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CAPÍTULO 3 – O SEGREDO DO CORTE: TEORIAS E TÉCNICAS DE EDIÇÃO

3.5 OS MÉTODOS DE MONTAGEM DE EISENSTEIN

Antes de enumerar os métodos de montagem esquematizados por Sergei Eisenstein e discutir sobre suas naturezas, é necessário antes explicar um conceito-chave que o autor utiliza para caracterizá-los: a dominante. Isto é, a principal tendência dentro do quadro, aquilo que mais se destaca e “salta em primeiro plano”. De acordo com o autor, a montagem ortodoxa é feita de acordo com a dominante; e a indicação dominante de um plano pode ser o tempo, o comprimento, entre outros elementos. Ele ressalta, no entanto, que a dominante pode ser mais ou menos específica, mas jamais absoluta, invariável, estável e independente. Isso porque ela, além de ser variável, depende da combinação dos planos e está longe de ser o único estímulo do plano. Ele compara o papel da dominante e dos estímulos centrais e secundários de um plano, bem como seus processos psicofisiológicos, ao que ocorre na acústica e na música instrumental:

junto com a vibração de um tom dominante básico, vem uma série completa de vibrações semelhantes, chamadas de tons maiores e tons menores. Seus impactos uns contra os outros, seus impactos com a tonalidade básica, e assim por diante, englobam essa tonalidade básica em um conjunto total de vibrações secundárias. [...] Essas mesmas vibrações, na música – na composição, se tornam um dos mais significativos meios de causar emoções (ibid., p.74).

Posto isso, prossigamos para os métodos de montagem, alocados por Eisenstein em 5 categorias: montagem métrica, montagem rítmica, montagem tonal, montagem harmônica23 e montagem intelectual.

A montagem métrica baseia-se nos “comprimentos absolutos dos fragmentos”, isto é, no caso das mídias digitais, na duração dos planos. Nesse tipo de construção, a estruturação da sequência ocorre de forma semelhante à composição musical, “numa fórmula esquemática correspondente à do compasso musical.” Essa estrutura é baseada na repetição dos compassos e, ainda que haja um aumento ou uma diminuição da duração dos fragmentos – elevando ou reduzindo a tensão de forma correspondente – essa modificação preservará “as proporções originais da fórmula.” (ibid., p. 79)

Já na montagem rítmica, a determinação do comprimento do fragmento não é feita matematicamente, a partir de uma rígida fórmula métrica. Os critérios que fundamentam esse tipo de montagem levam em consideração o movimento dentro de quadro; e a duração dos planos é definida de acordo com as especificidades destes e com a estrutura da sequência da qual fazem parte. Dessa forma, a elevação ou redução da tensão também está relacionada com os elementos dentro de quadro. Eisenstein traz um trecho da sequência da “escadaria de Odessa”

como um exemplo deste método.

Nela, a marcha rítmica dos pés dos soldados descendo as escadas viola todas as exigências métricas. Esta marcha, que não está sincronizada com o ritmo dos cortes [...]. O impulso final da tensão é proporcionado pela transferência do ritmo dos pés descendo para outro ritmo – [...] o carrinho de bebê rolando escada abaixo. O carrinho funciona como uma acelerador [...] dos pés que avançam. (ibid., p. 81)

A montagem tonal seria um estágio mais avançado, uma complexificação, da montagem rítmica, uma vez que ela também leva em consideração o movimento dentro de quadro, mas, nesse caso, “o conceito de movimentação engloba todas as sensações do fragmento de montagem. Aqui a montagem se baseia no característico som emocional do fragmento – de sua dominante. O tom geral do fragmento.” (ibid., p. 82) Significa dizer que, de acordo com esse método, a organização da sequência tem como base o elemento que mais se destaca em um plano (a dominante) e possivelmente o principal responsável pela atmosfera correspondente e, consequentemente, pela característica emocional do plano. Por exemplo, para um plano

23 Na versão original, em inglês, “Film Form” (1949), esse tipo de montagem recebe o nome de “overtonal”. Em

“A forma do filme” (2002), o termo foi traduzido como “atonal”. Já na edição francesa, o termo adotado foi

“montage harmonique”, que pode ser traduzido como montagem harmônica – termo bastante utilizado também no Brasil pelos estudiosos de Eisenstein.

sombrio, esse tipo de montagem pode considerar primordialmente o grau de iluminação do quadro; se um plano é descrito como “agudo”, o elemento considerado será provavelmente sua

“tonalidade gráfica”, as formas anguladas que o compõem. É, para Eisenstein, o caso da

“sequência da neblina”, em O Encouraçado Potemkin (Serguei Eisenstein, 1925).

Para ele, nesta sequência, ao lado da dominante tonal básica, há também uma dominante rítmica secundária, que se sustenta por meio de sutis movimentações. É aí que pegamos o gancho para o próximo tipo de montagem: da mesma forma como a montagem tonal nasce a partir da complexificação da montagem rítmica, também a montagem harmônica surge como um estágio avançado da montagem tonal. De acordo com o autor, todas essas categorias são

“métodos de montagem”, que se tornam “construções de montagem propriamente ditas quando entram em relações de conflito umas com as outras”. (ibid., p. 84)

Assim, a transição da métrica para a rítmica ocorreu no conflito entre o comprimento do plano e o movimento dentro do plano.

A montagem tonal nasce do conflito entre os princípios rítmicos e tonais do plano.

E finalmente – a montagem atonal, do conflito entre o tom principal do fragmento (sua dominante) e uma atonalidade. (ibid., p. 84)

A montagem harmônica diferencia-se, portanto, da montagem tonal na medida em que a estrutura da sequência é construída com base não somente na tonalidade básica (dominante) do plano, mas também considerando os estímulos secundários e tudo aquilo que contribui para criar uma determinada “sensação” associada ao plano e provocar uma resposta psicológica ou reflexo fisiológica correspondente no espectador. É uma espécie de “cálculo coletivo de todos os apelos do fragmento.” (ibid., p. 84)

O quinto método caracteriza-se como uma forma mais complexa da montagem harmônica. A montagem intelectual depende que o espectador capte esse conjunto de estímulos e “a ‘sensação’ peculiar do plano” e faça uma associação intelectual a partir disso – que depende, por sua vez, da bagagem cultural do espectador e do contexto no qual ele se encontra inserido. Como exemplo deste tipo de construção, Eisenstein cita a “sequência dos deuses” em Outubro (Oktyabr, Serguei Eisenstein, 1927), “empurrando o conceito de Deus de volta a suas origens, forçando o espectador a perceber intelectualmente esse ‘progresso’.” (ibid., p. 87)

Em 1940, a partir de um artigo publicado na revista soviética Iskusstvo Kino, Eisenstein complementa sua teoria a partir da descrição de um sexto método: a montagem vertical.

Na montagem vertical Eisenstein tratou de evidenciar os elementos da montagem audiovisual que concorrem para construir a imagem a partir das representações de cada fragmento que a compõe [...]. Concebida pela associação a uma partitura

orquestral, que reúne várias pautas de diferentes instrumentos verticalmente ainda que o seu desenvolvimento seja horizontal, é possível atribuir-se uma pauta de elementos visuais para compor a partitura audiovisual. [...] Eisenstein quando nos apresentou a montagem vertical o fez enfatizando o significado das cores, dos tons, da música e suas associações [...] valorizando os diferentes significados de cada elemento das pautas visuais e sonoras em busca do entendimento do método de construção da imagem audiovisual (NOVA, 2009, p. 82-83).

Em função de sua complexidade, tal método exigiria uma discussão mais aprofundada e extrapolaria o objetivo desse capítulo, que consiste em reunir teorias, regras e métodos de forma objetiva, de modo a utilizá-los no capítulo seguinte como ferramentas de análise. Por essa razão, nos ateremos aos cinco primeiros métodos publicados.