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CAPÍTULO 2 – AS SEQUÊNCIAS DE TÍTULO

2.4 A TEIA DE INFLUÊNCIAS: ESTILO MTV, SEQUÊNCIAS DE TÍTULO

Até agora vimos que, inicialmente, o cinema nasce sem a presença de créditos. Pouco depois, em razão da necessidade de assegurar a proteção da obra e dos direitos autorais, é que vemos surgir essas sequências. No entanto, elas permanecem até praticamente os anos 50 – salvo algumas exceções – com a mera função de proteção legal e informativa, isto é, de informar o título e os nomes do diretor, dos atores principais e dos chefes de departamento. Por esse motivo, as soluções de apresentação de créditos costumavam ser monótonas e pouco inventivas.

A partir de 1950, o universo das sequências de título é revolucionado por Saul Bass.

Considerado o grande precursor das aberturas modernas, ele criou peças que funcionavam como prólogos dos filmes. Ou seja, mais do que a função informativa, essas sequências tinham como objetivo definir o tom, gerar uma atmosfera compatível com a da obra e prenunciar a ação.

Além disso, ele foi um pioneiro em introduzir a experimentação gráfica e tipográfica, a abstração e a animação de grafismos conforme o ritmo da música no universo das aberturas.

É também por volta da década de 50, próximo de seu fim, que as inovações tecnológicas no campo das mídias e o surgimento da computação gráfica impulsionam tanto a animação quanto o design gráfico. Pouco tempo depois, surge o motion graphics tal como o conhecemos hoje. Mas é somente entre os anos 70 e 80 que ele começa a ser explorado mais expressivamente no contexto televisivo. Diante do contínuo desenvolvimento tecnológico, tanto as vinhetas televisivas quanto as sequências de título cinematográficas mostram-se cada vez mais interessadas em ostentar o poder das modernas ferramentas que possuíam à sua disposição, o

que implica em uma rigidez estética caracterizada por um excessivo aspecto futurista, geométrico e clean.

Rompendo com o conservadorismo estético no qual a televisão se encontrava, surge, em 1981, a Music Television, que abre as portas da TV para a experimentação, a quebra de convenções narrativas e estéticas e de padrões técnicos e a constante mutação. No cinema, quem leva os créditos por iniciar processo semelhante é Kyle Cooper, na década de 90.

É claro que a informática, os softwares de computador e as tecnologias midiáticas continuaram sua expansão e, consequentemente, muitas inovações e tendências continuaram a surgir e/ou popularizar-se. Da mesma forma, precisamos reconhecer que existiram outras proposições inventivas antes, durante e após essa linha do tempo que tentamos elaborar ao longo deste capítulo. Isso porque, como foi dito anteriormente, as transformações e influências no mundo das artes raramente se dão de modo linear.

O objetivo em organizar os acontecimentos dessa forma é demonstrar como qualquer transformação ocorrida no universo das sequências de título cinematográficas refletia-se posteriormente em vinhetas e spots identitários dos canais de televisão – e vice-versa. Até porque esses tipos de peça mostram-se semelhantes não só em formato e função, mas também em seu repertório de precursores e influenciadores.

Quanto ao formato, pode-se tentar definir, de forma generalizada, as aberturas e vinhetas como peças compostas por elementos gráficos e tipográficos animados, sobrepostos a imagens gravadas por câmera ou ilustrações bidimensionais e/ou tridimensionais. Todos esses itens costumam vir acompanhados por uma trilha musical e ser editados em diálogo com o ritmo desta. Desse modo, encontramos nessas peças muito do motion graphics e do videoclipe.

Em relação aos precursores e influenciadores, temos que a animação experimental e os curtas-metragens inspirados nos movimentos de vanguarda da década de 1920 foram fundamentais para o surgimento do motion graphics, que, por sua vez, constitui-se na principal ferramenta de comunicação dos títulos e créditos cinematográficos e vinhetas. Iuli Vieira (2009) e Thiago da Cunha Carvalho (2015) também citam a influência da videoarte e seus cineastas no motion, na MTV e no trabalho de designers de aberturas. E Arlindo Machado (2000) inclui as aberturas de Robert Freeman para os filmes musicais dos Beatles no hall das sequências de título que deixaram sua marca na história, colaborando para o que suas sucessoras viriam a ser.

Ao remontarmos as origens da “estética videoclipe”, tanto nos estudos de Dancyger (2003) quanto na pesquisa de Michele Kapp Trevisan (2011), encontramos também todos esses elementos: os curtas experimentais, sobretudo o de inspiração surrealista, o cinema de vanguarda da década de 20, a videoarte e os filmes dos Beatles.

Além disso, é possível encontrar forte influência da estética grunge nas vinhetas da MTV e em algumas das aberturas cinematográficas contemporâneas. O que nos lembra do fato de que ambas possuem o motion graphics e, consequentemente, o design gráfico como algumas de suas principais ferramentas de comunicação e, portanto, estão sujeitas a sentirem os efeitos das transformações ocorridas nessas áreas, tanto em termos de desenvolvimento tecnológico, quanto em termos de aparecimento de novas tendências – como vimos acontecer com a referência para o motion graphics, as sequências de título do cinema, as vinhetas televisivas, o videoclipe e a linguagem visual da MTV como um todo. Vale relembrar também que a técnica de edição de Pablo Ferro levou o crédito, por muitos designers, de ter servido de inspiração para o que viria a ser o “estilo MTV”. Por outro lado, esse tipo de edição se desenvolveria e popularizaria anos mais tarde por conta da própria Music Television, a partir de suas vinhetas, comerciais e, principalmente, videoclipes.

Dessa forma, a emissora – que havia bebido da mesma fonte que as aberturas e até sido inspirada por algumas delas – atualizaria sua técnica e estética mediante a incorporação da linguagem do videoclipe e das tendências pós-modernas, devolvendo para a indústria um novo conceito de edição e de vinhetas. Essas peças, bem como os próprios clipes musicais e a linguagem visual da MTV influenciaram de volta não só o cinema, a televisão e a publicidade, mas todo o universo midiático – e impactaria até mesmo outros setores da indústria cultural.

Por conta disso, é difícil estipular origens ou estabelecer uma hierarquia em termos de influência, visto que todas essas peças audiovisuais (títulos e créditos, vinhetas e videoclipes) contribuíram com parte de suas especificidades na construção da linguagem umas das outras e estabeleceram não uma dupla-via, mas uma “múltipla-via” – ou melhor dizendo, uma teia – de influências ao longo dos anos.

Quanto às funções das sequências de título e vinhetas atuais, podemos apontar duas:

Função informativa – carregam as informações textuais de filmes, séries, programas etc., mostrando o título da obra, o nome do diretor, dos atores ou apresentadores, da equipe técnica, dos convidados especiais, das músicas e seus compositores e intérpretes e de todos os envolvidos no processo produtivo, entre outras informações. Função de prólogo – definem um

tom e geram uma atmosfera análogos aos que serão encontrados dentro da obra na qual estão inseridas e prenunciam a ação. Com isso, provocam no espectador sentimentos e sensações que o colocam no clima para o consumo do filme, série ou programa, além de entretê-lo com o visual e o som da peça, que, por si só, tem autonomia de obra.

É preciso chamar atenção, no entanto, para uma pequena diferença entre as aberturas cinematográficas e as vinhetas televisivas. Ainda que as sequências do cinema também carreguem, de certa forma, a função de condensar e apresentar a identidade da obra e criar um clima propício para o consumo; quando falamos das vinhetas da TV, esse aspecto publicitário ganha uma dimensão maior.

O significado do graphics na televisão tem sido analisado de muitas maneiras diferentes. Os adversários incondicionais da televisão [...] costumam ser sumários na categorização do grafismo televisual como mero efeito pirotécnico, sem qualquer funcionalidade, a não ser atestar a vocação da televisão para o “espetáculo” [...]. Já os mais espertos, como Margaret Morse, por exemplo, reconhecem o papel estrutural jogado pelo graphics na televisão e procuram compreender alguns de seus motivos, figuras e tropos, como a indução de velocidade, a sugestão de monumentalidade, o efeito de imersão, ou ainda a simulação de um mundo sem gravidade, cuidando de ver como tudo isso funciona na construção de prestígio e credibilidade, ou como estratégia comercial para vender produtos. (MACHADO, 2000, p. 203)

Com isso, as vinhetas de abertura, entre os breaks comerciais e de encerramento, bem como os spots identitários da televisão, possuem em primeiro lugar a função de afirmar e reafirmar a identidade de um canal, fidelizando o espectador por meio da repetição e assim construindo prestígio e credibilidade para a emissora. Uma outra forma de obter a fidelidade da audiência e prestígio para o canal é inserir nessas peças a velocidade, a sugestão de monumentalidade e o efeito de imersão, como uma das muitas estratégias de venda da própria autoimagem, de seus conteúdos e dos produtos e serviços dos anunciantes.

Os créditos de cinema geralmente são assistidos depois que o espectador já comprou seus ingressos e apenas uma vez. Sua função é imediata e se difere das vinhetas televisivas nas quais o conteúdo audiovisual tem um caráter apelativo e de fidelização muito maior, proporcionado pela repetição. As animações para televisão, somadas às músicas simples e memorizáveis indicam, a cada intervalo comercial, a interrupção e o retorno à transmissão. Devem frisar também a rotina semanal nas quais os programas geralmente são veiculados. São exibidas e re-exibidas [sic] à exaustão (não é à toa que praticamente todo ano são reformuladas).

As séries cinematográficas, no entanto, parecem se situar em uma área ambígua. [...]

Sua função [do crédito], além de ambientar a trama é também a de exercer um forte fascínio, [...] capaz de atrair o espectador ao próximo filme. (VIEIRA, 2009, p. 35)

Se a função comercial e o caráter apelativo das aberturas se fazem mais presentes nas séries cinematográficas, justamente em decorrência da serialidade, é natural que tais características se apresentem com ainda mais força no caso das séries de canais a cabo e serviços de streaming. Em primeiro lugar, por conta da repetição, que é muito mais frequentemente nas séries televisivas e de plataformas, uma vez que as aberturas são apresentadas a cada episódio – e as séries costumam ter uma média entre 10 e 20 por temporada – e, por conta disso, o potencial de fidelização por repetição torna-se muito maior. Sendo assim, muitas das características das vinhetas, como as músicas que rapidamente são memorizadas, o visual apelativo, a velocidade e o caráter espetacular, monumental, são também encontradas nas aberturas das obras seriadas.

O segundo fator para o posicionamento dessas sequências em uma área ainda mais ambígua do que a das séries cinematográficas é o fato de que a ficção seriada contemporânea, por si só, já nasceu como um formato híbrido. Isto porque essas séries uniram a complexidade da trama, a profundidade de personagens e a ousadia técnica, tipicamente cinematográficas, às ideias de fluxo, serialidade e engajamento da audiência, tipicamente televisivas. Diante disso, nada mais coerente que suas aberturas juntem as especificidades e funções dos créditos cinematográficos (sobretudo informativas e com função de prólogo, ambientando a trama) às especificidades e funções das vinhetas televisivas (informativas e introdutórias, mas sobretudo identitárias e de caráter promocional).

Podemos compreender assim que as aberturas das séries contemporâneas veiculadas em canais de televisão e plataformas de streaming são peças tão híbridas quantas as obras que introduzem. E, possuindo características e objetivos em comum tanto com as sequências de título cinematográficas quanto com as vinhetas e spots de identidade da televisão, apresentam também em suas técnicas e estéticas muitas semelhanças com essas peças, seus precursores e influenciadores.