática através da Lei Guizot, em 1833.

A partir deste modelo as inspeções passariam a ser adotadas posteriormente em outras nações: na Inglaterra (1871), Noruega (1871), Suécia (1878), Áustria-Hungria (1880), Suíça (1882), Argentina (1884), Bélgica (1887), Dinamarca (1889), Itália, Estados Unidos e Japão (1890), etc., passando a ser

141 adotada no Brasil a partir da cidade do Rio de Janeiro, via Decreto n. 778 de 9 de maio de 1910, tendo sido idealizada pelo Dr. Moncorvo Filho, já conhecido nacionalmente pelo seu empenho em assegurar um futuro próspero e útil para a infância moralmente desamparada.

Para o Dr. Alfredo Lyra a inspeção médica na escola deveria abarcar todas as questões escolares e pedagógicas, sendo central para o desenvolvimento sanitário dos indivíduos:

A inspecção medica das escolas é um corollario da exigência imperiosa da instrucção, fazendo desapparecer a velha dualidade do corpo e do espirito [...]. Firma-se em que a escola, - núcleo da sociedade, - deve obedecer aos preceitos sanitarios, desde a situação até o methodo pedagógico instituido; que aos escolares sãos se proporcione a conservação de sua saúde e que o escolar doente não prodúz o que se chama a resultante de todas as energias, em virtude da forte percentagem que lhe absorvem as molestias que sacrificam a sua vitalidade. (LYRA, 1922, p. 9)

Desta maneira, as inspeções teriam papel central na evitabilidade da degenerescência do homem ao expor e combater toda sujeira, moléstias e maus hábitos das crianças em idade escolar. Constituía-se ainda como uma maneira de prever o futuro, assim como, de diagnosticar tudo aquilo que estava fora da escola, mas nos diversos lares espalhados pela cidade – “há cinquenta vezes mais micróbios na casa do pobre do que no ar do esgoto mais infecto, já dizia o dr. P. Brouardel em 1882, em seu De l’évacuation des vidanges”, referência médica recorrente na obra do Dr. Alfredo Lyra (VIGARELLO, 2012, p. 392). “A partir da “pedagogização” dos conhecimentos médicos e de uma educação higiênica pretendia-se alterar o perfil sanitário das famílias, dando novos contornos sociais para os sujeitos em suas relações”. (CÂMARA, 2013, p. 70)

O papel do médico era amplo no encontro com o escolar, sendo o primeiro considerado uma “figura animada”, enquanto o segundo, uma “figura objetiva”, dada a observação minuciosa, a medição, apreciação, julgamento. A visão médica aguçada buscava corrigir defeitos e imperfeições do ponto de vista físico e mental:

142 Pelos dados anthropometricos, conhecidos os índices, cumpre saber dinstinguir o escolar normal, anormal ou débil, porque o desenvolvimento da creança não consiste unicamente no alongamento do talhe e na amplitude dos conhecimentos, mas, em uma ‘serie de transformações, graças as quaes novos elementos se incorporam e se ajuntam diariamente’. (LYRA, 1922, p. 12).

Cada detalhe era colhido e registrado na “ficha sanitária individual” (Fig. 9), cujo modelo mesclava os exemplos italiano, francês e helvético, podendo ser acrescido ou diminuído a critério da vontade médica.

Figura 09 – Ficha Sanitaria

Fonte: LYRA, 1922, p. 70

Contemplava dados gerais: identificação, idade, filiação, naturalidade e ocorrência de vacinação e revacinação. Seguido pelo registro dos antecedentes

143 pessoais, coletando informações relativas ao tipo de parto, conformação física, deformações congênitas, relação entre idade e desenvolvimento da fala, do engatinhar e do andar, aparecimento da primeira dentição, aleitamento materno, desordens ou perturbações nervosas, além de dispensar atenção especial para aqueles que apresentassem infecções contagiosas.

Os convalecentes de moléstia infectuosa, os portadores de germens que guardem e eliminem bacillos, constituem um perigo para a collectividade escolar. A disseminação desses bacilos merece atenção cuidadosa. (LYRA, 1922, p. 73)

A análise seguia-se de critérios de mensuração, utilizando aparelhagem específica para medição da altura, peso, perimetria torácica, dynanometria, spirometria, audiometria, fonação, diâmetros do esqueleto etc.

As informações em relação ao crescimento eram anotadas para efeito de comparação (fig. 10), levando em consideração os padrões considerados normais para cada fase de vida da criança.

Figura 10 - Ilustração comparativa do crescimento nas diversas fases de desenvolvimento

144 Para cada fase de vida da criança havia uma medida, mais ou menos universal, que deveria atuar como parâmetro de comparação para mensuração dos índices considerados normais para o crescimento infantil.

No primeiro periodo ou da pequena infancia, o peso é augmentado no fim do primeiro anno de 9000 grammas e, depois de 2450 grammas por anno; a altura cresce, na razão de 20 centimetros no primeiro anno e, depois, de 10 centimetros por anno. O segundo periodo ou da média infancia, chamada

periodo de transição ou de aperfeiçoamento, é caracterizado

pelo retardamento no crescimento: o peso é augmentado de 1300 a 1600 grammas, anualmente, e a altura de 5 a 6 centimetros. O terceiro periodo – (ou periodo escolar) termina na puberdade e subdivide-se em: a) grande infanciaa, phase de iniciação escolar, em que o crescimento se opera lentamente, variando o desenvolvimento da estatura de 3,3 a 5,7: (O peso é augmentado de 11 kilos nos rapazes, e 10, nas moças), b) periodo pubere, o qual é caracterizado pelo crescimento brusco da altura, alongamento dos membros, quando o busto se torna curto e delgado, e se verifica a desproporcionalidade dos sexos, que é mais precoce nas mulheres. O augmento proporcional do peso é de 15 kilos e o da altura, é de 14 centimetros, nas moças e 16, nos rapazes. O quarto periodo, phase da puberdade [...] é assignalado pelo desenvolvimento dos orgãos genitaes, suas manifestações exteriores, aparecimento do systema pilloso, formação dos seios, constituição definitiva do esqueleto, com alargamento e inclinação da bacia. [...] O índice de vitalidade é inferior à metade da altura, avaliada em centímetros. (LYRA, 1922, p. 77-79)

Conforme ia apresentando as medidas consideradas normais para o desenvolvimento infantil que deveriam servir de parâmetro classificatório, o Dr. Alfredo Lyra ia associando suas apreciações a referenciais franceses e italianos, buscando medir o índice de corpulência, cuja fórmula adotada correspondia a adoção do modelo de Levi: divisão do peso avaliado em hectogramas pela altura computada em centímetros. As medições que destoavam dos padrões considerados normais eram classificados em gigantismo e infantilismo.

A influência do pensamento do italiano Ugo Pizzoli, diretor da Escola de Modena e catedrático da Universidade da mesma cidade, também pode ser identificada na obra do Dr. Alfredo Lyra, uma vez que as inspeções médicas, a serem realizadas nas escolas subvencionadas pelo Estado teriam como modelo de registro as cadernetas sanitárias, que de uma maneira ou de outra, atuavam

145 como instrumentos capazes de fazer desaparecer a velha dualidade entre corpo e espírito, “affirmando o principio de Juvenal – ‘mentalidade sadia em corpo são’”. (LYRA, 1922, p. 9).

A necessidade de se estudar individualmente cada escolar, através da utilização de duas fichas a serem preenchidas pelos responsáveis pela escola e pelo médico durante a inspeção, buscando propiciar a medição dos valores dos regimes de exercícios estabelecidos, das prescrições de estudos aconselhadas e dos métodos pedagógicos instituídos, também ressalta a influência do pensamento de Pizzoli, tendo como exemplo o seu modelo da Carteira Biográfica Escolar.

Munido das informações físicas e dos antecedentes de desenvolvimento, o inspetor médico estaria apto para buscar as causas dos desvios – escoliose, miopia, distúrbios da concentração e aprendizado, paralisia da contratura muscular etc., causas que, quando diagnosticadas no espaço escolar, poderiam ser facilmente sanadas a partir da regulação da ventilação, iluminação, adequação do mobiliário escolar ou reposicionamento da mão durante o ato da escrita, por exemplo.

Em outros casos, as aulas de ginástica desempenhariam o papel de correção da execução dos movimentos corporais, evitando a reincidência dos problemas físicos, assim como dos cardiovasculares, que poderia comprometer a execução dos “jogos desportivos e exercícios de gymnastica”.

Unindo corpo e espírito e medicina e pedagogia, a inspecção médico- escolar deveria realizar uma “verificação psyco pedagógica”, tendo como base a regularidade dos sentidos nas crianças, sob o pressuposto de mensuração da capacidade de “inteligência ou ininteligência” do escolar. Como medida, fazia uso da escala métrica da inteligência, se tratando de “[...] uma série de perguntas apropriadas ao estado de desenvolvimento mental da creança, desde os 3 até os 13 annos [...]”. (LYRA, 1922, p. 135).

146 Em relação a união entre os saberes médicos e pedagógicos, enquanto conjunto de conhecimentos aptos a construir para a criança um itinerário para o progresso, Sônia Camara chama nossa atenção:

Para o desenvolvimento propulsor da escola como elemento de higienização, duas forças foram consideradas complementares na escola: o médico e o professor. A ação coordenada entre Medicina e educação, médicos e professores, deveria sustentar o trabalho de modelação da escola. Esta passaria a se constituir como locus permanente de realização e de exposição de práticas higiênicas modelares. Como espaço modelar, ela deveria não somente difundir preceitos de “prevenção e de preservação” da saúde, mas também “criar um sistema

fundamental de hábitos higiênicos, capaz de dominar,

inconscientemente, toda a existência das crianças”. (CAMARA, 2013, p. 78)

Por outro lado, é interessante observarmos que mesmo neste momento – da análise “psyco pedagógica” - no qual os saberes se entrelaçavam, a opinião dos professores, relacionada à capacidade de concentração e aprendizagem dos alunos, não era considerada, ou tinham sua opinião diminuída frente às assertivas médicas.

Todo o processo de análise era construído exclusivamente via olhar destes últimos profissionais, que de maneira pontual, analisava o aluno anualmente visando sua classificação a partir da determinação de seu grau de inteligência.

A creança, que tem orgãos de sentidos íntegros e funções realizadas normalmente, que adquire sempre impressões verdadeiras e tem habito de observar, presume se um normal de intelligencia ou intelligente. Junte se a isto o poder de atenção voluntaria e teremos o grau de intelligencia. (grifos do autor. LYRA, 1922, p. 135)

Baseando-se nos estudos psicológicos de Alfred Binet e do Dr. Simon, Alfredo Lyra defendia a verificação do nível ou grau de inteligência a partir da aplicação de uma série de perguntas, adequadas as faixas etárias dos 03 aos

147 13 anos de idade, e que poderiam ser facilmente respondidas por crianças normais. Considerando “normal”, aquela que respondesse de maneira adequada as perguntas; “regular” aquele que apresentasse pouco atraso, tendo como possível causa a falta de educação; “atrasado” aqueles que apresentassem um atraso de três ou mais anos, cujas causas poderiam ser os defeitos orgânicos, vícios ou doenças; por fim, entrariam as classes dos “anormaes ou irregulares”, culminando na nomenclatura de cretinos, imbecis e idiotas. Sobre os últimos, o médico ressaltava:

Sob o ponto de vista da distincção, diz-se: a) cretino o enfraquecido physicamente, com apparencia de signaes de degeneração em todos os órgãos e funções e apresentando confuzão ou desvio de todas as faculdades do espirito; b) imbecil, o escolar que não chega a communicar seus pensamentos aos seus semelhantes e c) idiota, todo discípulo que não chega a comprehender nem a se servir da linguagem fallada. (LYRA, 1922, p. 136)

Tais exames, vinculados a “verificação psyco pedagógica”, tinham como objetivo final a classificação do caráter dos alunos, confluindo em normais e irregulares – fazendo uso do “eschema do espirito” (fig. 11).

De acordo com o médico,

O menino normal é obediente e activo, mas, adapta se ás prescripções; não dá maior cuidado. Na classe ou no recreio, ele vibra, se agita e brinca, mas contem se, desde que seja necessario. Os irregulares podem ser: indisciplinados ou apathicos. O primeiro typo é o da creança inquieta incapaz de um esforço continuado, olhar mevediço, instável, que se levanta, assenta, perturba os

companheiros e a classe; enfim, é o tormento das escolas, onde passa de mão em mão, até ser excluido. Os paes não o reconhecem, ás vezes, por causa de uma qualidade bôa que apresentam. Não podem aprender nem trabalhar. O outro typo é o do apathico, ou desfibrado, que é a creança calada, incapaz de movimentos, de vibrações, quase sempre pallida, irascível, senão encolerizavel, que evita o brinquedo, os jogos, por um capricho ou por teimosia tambem pouco ou nada aprende. (LYRA, 1922, p. 140-141)

148 Figura 11 – Eschema do Espirito

Fonte: LYRA, 1922, p. 141.

As determinações médicas para o tratamento dos alunos inaptos, eram variadas, indo da reclassificação e recolocação dos alunos nas classes, não mais divididos por idade, mas sim pelas suas capacidades individuais, até a exclusão total do aluno do processo, demonstrando que o discurso salvacionista da hygiene também tinha suas limitações quanto à resolução dos problemas nacionais via conformação do homem de bem pedagogicamente modificado.

Apesar de o discurso médico higiênico voltado para a educação, assim como o discurso político de Antonio José de Mello e Souza, que davam embasamento e justificavam à realização das Inspecções Médico Escolares no Rio Grande do Norte, estarem centrados, sobretudo, na ideia de correção, e portanto, partiam da noção de que o olhar preciso da “figura animada” (o médico) sobre a “criança objeto” seria capaz de modificar corpos, comportamentos e hábitos, é possível aferir que, na prática, a presença médica na escola significou também uma segregação, cada vez mais acentuada, entre aqueles escolares, que considerados inaptos para a escola, por serem incapazes de aprender, trabalhar ou obedecer, acabavam sendo excluídos do processo de escolarização, assim como da cidadania por ele prometido, na mesma proporção em que transformavam a escola em uma espécie de laboratório experimental, fortemente influenciado pelo nascimento da clínica (FOUCAULT, 1977).

149 Aqueles considerados como sendo os indesejáveis sociais: indivíduos fracos, dados aos vícios, degenerados, fonte de taras, criminosos, alcoólatras, sifilíticos, tipos vulgares, inaptos ao trabalho ou a ordem, forjados no interior de correntes e teorias médicas de caráter deterministas, como o Darwinismo Social, a Eugenia e as teorias de Lombroso, atuavam como lembretes constantes de um processo civilizacional que poderia retroceder, exigindo da nossa elite intelectual uma vigilância constante, assombrados pelo fantasma da barbárie e da suspeição generalizada, que colocavam a classe trabalhadora no centro da