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CAPÍTULO 3 – O SEGREDO DO CORTE: TEORIAS E TÉCNICAS DE EDIÇÃO

3.6 RECURSOS A SEREM UTILIZADOS COMO FERRAMENTAS DE ANÁLISE

Diante de tudo o que vimos, é possível encontrar alguns pontos de congruência entre as ideias dos autores de referência desse capítulo. Com isso, podemos tentar articular alguns elementos, de modo a criar uma conclusão mais sucinta e uniforme que nos permita refletir sobre como pensar a edição ou montagem e as estruturas e ferramentas que a compõem.

O plano é uma célula, ou molécula, da montagem e juntos eles constituem elementos básicos do cinema. A montagem ou edição pode ser compreendida também como aquilo que há de específico, de essencial, do cinema – seu cerne. A edição também pode ser definida como um conceito que nasce do conflito entre planos independentes. Esse conflito nada mais é do que a diferença, ou até oposição, entre planos; e pode ter naturezas variadas – pode ser gráfica, espacial, temporal, relativa à iluminação, ao enquadramento, entre outras opções. Pode-se dizer também que cada uma dessas modificações espaciais, temporais, de enquadramento etc.

representam um deslocamento não natural do campo de visão, que é precisamente o que caracteriza o corte.

Portanto, ainda que um dos objetivos da edição clássica seja preservar a continuidade a todo custo, pode-se dizer que a montagem está irreversivelmente ligada à descontinuidade, que permite que um acontecimento seja narrado a partir de diferentes ângulos, enquadramentos, cores, lentes e localizações; permite a manipulação do tempo; e permite cortar “pedaços ruins”.

Desse modo, a descontinuidade possibilita que se possa priorizar, ao executar cortes e montar uma obra, elementos como a emoção e o ritmo, essenciais para o tipo de objeto de estudo adotado por esta monografia. Dito isso, nos debruçaremos sobre esses objetos utilizando como ferramentas de análise:

A regra de seis de Walter Murch, de acordo com a qual o corte ideal obedece simultaneamente aos seis critérios, em ordem de prioridade: 1) emoção; 2) enredo; 3) ritmo; 4) alvo de imagem; 5) plano bidimensional da tela; 6) espaço tridimensional da ação. Sendo que, no nosso caso, relativizaremos a importância do enredo, visto que muitas aberturas podem ser não-narrativas.

Os cinco métodos de montagem de Sergei Eisenstein, sendo eles: montagem métrica, montagem rítmica, montagem tonal, montagem harmônica e montagem intelectual. Para esta pesquisa, provavelmente interessará sobretudo as particularidades das montagens rítmica, tonal e harmônica, uma vez que estão alicerçadas sobre o movimento (que é a base do motion graphics), no caso da primeira, e sobre estímulos, sensações e tom – elementos esses primordiais para o estilo MTV – no caso das outras duas.

E, finalmente, algumas das denominações mais comuns – utilizadas em análises – para os tipos de cortes mais recorrentemente encontrados em obras audiovisuais24. Dentre elas:

1) Hard cut, standard cut ou corte seco – corta de um plano para o outro sem o uso de transições. É comumente utilizado entre os planos de uma mesma cena.

2) Jump cut – são cortes secos entre planos cujo enquadramento permanece o mesmo, diferindo-se um do outro apenas por uma movimentação nos elementos do quadro e dando a impressão de que houve um “pulo” na imagem. Costuma ser usado para transmitir a ideia de passagem de tempo, urgência ou ansiedade.

3) Match cut – é um tipo de corte no qual os elementos visuais do plano anterior são combinados com os do plano seguinte, criando o efeito de continuidade ou permitindo ao editor dar grandes saltos na narrativa sem desorientar o espectador.

4) J-Cut – o áudio do plano seguinte inicia antes do vídeo correspondente. Dessa forma, é possível escutar o que ocorre no plano antes mesmo de vê-lo. Recebe esse nome por conta do formato que esse tipo de disposição gera na timeline dos softwares.

5) L-Cut – o áudio do plano inicia depois do vídeo correspondente. Dessa forma, enquanto se vê a imagem em quadro, o que se escuta ainda se origina do plano anterior. É um tipo de corte muito utilizado em diálogos e reações. Recebe esse nome por conta do formato que esse tipo de disposição gera na timeline dos softwares.

24 Essa lista foi montada a partir da consulta a vários e distintos endereços eletrônicos que abordavam o assunto dos diferentes tipos de cortes. Desse modo, procurou-se reunir um apanhado de informações e trazer aqui o que havia de mais regular – em comum – entre as fontes, na tentativa de fazer definições as mais universais possíveis.

Todas as fontes encontram-se creditadas na seção “SITES CONSULTADOS” deste trabalho.

6) Montagem – São uma série de planos curtos, um após o outro, em uma sequência. É um tipo de solução muito utilizada em videoclipes ou, nas narrativas tradicionais, para indicar ocorrência simultânea de múltiplos eventos ou passagem de tempo.

7) Cross-cut25 – Também chamada de edição paralela, é uma técnica que intercala os planos de duas ações ocorrendo simultaneamente, mas em espaços diferentes. É bastante utilizada para criar momentos de tensão, como em cenas de perseguição.

8) Cutaway – trata-se de um corte que interrompe a ação principal para mostrar um elemento ou ação fora de quadro, oferecendo uma outra perspectiva para a cena, e então volta novamente para a ação principal.

9) Smash cut – transição seca e abrupta entre duas cenas com emoções ou narrativas completamente diferentes. Costuma ser utilizada justamente para ressaltar o contraste presente entre duas cenas, gerando suspense ou comicidade.

10) Cutting on action – O corte é feito enquanto uma ação transcorre em quadro, em cima de um movimento. Essa técnica geralmente é utilizada para garantir a continuidade e disfarçar o corte.

11) Invisible cut – como diz o nome, é usado para tornar o corte imperceptível e manter a continuidade. Pode ser obtido através do enquadramento de um objeto preto ou espaço com pouca luminosidade no fim de um plano, seguido por um plano seguinte cujo início também se dê em tela preta. Também pode ser obtido através de um movimento rápido de câmera – chicote – ou de objetos ou pessoas passando na frente da câmera.

12) Fade – no fade in, a imagem surge a partir de uma transição suave da tela escura para o plano; no fade out, a imagem desaparece a partir de uma transição suave do plano para a tela escura.

13) Cross dissolve ou dissolução cruzada – é um efeito de transição que faz com que uma imagem se dissolva na outra. Enquanto a imagem do plano anterior desaparece, a segunda começa a surgir, fazendo com que haja uma sobreposição entre ambas durante alguns segundos. Geralmente é utilizado para indicar passagem de tempo ou aumentar a dramaticidade de uma cena.

Também será conveniente para a análise utilizarmo-nos do conceito de ritmo defendido por Eisenstein, de acordo com o qual o ritmo é definido pelo grau de dissonância (oposição,

25 Alguns autores optam pela diferenciação entre montagem paralela e montagem alternada. No entanto, como essas discussões aparentaram ser longas, complexas e divergentes, por questões de extensão do trabalho e visando manter a objetividade da lista, foi adotado aqui o termo mais recorrente em pesquisas na internet e, portanto, o que se intuiu ser o mais popular.

descontinuidade) entre planos e, quanto maior a divergência, maior a intensidade da impressão e maior a tensão. Dessa forma, será adotado o parecer de que, além da duração dos planos e da velocidade dos cortes, o grau de descontinuidade entre as imagens e a tensão visual provocada por ele seriam os principais responsáveis pela criação do ritmo e pela definição de sua intensidade.

Ademais, ampliaremos o conceito de ritmo a partir da ideia de que ele também depende da trilha sonora e do movimento dentro e entre quadros. “O ritmo [...] pode ser determinado pelo designer através da escolha da música de fundo ou dos movimentos rápidos ou lentos apresentados pelas imagens selecionadas.” (TEIXEIRA, 2006, p. 120-121)

Explicitados os recursos deste capítulo que possivelmente servirão, no seguinte, como ferramentas de análise, podemos enfim concluir esta seção. A seguir, introduziremos o capítulo no qual ocorrerá a decomposição plano a plano da abertura da série True Blood (HBO, 2008-2014). Nele, detalharemos melhor como se dará o processo de análise das peças, mas é possível adiantar que, além dos recursos aqui mencionados, serão utilizados também recursos visuais (fotogramas e tabelas) inspirados nas “técnicas de visualização de mídias” propostas por Lev Manovich em seu artigo “Visualizando Vertov”. O autor propõe o uso de técnicas de visualização experimentais, complementando os já conhecidos gráficos de barras e linhas, tendo como referência “o trabalho de muitos cineastas, coreógrafos, arquitetos, compositores e artistas visuais modernos, que criaram diagramas de seus projetos antes ou depois de realizá-los” (MANOVICH, 2013, p. 2)26. Seu projeto pretende não permanecer restrito apenas a gráficos de duração de planos ou itens semelhantes, mas também explorar outros elementos visuais “e identificar padrões além de meras estatísticas” (ibid., p. 5).27

26 Tradução do original: “the work of many modern filmmakers, choreographers, architects, music composers and visual artists who created diagrams of their projects before or after they were realized” (MANOVICH, 2013, p.

2).

27 Tradução do original: “and identify patterns beyond mere statistics” (ibid., p. 5).