• Nenhum resultado encontrado

Vamos contar uma história dos antigos. Em nossa fala chama-se Nete Beku nome de uma mulher cega. Diz que chegou um repiquete e alagou tudo. A água carregou essa mulher, que não teve por onde escapar. A alagação cobriu mato, terra, tudo. Terra alta também cobriu.

Quando estava passando um pau bem grosso carregado pelas águas, essa mulher conseguiu sentar em cima dele. Lá sentada, esperou a alagação baixar. Depois o rio começou a baixar, baixar, baixar... Até que findaram as águas.

Mas a terra continuou toda molhada e não tinha canto para a mulher andar. Sozinha, ela chorava, chorava, chorava. Seu pessoal tinha morrido todinho. Chorava... Então, juntou muita abelha ao redor da mulher. As abelhas picaram seus olhos e ela ficou cega, sem poder enxergar mais nada.

Foi passando o tempo, até quando as águas secaram. Diz que a mulher pegou duas abelhas, achou uma cabaça, furou, botou as abelhas dentro e tampou. Passada uma semana, a mulher espocou a cabaça e dela saíram dois meninos. Ela pegou esses meninos para criar. Dava de mamar num peito e no outro. Os meninos foram crescendo, pouco a pouco, até que começaram a sair na praia sozinhos. Um dia, acharam um pé de mudubim e trouxeram para a mãe de criação, que não enxergava mais nada.

─ Mãe, o que é isto aqui? ─ Cadê, meu filho?

A mulher pegou na folha, apalpou e pegou na raiz até reconhecer:

─ Bem, meu filho, este aqui é um pé de mudubim, uma planta. A gente planta isso. A gente come. É nosso. Foi o repiquete que trouxe lá de cima. Vamos guardar pra nós plantarmos.

No outro dia, andando de novo na praia, o menino achou um pé de macaxeira e mostrou para a mãe:

─ Mamãe, que folha é essa aqui?

A velha pegou na folha, apalpou, mexeu e disse:

─ Essa daqui, meu filho, é folha de macaxeira que nós plantamos. O rio alagou e trouxe esse pau de maniva que está nascendo aqui. Vamos pegar e guardar pra gente plantar. Uns dias depois:

─ Bem, meu filho, andei pensando que melhor é nós voltarmos pra nossa terra. Aqui não é a nossa terra. Vamos andar.

─ E pra onde nós vamos, mamãe?

─ Vamos pela praia buscar um tio que mora bem longe, lá dentro, longe. Vamos encontrar com ele. Bem, vamos andar.

Então saíram andando, andando... E acharam no caminho um pé de milho. ─ Mamãe, o que é isto aqui?

─ Esse daí, meu filho, é um pé de milho. É pé que a gente come, a gente planta. Vamos levar pra nós plantarmos. Essa é planta nossa, que a gente come assada no fogo, faz

pamonha, prepara caiçuma para tomar e mistura com mudubim. Vamos embora andando, meu filho. Saíram andando, andando... Até que chegaram no outro rio, um igarapé de água preta que quando se andava nele ficava marca na terra. Eles foram andando e fazendo marca até chegar na outra boca.

─ Bem, meu filho, vamos entrar nesta água daqui. É outro rio. Este daqui é de água branca.

Eles foram andando, andando. E iam andando e fazendo aquela marca branca, e deixando a marca na areia branca do rio.

─ Bem, água branca, vai pra acolá. Agora vamos entrar nessa outra boca.

Entraram, então, num rio de água verde, verdinha. Entraram no rio de água verde e foram andando e fazendo marca, outra marca. A primeira foi feita na água preta. A segunda, na água branca. A terceira, na água verde.

E andaram, andaram, andaram.

─ O teu tio já está perto, meu filho. Escuta aí. Estio partindo lenha: «pou, pou, pou”... Estio partindo lenha. Taí o teu tio que já está perto. Escuta aí que estio partindo lenha.

Então andaram, andaram... E escutaram barulho da casa do homem que estava partindo lenha.

─ Já está perto, meu filho.

Que perto, que nada! Fazia mais de uma semana que eles estavam andando. Andavam e andavam. Como a velha não enxergava nada, eram os filhos que pegavam ela nos braços e iam carregando e andando, andando.

─ Bem, meu filho, espera aí. Suba esta terra. Tem uma escada que está em cima da terra. Pega essa escada e bota no chão pra nós descermos com ela.

O filho dela só via terra. Diz que era uma terra que não tinha tamanho. Lá em cima, só uma escada que os homens deixaram para ninguém acertar aonde é que iam.

─ Pega essa escada. ─ Toma, mamãe.

Então, ela fez ele subir até chegar lá em cima. ─ Vamos por aqui.

E não tinha nada que cortasse. A velha era tão sabida que acertava tudo. Não enxergava, mas estava no rumo.

─ E para onde vamos, mamãe? ─ O caminho é por aqui.

Entraram no caminho, andaram e andaram, até que saíram no outro igarapé. ─ E aqui, mamãe?

─ Espera aí. Teu tio está pra acolá.

Andaram e chegaram em cima da terra alta. ─ E aqui, mamãe? Por onde nós vamos?

─ Vamos por aqui, todo tempo por cima da terra. Teu tio já está perto. Vamos sentar aqui para descansar. Estou cansada.

No dia seguinte, andaram, desceram no igarapé e atravessaram até que saíram no caminho. E de lá, saíram no roçado do tio.

─ Está aqui. Ele mora pra acolá. Vamos embora por aqui. Então, chegaram na casa do tio.

─ Eu estou chegando, meu irmão!

Quando a cunhada viu a mulher cega, animou-se, correu para perto dela, pegou e abraçou, chorando. Chegando em casa, gritou para o marido:

─ Chegou aqui nossa mãe.

De lá mesmo, saiu o homem gritando.

─ Quem mandou ela vir aqui? Eu não quero ela aqui. Quem foi que trouxe? Nós vamos matar essa velha, pra não empatar nós.

─ Não, não faz isso com nossa mãe. É nossa mãe. Não faz isso!

─ Estamos morando aqui sozinhos e a velha chegou. Mas ela vai morrer nesses dias. Não vai durar tempo, não. Vai morrer.

Passaram-se dois dias e a velha morreu. Morreu mesmo.

Ficaram os dois rapazes que tinham vindo com ela para conhecer o tio.

─ Nosso tio matou nossa mãe. Como nós vamos fazer? Temos que viver com ele, pois não temos pra onde ir.

No outro dia, o tio deles foi trabalhar. Quando estava limpando o roçado, diz que os ovos dele iam arrastando daqui para acolá. Ele ia trabalhando, limpando o roçado, e os ovos dele se arrastando daqui para acolá.

Então esses dois rapazes passaram veneno nas flechas.

─ O que nós podemos fazer pra matar esse homem que matou nossa mãe? ─ Vamos matar ele também.

Quando o homem ia pro roçado, com os ovos arrastando no chão, os rapazes lascaram o bico da flecha nos ovos dele.

─ Ai, ai! Que coisa me ferrou? Será um inseto que me ferrou aqui?

O homem se pôs a procurar, para lá, para cá e nada. Procurava tudo e não achava nada que pudesse ter ferrado ele:

─ Que coisa me ferrou nos meus ovos?

Matou o formigão e matou todos os insetos que passavam perto, achando que tinham ferrado ele. Voltou para casa e disse para a mulher:

─ Eu não sei que bicho ferrou os meus ovos. Estão doendo muito! Saiu para acolá e foi tomar um banho.

Quando chegou de volta, não agüentou e foi deitar na rede. No outro dia, sofrendo com muita dor, morreu.

Os dois rapazes então viveram com a mulher desse homem que matou a mãe deles. Dai para cá, eu nem sei contar mais essa história. Então, finda assim.