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CAPÍTULO 1 – A LINGUAGEM VISUAL DA MTV

1.2 O VIDEOCLIPE

Naquela época [década de 80], com a popularização de novos dispositivos como walkman, controles remotos, videocassete, TV a cabo, a experiência de recepção das mensagens midiáticas começa a se modificar, ocorre uma intensificação acentuada dos “casamentos e misturas entre linguagem e meios” (SANTAELLA, 2003, p.15).

Assim, o videoclipe desenvolveu-se como um formato audiovisual impulsionado pelo avanço tecnológico das mídias e das consequências observadas nas linguagens e conteúdos produzidos. Ao unir a experimentação visual ao reino da música pop [...]

mostra-se como um amalgama de possibilidades audiovisuais, que mescla elementos das linguagens do cinema, TV e propaganda, além da música, é claro, aliados as possibilidades técnicas do vídeo e computação gráfica em plena expansão no momento. (TREVISAN, 2011, p. 9-10)

Não é possível formular uma definição única de videoclipe e nem ao menos precisar com certeza suas origens, visto que os pesquisadores que o estudam pertencem a áreas diferentes e, muitas vezes, divergem entre si. Além disso, os tipos e estilos de videoclipes são múltiplos, o que torna essa tarefa ainda mais difícil. No entanto, podemos eleger, para fins de uma compreensão melhor sobre esse elemento ao longo da presente pesquisa, as mesmas delineações traçadas por Michele Trevisan em sua tese sobre a estética do videoclipe.

Caracterizado por ser uma peça de formato híbrido, com origens na publicidade, no curta-metragem experimental e na generalidade da TV, “podemos adotar a ideia mais comum de que o videoclipe é sinônimo de videomusica, ou seja, uma peça promocional para uma música ou seu intérprete” (ibid., p. 13). Isto é,

podemos dizer que é, antes de tudo, uma ferramenta publicitária, onde se divulga um produto – a banda, o cantor (a), a música, através de uma estética de imagens. [...] As mensagens transmitidas ultrapassam as letras das canções, divulgando tendências, comportamentos e produtos (ibid., p. 14).

A Music Television pode até não ter sido a inventora do formato videoclipe, mas ela definitivamente contribuiu para o delineamento e a perpetuação das características que qualificam a grande maioria das obras pertencentes a esse formato.

A maior parte dos clipes produzidos antes da inauguração da emissora eram repletos de amadorismo ou soluções muito simples, pontilhadas de clichês [...]. No caso do Brasil, [...] A fórmula adotada por esses clipes seguia chavões como a gravação de um suposto show ao vivo [...] ou então imagens um tanto monótonas e estáticas, que em

nada lembravam os clipes dinâmicos e fragmentados que seriam exibidos mais tarde pela MTV (TEIXEIRA, 2006, p. 74).

Com o crescimento da popularidade da emissora, os videoclipes tornaram-se uma verdadeira vitrine para cantores e bandas. Eles detinham o poder de promover não apenas as músicas e álbuns, mas estilos, roupas, visuais e personalidades. Vendo a incrível ferramenta publicitária que estas peças poderiam ser, as gravadoras tornaram-se as principais financiadoras dessas produções e, a partir dos anos 80, a imagem dos ídolos musicais passou a ser ostensivamente explorada nos videoclipes. Fez-se uso de uma série de símbolos visuais e características comportamentais facilmente identificadas na aparência, na atitude e nas performances dos artistas e seus videoclipes. Expostos ao fluxo contínuo de clipes, os espectadores rapidamente identificaram-se com seus ídolos e passaram a reproduzir suas aparências, trejeitos e comportamentos, o que impulsionava o consumo de uma série de produtos e serviços relacionados aos artistas.

Não que esse processo de exploração e reprodução das imagens não ocorresse antes.

Como Dancyger aponta em seu livro, nos filmes dos Beatles de Richard Lester – precursores do estilo MTV – a narrativa não é o mais importante, mas sim os trechos musicais que representam a identidade da banda. O que aconteceu é que, a partir da exibição massiva de videoclipes, também esse processo se massificou.

Nessa mesma época, a canção Thriller, de Michael Jackson, tem seu clipe lançado e transforma-se em febre mundial, mesmo com uma duração demasiadamente longa para um videoclipe (14 minutos). Tal sucesso deu início a uma nova fase na produção de clipes musicais – a das “‘superproduções’, dignas de filmes de Hollywood” (ibid., p. 29). Portanto, se um dia os clipes haviam sido tratados como um elemento de importância secundária à música, repletos de amadorismos, soluções simples e clichês, o sucesso e a popularidade da MTV, seus videoclipes e artistas mudou de vez a relação da indústria fonográfica com essas peças audiovisuais. Em muitos casos, tais peças passaram a ser idealizadas concomitantemente à própria canção, tamanha era a importância comercial nelas identificada.

Figura 3 - Videoclipe de Thriller (1983).

Posto isso, é possível afirmar que “o clipe é um legítimo produto da indústria cultural, estimulando o consumo de produtos através da criação de imagens que são associadas aos músicos contratados pelas grandes gravadoras.” (ibid., p. 80)

Dessa forma, é lógico pensar que a estrutura dessas peças possa se assemelhar em algum ponto à de um spot publicitário, em função de sua curta duração, “estrutura compacta”

(TREVISAN, 2011, p. 17), da profusão de imagens instantâneas, da velocidade, dos curtos planos, da grande quantidade de cortes, do constante movimento e do privilégio da emoção e da sensação imediata em detrimento da narrativa.

Além destas, é possível identificar no videoclipe outras características, comuns não só aos spots publicitários, mas também às vinhetas da MTV e de abertura e encerramento dos programas das demais emissoras. A saber: forte presença de técnicas como a fusão e a sobreposição de imagens – muitas vezes pertencentes a distintas fontes e naturezas; numerosos movimentos de câmera; manipulação digital de cores e formas geométricas; e grande quantidade de elementos gráficos. A articulação destes vários itens descontínuos faz com que os quadros pareçam “uma série de recortes (de imagens estáticas ou em movimento) colados, seguindo um certo ritmo” (ibid., p. 56).

Ritmo esse pautado na junção entre música, imagem e movimento a partir da fragmentação, de cortes orientados pela música, do “abandono revolucionário da dimensão de tempo” e da possibilidade de dissolver a unidade dos planos em um fluxo contínuo. Com isso, temos a consequente ausência ou quebra da narrativa, o rompimento com as padronizadas convenções de continuidade e com as noções clássicas de personagem, a não-linearidade e a falta de significados explícitos. Podemos apontar ainda como características: a união do artístico com o comercial e da alta cultura com a cultura de massa; mudança constante;

repetição; a presença de referências, de metáforas sutis, da paródia e do pastiche; a ironia e a autoironia; a autorreflexão; a quebra de regras e o questionamento de dogmas.

Sistematizando, podemos dizer que o videoclipe é uma linguagem híbrida, que coletou o que havia de mais recente e instigante nas diferentes mídias. Do cinema, o videoclipe tomou emprestado as “ousadias técnicas”, bebeu da influência dos movimentos de vanguarda e da narrativa compacta dos curtas-metragens. Da publicidade, o videoclipe herdou os “maneirismos estéticos” o (SOARES, 2004 p. 59 apud TREVISAN, 2011, p. 62), que possuem como finalidade criar uma peça visualmente aprazível, capaz de mexer com o imaginário e provocar desejos no espectador. Finalmente, articulou tudo isso a partir do

conceito de sinestesia, em que as imagens dos videoclipes são, frequentemente, conectadas à música privilegiando uma série de conotações sensoriais, impressões e significações extra musicais [sic], transmitindo um tipo de visualização do som musical” (TREVISAN, 2001, p. 55).