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A importância de pensarmos a relação entre educação e infância: um olhar metodológico

METODOLÓGICOS

2.2. A importância de pensarmos a relação entre educação e infância: um olhar metodológico

Conforme assinalamos anteriormente, a pesquisa em história da educação tem perpassado por questões bastante abrangentes que ultrapassam o âmbito institucional da escola. Neste aspecto, Maria Madalena Silva de Assunção ressalta a importância das transformações epistemológicas ocorridas no interior do campo da pesquisa em História da Educação nas últimas três décadas, isso porque houve um certo abandono do que ela chama de “História da Pedagogia”, em detrimento de uma “História da Educação”. Esse rompimento com o “modelo unitário e continuísta de antes” deu espaço para um modelo de pesquisa mais problematizador, atentando para novas maneiras de observar a história dos eventos pedagógicos-educativos – a educação vista como um conjunto de práticas sociais (FARIA FILHO, 2004).

37 Trata-se, desta maneira, de um campo interdisciplinar por excelência e que dialoga com amplos aspectos da vida social em tempos e espaços diversos. Educar assume assim um caráter variável, contemplando configurações tanto formais, quanto não formais de educação.

Nessa perspectiva, há uma verdadeira infinidade de possibilidades de análise que nos permitem tomar o passado educacional como objeto de investigação, com o intuito muitas vezes de responder à diversas inquietações que temos hoje, no nosso tempo presente. É nessa relação sempre fluída entre presente e passado que se constitui o cotidiano do historiador, para o qual coloca-se o desafio de reinstituir um passado que não foi por ele vivenciado, mas que carece de explicação – “sua tarefa é procurar os fragmentos e, por meio destes, construir afirmações possíveis” (CARDOSO, 2005, p. 01). Durval Muniz ressalta que,

Os historiadores devem estar atentos não para as causas dos fatos, tomadas como sendo um evento anterior que se desdobra e continua em um posterior, mas para a multidão de elementos que se aproximam e se cruzam num dado momento e que resultam em um acontecimento. (ALBUQUERQUE Jr., 2007, p. 167)

Na busca por esse acontecimento - a transformação do saber médico em um saber que educa - pensamos na aproximação entre infância e educação como sendo esses elementos constituintes de uma relação que tornou-se praticamente indissociável – a criança tomada como ser moldável e a infância como a fase propicia para tal transformação.

Nesta perspectiva, o pesquisador Kuhlmann Jr., destaca que a história da educação precisa então considerar todo o período da infância identificada “como condição da criança, com limites etários amplos, subdivididos em fases de idade, para as quais se criaram instituições educacionais específicas”. (KUHLMANN, 2007, p. 16).

Sendo assim, podemos atentar para alguns questionamentos importantes que devem direcionar o nosso olhar nessa pesquisa, sejam eles lançados sobre

38 as fontes, sejam sobre nosso referencial de análise: a que crianças/infância estava destinada a educação republicana? Como esse modelo educacional foi gestado? A partir de que ideias? Como o saber médico se constituiu como saber normatizador e ganhou legitimidade no interior dessa sociedade tornando-se um dos educadores da infância? De que maneira esses saberes deram forma a determinadas práticas educativas institucionalizadas? Em que medida as negociações entre população e saber médico implicaram em aceitação ou resistência no alcance dessas intervenções?

Os diálogos com outras instâncias da vida social, que estão além das instituições escolares, contribuem significativamente para a compreensão dessas questões, assim como para o entendimento das representações e práticas que assinalaram o modelo adotado pela cidade de Natal, na Primeira República, para educar a criança.

Infância, família, população, urbanização, trabalho, relações de produção, políticas públicas, vida privada etc. – são aspectos importantes a serem considerados no conjunto das condições sociais propiciadoras “da delimitação de ações específicas orientadas em direção a criança” (KUHLMANN Jr., 2007, p. 16).

Trabalhos que discutem a relação entre infância e educação14, em recortes temporais e geográficos distintos consolidou um princípio geral que tem norteado as pesquisas sobre a temática, e com a qual nos identificamos, que é o de pensar

A infância não como um intervalo cronológico natural, e sim como um período da existência humana constituída por um sistema normativo, que lhe atribui características, formas, competências e funções, precisas ou fluídas, ancoradas em sistemas de ordenações, que cada grupo social relaciona ao seu sistema valorativo. (GONDRA, 2011, p. 83).

14 A aplicação aqui do termo educação vai além da ideia de educação escolar, abarcando a

construção dos diversos discursos e representações que instituições e saberes constroem para a “infância” em determinado tempo e espaço, como por exemplo, o Estado, a família, a escola e o saber médico.

39 Neste sentido, Cambi e Ulivieri (1988) agrupam os trabalhos sobre a infância a partir de dois grandes campos discursivos, cada um com suas próprias orientações teórico-metodológicas, compostos pela História Social da Infância e por abordagens que privilegiam aspectos relacionados ao imaginário, ou para uma História das Mentalidades.

O primeiro campo estaria mais atento ao estudo das condições de vida, das instituições, das práticas de controle, da família, da escola, da alimentação, dos jogos, da vida material e social. Enquanto que o segundo campo,

Trata de colher as mutações que intervêm na história das mentalidades em relação ao fenômeno infância, as diversas atitudes que se externam nos documentos como as obras de arte, as reflexões filosóficas e pedagógicas, etc. (CAMBI; ULIVIERI, 1988 apud, KUHLMANN, 2007, p. 17)15

Essas análises nos levam a considerar a importância da história da infância para o entendimento do projeto de educação republicana e suas instituições escolares, assim como das representações e práticas que legitimaram profissionais, como médicos e pedagogos, como sendo os únicos capazes de educar “apropriadamente” a infância. Sendo assim, nos inclinamos para uma abordagem que está mais situada no primeiro campo discursivo apontado pelos autores supracitados.

É com este olhar que buscamos analisar as fontes e que, pela própria interdisciplinaridade característica desse campo de pesquisa, nos levou a considerar uma ampla variedade de documentos. Tratam-se de documentos oficiais ligados aos órgãos do Estado como legislação, decretos, mensagens e relatórios de governadores de estado referentes ao recorte temporal estabelecido; documentos relativos as instituições educacionais e/ou por elas produzidos, como estatutos, regimentos, grades curriculares, revistas pedagógicas, regulamentos e relatórios do Departamento de Educação; impressos variados, como jornais (A República, Boletim de Instrução), periódicos e revistas de costumes; fotografias e literatura memorialística e poética;

15 É importante ressaltarmos que não se trata de campos discordantes, mas que se

40 conferências e discursos realizados por intelectuais do período, dentre os quais destacam-se Henrique Castriciano e Eloy de Souza; documentação produzida por outras esferas institucionais como o Instituto de Proteção e Assistência a Infância e a Inspetoria de Hygiene Pública; planta baixa do Grupo Escolar Augusto Severo e as normatizações para sua construção; Revistas do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte - IHGBRN; historiografia local que se debruça sobre a questão educacional etc.

Parte desta documentação encontra-se sob a guarda do IHGBRN, outras ainda estão em forma digitalizada pertencentes ao acervo pessoal da pesquisadora, assim como disponíveis no Núcleo de Estudos Históricos, Arqueológicos e Documentação do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.