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CAPÍTULO 1 – A LINGUAGEM VISUAL DA MTV

1.1 HISTÓRIA E IDENTIDADE

Em 1º de agosto de 1981, surge, nos Estados Unidos, a primeira emissora a exibir quase exclusivamente videoclipes durante a totalidade das 24 horas de sua programação. Na Music Television, os clipes dividiam espaço apenas com as vinhetas, que delineavam e reiteravam a identidade do canal, e com os VJs – outra proposta inusitada lançada pela emissora, que nada

mais era do que a transposição do conceito de DJ (disco-jóquei)5 para a televisão, a partir da criação da figura do vídeo jóquei, responsável por conduzir a apresentação dos videoclipes ao longo da programação. Além disso, o canal inovou ao estabelecer como público-alvo os adolescentes e jovens, público até então deixado de lado pelo mercado televisual e cuja fidelidade era difícil de conquistar. Beneficiando-se dessa segmentação, a MTV estrutura sua linguagem visual com base nas características e necessidades de seu público, através da adoção de visual irreverente, comunicação despojada e campanhas de marketing muito bem planejadas, que se valiam de slogans, vinhetas e peças publicitárias construídas em cima da autopromoção e da exploração da imagem de astros da música pop. Diante disso, a MTV torna-se um dos negócios mais rentáveis do conglomerado multinacional de comunicação Viacom, proporcionando não só o surgimento de novos canais especializados, mas também sua expansão internacional, com a criação de filiais em diversos países – inclusive no Brasil, a partir de 1990, quando nasce a MTV Brasil, tornando-se a primeira televisão segmentada do país.

Em função do sucesso comercial, e visando a manutenção deste, a emissora passou por diversas transformações. Durante seus primeiros anos no ar, a Music Television exibia videoclipes praticamente em fluxo contínuo; aos poucos, a presença das vinhetas que reforçavam a identidade do canal se tornou cada vez mais maciça, com essas peças adquirindo diversos tipos, formatos e funções, além de extensões cada vez maiores. O espaço dedicado a publicidade também cresceu, com os comerciais aproximando-se cada vez mais da linguagem visual veiculada pela MTV. Finalmente, em meados da década de 90, por conta do crescimento de sua popularidade, a emissora investe em uma programação mais diversificada, visando atender a demandas de consumo das massas. Inicia-se então a fase em que clipes musicais, vinhetas e o bloco comercial dividem espaço com programas de humor, entretenimento, esportes, turismo, variedades e notícias. Foi nessa fase também que a MTV lançou e popularizou o gênero reality show no formato como o conhecemos hoje.

Vale ressaltar, contudo, que o grande sucesso comercial não ocorreu ao acaso. Em primeiro lugar, foi identificado um segmento de público ainda não capturado pelas outras emissoras. Tratou-se então de construir uma marca cuja identidade e valores correspondessem aos desse grupo. A partir disso, a Music Television fundamentou-se sobre um conjunto de técnicas, estéticas, ferramentas, discursos, personalidades e comportamentos que, juntos, compunham o pacote do que viria a se tornar a tão distinta linguagem visual MTV. Soma-se a isso o fato de que a marca se beneficiou ainda do contexto histórico no qual se encontrava

5 Do inglês, disc jockey. Também conhecido em português como disco-jóquei ou discotecário.

inserida, apropriando-se das características da cultura pós-moderna – que se mostraram muito convenientes para a construção da identidade desejada – e aproveitando as ferramentas e possibilidades que o desenvolvimento da computação gráfica, dos softwares, da edição não linear, dentre outros adventos tecnológicos, proporcionavam. Desse modo, o que buscaremos elucidar a seguir é que elementos são esses que compõem o pacote da referida linguagem e como todos os fatores aqui mencionados – público-alvo, pós-modernidade e avanços tecnológicos – relacionam-se a esses elementos.

Em sua dissertação de mestrado, Carla Cristina da Costa Teixeira, agora doutora em design pela PUC-Rio, estuda a linguagem visual das vinhetas da MTV a partir da concepção do videodesign – que seria o design gráfico para o vídeo – como “uma das áreas de atuação do design mais privilegiada em expressar essa influência advinda da cultura pós-moderna”

(TEIXEIRA, 2006, p. 12). A autora aborda a temática da pós-modernidade e faz pontuações a esse respeito diversas vezes em sua pesquisa, além de dedicar um capítulo inteiro ao assunto.

Visando fazer uma brevíssima síntese, apenas para esclarecer o que é isto que estamos tratando por “características da cultura pós-moderna” no presente trabalho, foram selecionados alguns dos termos que apareceram com maior recorrência e/ou tiveram maior destaque ao longo de sua dissertação.

Segundo Terry Eagleton, a pós-modernidade seria um período histórico que questiona noções clássicas da modernidade como a verdade, a razão, a identidade e a objetividade, a ideia de progresso, a emancipação universal, os sistemas únicos e as grandes narrativas que impregnaram a sociedade ocidental (EAGLETON, 1998 apud TEIXEIRA, 2006, p. 41).

No lugar desses ideais, passaram a vigorar, nos âmbitos cultural, econômico e social, elementos como: multiplicidade, efemeridade, descartabilidade, superficialidade, consumismo, fragmentação, descontinuidade, resgate do passado, pastiche6, experimentalismo, inovação estética, multiplicidade de narrativas, referenciação a distintos estilos, perda de continuidade histórica, fixação nas aparências, fragmentação dos discursos, instabilidade da linguagem, constante anseio por novidades, sensacionalismo, espetáculo e aproximação entre a alta cultura e a cultura popular. Ou seja, a cultura pós-moderna vai priorizar a multiplicidade de narrativas

6 O pastiche é um recurso visual análogo à paródia. Mas, diferentemente dessa, não tem a intenção de criticar o objeto ao qual faz referência, “é considerado uma espécie de ‘paródia vazia’, sem conteúdo crítico” (TEIXEIRA, 2006, p. 87).

“Imitar um estilo único, peculiar, tomar emprestado um tipo de linguagem, jogar aleatoriamente com alusões estilísticas, é uma prática utilizada quase que universalmente em nossos dias. A esta técnica chamamos de pastiche” (TREVISAN, 2011, p. 59-60).

em detrimento das verdades únicas e universais provenientes do saber científico que prevalecia na modernidade, “vai valorizar o sensível, a comunicação, a emoção coletiva e será então mais relativa, completamente dependente dos grupos ou tribos enquanto tais” (MAFFESOLI, 1989 apud TEIXEIRA, 2006, p. 45).

Figura 1 - Vinhetas da MTV: pastiche, referenciação a distintos estilos, referências à cultura pop.

Não se pode esquecer também que a cultura pós-moderna é a expressão de um período ligado ao consumo e ao capitalismo avançado, em que “a própria ‘cultura’ se tornou um produto” (JAMESON, 2002 apud TEIXEIRA, 2006, p. 42). Dessa forma, a pós-modernidade e a fase do capitalismo sobre a qual ela se desenvolveu contribuíram para a promoção do

“consumo de diversas mercadorias que sustentam a indústria cultural, da qual a MTV faz parte, estando baseadas na efemeridade estética e na contínua promessa de satisfação inerente à publicidade.” (TEIXEIRA, 2006, p. 48)

De acordo com a autora, “o design em parceria com a publicidade suscita no consumidor o desejo irrefreável de obter determinada mercadoria” (ibid., p. 67). Logo, se o design possui o poder de influenciar aquele com quem se comunica a consumir e é este consumo que sustenta a indústria cultural pós-moderna, pautada na obsolescência e na constante renovação, temos que também o design pós-moderno tem de ser pautado na contínua transformação e na não existência de um padrão estético típico. Para que isso seja possível, faz-se necessário que o contexto de trabalho do designer tanto permita a liberdade criativa e a experimentação quanto ofereça uma extensa gama de possibilidades de manipulação digital das imagens.

Por volta da década de 1960, a vigência do austero e funcionalista design moderno como padrão de qualidade começa a entrar em declínio. O pragmatismo, a precisão, a tipografia uniforme, a rigidez do grid system7, a neutralidade e a universalidade cedem espaço para a ornamentação, coexistência de distintos estilos e “para a possibilidade de haver uma maior personalização e diferenciação entre as identidades visuais corporativas projetadas” (ibid., p.

65). Isso ocorre por conta do processo de segmentação do público-alvo, gerando uma maior preocupação em atingir nichos específicos, e do crescimento da influência das ações de marketing sobre o sucesso ou fracasso de um produto. Com isso, de acordo com Carla Cristina Teixeira (2006, p. 69), o design pós-moderno passa a valer-se do uso de diversas referências;

da busca por inspiração em estilos do passado, como o Art Nouveau e o Art Déco; da mistura de cores, da sinuosidade das formas, do estilo psicodélico que surgiu no design americano; do mix entre cultura pop e elementos do período clássico; da introdução de interferências na imagem – como rabiscos, riscos, respingos, rasgos e ruídos; e do jogo com padrões, texturas e formas geométricas, dentre outros elementos. O resultado dessas transformações foi o fim do

“cerceamento da criatividade dos designers através de ‘fórmulas prontas’” (ibid., p. 65), com o aumento de sua autonomia. Somado a isso, o desenvolvimento da computação gráfica transforma a figura do designer em “consistente ‘co-autor’ [sic] de suas obras” (ibid., p. 125).

7 Ferramenta do design gráfico que permite alinhar os elementos textuais, gráficos e imagéticos de uma composição visual com base em uma estrutura geométrica formada por linhas e colunas em sequência.

Figura 2 - Vinhetas da MTV: cores vibrantes, mistura de cores, padronagens e texturas, estilo psicodélico.

A introdução do computador no design também facilitou a tradução gráfica dessas várias idéias [sic] e tendências, através de softwares que promovem o uso de diferentes imagens, novas ou reproduzidas, que são colocadas em várias camadas [...]. Essas imagens podem ser fragmentadas, recompostas, adulteradas ou se misturar com texturas ou pedaços de outras imagens. O computador facilitou a introdução de interferências e ruídos em uma imagem [...]. Os trabalhos não mais necessariamente precisam transmitir um sentido bem delimitado e fechado, mas podem suscitar no público diversos tipos de interpretação (ibid., p. 69-70).

As mudanças tecnológicas ocorridas entre o final da década de 50 e início da década de 60 foram essenciais para o desenvolvimento do design gráfico para vídeo. Dentre elas, estão o videotape8 e o advento da computação gráfica, com a invenção de um sistema de edição eletrônica que possibilitou o surgimento dos primeiros efeitos de animação em vídeo. No entanto, seria somente a partir da década de 70 que os recursos da informática passariam a ser amplamente utilizados na televisão. Segundo Arlindo Machado, o que caracteriza essa fase é

“a imensa manipulabilidade da imagem, não apenas a nível da articulação dos planos, através do corte e da montagem, mas sobretudo no nível interno, na articulação dos elementos visuais dentro do quadro.” Além disso, segundo ele, “são produtos típicos dessa televisão cada vez

8 Fita de vídeo.

mais digitalizada os videoclipes, os spots de abertura de programas (como os de Hans Donner) e os comerciais de última geração” (MACHADO, 1995, p. 158).