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2 REFERENCIAL TEÓRICO

I: é:: assim é eu vou contar um um um acidente que aconteceu comigo em setenta e três né uma coisa que marcou muito na minha vida é eu tinha seis

3.3.3 Os MON da Orientação

Os MON Era uma vez, Era um belo dia, Foi o seguinte, Contam que e Contam

os antigos antepassados que foram identificados apenas na Orientação.

O MON Diz que predomina na Orientação, mas aparece também na Complicação, no Resumo e na Coda. Bem também predomina na Orientação, embora apareça com menor frequência na Complicação. Um dia aparece na Orientação, mas também na Complicação; Uma vez aparece na Orientação com a mesma frequência com que aparece na Complicação, mas predomina no Resumo. O MON Bom aparece na Orientação, embora predomine no Resumo e também apareça em menor intensidade na Complicação.

Segundo Labov (1972), a Orientação é o estágio seguinte ao Resumo, no qual o falante passa informações ao ouvinte sobre o cenário da história: uma descrição de personagens, do espaço, do tempo. Sua função é fornecer informações básicas sobre a narrativa para situar o interlocutor sobre o fato narrado.

Nos dados analisados, conforme mostra o Gráfico 4, pode-se perceber que a ordem decrescente de frequência de ocorrência dentre os MON típicos da Orientação analisados é a seguinte: Era/Era uma vez/Era um belo dia ensolarado (32%); Um

dia/Uma vez (26%); Diz que (24%); Bem/Bom (10%); Contam que/Contam os antigos antepassados que (5%) e Foi o seguinte (3%).

Gráfico 4: Os MON da Orientação

O type Diz que é bastante produtivo, já que ocorre em três dos seis corpora analisados, não apenas na Orientação da narrativa, mas também no Resumo, na Complicação e na Coda. Esse tipo, porém, é mais recorrente na Orientação, justamente por sua função de introduzir o fato narrado. Assim, encontramos esse MON nas Lendas do Amazonas, nos Remanescentes Quilombolas e nos Contos.

Em todos os casos, é clara a função discursiva de marcar a evidencialidade do fato, excluindo o narrador da responsabilidade pela veracidade do que está sendo narrado. No caso do Conto, esse tipo aparece em sua instanciação Dizem que, também com a função de colocar a responsabilidade sobre o dito na voz de terceiros. Nesse caso específico, o narrador vai tentar desmistificar essa ideia, provando, com a história, que Malazarte não era tão diabólico quanto diziam.

(13) [...] História da Feiticeira Cega

Vamos contar uma história dos antigos. Em nossa fala chama-se Nete Beku nome de uma mulher cega.

Diz que chegou um repiquete e alagou tudo. A água carregou essa mulher, que não teve

por onde escapar. A alagação cobriu mato, terra, tudo. Terra alta também cobriu. [...]

Fonte: Lenda/Corpus Lendas do Amazonas.

(14) [...] Agora caba que mente munto é esse cara que foro pra Patu...diz que só de Gonçalo eles robaro cento e quarenta Conto ... eu digo... esse home nunca teve duzentos pau no bolso ((rindo))

E: Quem era o homem?

H39-03: Esse fi de/ de/ de/ esse de Zé Pelado ali ... é que diz que robaro o pessoal da/ da/ da quadrilha que foro pra Patu... robaro todo mundo... tênis... robaro um bucado de coisa ... aí diz que desse boca grande ali... diz que levaro só dele trezento e quarenta Conto ... eu disse ... “home ... ele nunca viu esse dĩêro na vida dele... moço!” [...]

Fonte: Relato de Experiência/Corpus Remanescentes Quilombolas.

(15) [...] Dizem que Malazarte era o diabo. Pois não era e tanto não era que um dia, depois que Pedro Malazarte deu pousada a Jesus Cristo, este como sempre acompanhado de Pedro — São Pedro, o chaveiro — concedeu-lhe, em paga, o direito de fazer três pedidos. [...]

Fonte: Conto/Corpus Contos Brasileiros.

Os MON Uma vez/Certa vez/Um dia/Outro dia (26%) aparecem com frequência próxima à frequência de Diz que (24%). São também bastante frequentes em todos os

corpora, tanto na Orientação, para marcar o início da ação narrada, quanto, como

veremos, na Complicação, quando se trata de reiniciar a história ou de iniciar novo episódio.

A seguir, mostraremos uma ocorrência desse tipo em cada um dos corpora analisados, ocorrendo no lócus Orientação.

(16) [...]A filha fazia que estava estudando o estudo para se pajé. Toda vez que vinha do roçado, aparecia com um macaco, um jabuti e todas aquelas caças.

Parece que um dia, depois de um ano dentro da rede, o marido não suportou mais. Levantou, pegou sua arma, flecha e borduna e caminhou atrás da mulher.[...]

Fonte: Lenda/Corpus Lendas do Amazonas.

(17) [...] E: Como é essa pedra do talhado?

[...] Não! Essa pedra do taiado, ói... era...tu num sabe cumo é aquele mininu...daquele Paulim quele sempre era mêi pertubado da cabeça? ... o Vaval? ...que chamava de Vaval? bẽi... aí dêcha que um dia... toda vida quele quano discia presse canto... ele via os... os guiné cantá...via galĩa cantá... aí deu-se que um dia... que toda vida... quano ele bibia cachaça... tumava cachaça... chegava uma pessoa pra levá ele... e discia presse canto e nẽi era pra dizê nada a ninguẽi. [...]

Fonte: Relato de Experiência/Corpus Remanescentes Quilombolas.

(18) [...] Faz muitos anos que o finado Daniel, morador lá no alto da Fonte Grande me Contou esta estória.

Era uma vez em um reinado uma princesa que o rei só daria em casamento a quem se submetesse a uma rigorosa prova. Muitos já haviam tentado, porém, ninguém havia conseguido, e, mesmo se conseguisse o rei mandava matar.

Essa fama corria por todo o reinado. De lugares distantes vinham muitos pretendentes, porém nada conseguiam.

Um dia um rapazinho, órfão de pai, resolver correr mundo. Tomou a bença à sua mãe e

partiu, dizendo que ia ao tal reinado disputar a mão da princesa.[...]

Fonte: Conto/Corpus Contos Brasileiros.

(19) [...] Quando eu estudava no Atheneu em 1980, eu costumava ajudar na limpeza dos laboratórios.

Um dia o professor Edson me convidou para ajudá-lo e neste ínterim me mostrou algo

mágico, ou seja, me mostrou como fazia fogo na água. Achei fantástico! [...]

Fonte: Relato de Experiência/Corpus Discurso e Gramática/Natal.

É importante destacar ainda que o uso do MON Uma vez/Certa vez/Um

dia/Outro dia marca a mudança de plano discursivo (FURTADO DA CUNHA e

TAVARES, 2007), do plano de fundo da narrativa, em que predominam as descrições, os comentários, para o plano da ação, em que predomina a dinamicidade e o movimento.

O MON Era/Era uma vez/Era um belo dia ensolarado foram identificados na Orientação, embora as suas instanciações pareçam especializar-se em diferentes

corpora: Era (item isolado) só apareceu nas Lendas; Era uma vez, nos Contos; e Era um belo dia ensolarado, no Corpus Discurso e Gramática do RJ.

Eis algumas das ocorrências:

(20) [...] Era uma mulher gestante que estava na canoa dentro do rio. Então começou uma chuva bem forte com relâmpago. O relâmpago caiu na barriga da mulher e abriu. Então, o filho nasceu. [...]

Fonte: Lenda/Corpus Lendas do Amazonas.

Como se pode notar, Era, nas instanciações expandidas, aparece sempre seguido de um Sintagma Nominal (um homem, só ele e a mulher, tudo apagado), cuja função discursiva é descrever os personagens ou o espaço da narrativa. Nesta tese não iremos nos aprofundar nessa instanciação especificamente, mas destacamos a importância de, em trabalhos posteriores analisar-se a sua estrutura, inclusive em relação às formas variantes Era uma vez e Era um belo dia ensolarado, as quais parecem ser instanciações mais ampliadas, incorporando o Sintagma Nominal que segue o verbo ser, conforme passaremos a ver.

(21) [...] Era uma vez um moço muito preguiçoso, por nome João Grilo, casado de novo, mas não queria trabalhar. [...]

Fonte: Conto/Corpus Contos Brasileiros.

(22) [...] Era um belo dia ensolarado, quando eu estava no muro de minha [...] Fonte: Relato de Experiência/Corpus Discurso e Gramática/RJ.

Tal como ocorre com a instanciação Era, as instanciações Era uma vez e Era

um belo dia ensolarado aparecem logo no início da narrativa, na Orientação,

apresentando ora um personagem, ora uma característica do cenário.

A instanciação Uma vez, cuja função discursiva é semelhante a Um dia, ocorre com frequência em torno de três vezes menor (22,7%) do que este último. Seu lócus de ocorrência é no início da ação, mas não necessariamente nas primeiras linhas da narrativa, como ocorre com Era uma vez. Destacamos ainda que essa instanciação também aparece como parte da instanciação Era uma vez, cuja frequência de ocorrência é bem maior. Note-se também que o tipo Uma vez, embora predomine no Resumo, no padrão discursivo narrativo Relato de experiência, no Corpus Remanescentes

Quilombolas, no lócus Orientação, foi identificado apenas no padrão discursivo

narrativo Contos.

(23) [...] Uma vez, ao passar por uma rua, ouviu alguém cantando. [...]

Fonte: Conto/Corpus Contos Brasileiros.

O tipo Contam os antigos antepassados que e a instanciação reduzida Contam

que costumam aparecer no início das narrativas para anunciar o fato narrado e, assim

como ocorre com Diz que, eximem o narrador da responsabilidade pela veracidade do fato que vai ser relatado.

As referidas instanciações parecem ter diferentes graus de evidenciação, sendo

Contam os antigos antepassados que mais evidencial (já que o sujeito está explicito) do

que Contam que, cujo sujeito pode ou não ser recuperado no contexto discursivo. Já no caso de Diz que, a evidencialidade teria um grau menor, pois não se pode recuperar o responsável pela história narrada, podendo a responsabilidade sobre o fato narrado vir a ser atribuída a outrem.

A propósito, é interessante notar que a ocorrência com o sujeito explícito foi detectada no Corpus Lendas do Amazonas e a ocorrência sem sujeito, no Corpus Contos Brasileiros, o que poderia nos levar a hipotetizar que o fato de explicitar os antepassados como autores da narrativa, no caso das Lendas, reforça o seu valor cultural mais do que simplesmente dizer-se que Contam, como nos Contos. Vejamos as seguintes ocorrências:

(24) [...] Contam os antigos antepassados que existiam dois grupos, duas comunidades Huni Kui que moravam separadas [...]

Fonte: Lenda/Corpus Lendas do Amazonas.

(25) [...] Contam que no princípio do mundo havia apenas escuridão. [...]

Fonte: Conto/Corpus Contos Brasileiros.

Examinemos agora o caso de Foi o seguinte, a qual ocorre na Orientação para anunciar o início do Relato da ação, focalizando a atenção do interlocutor no fato que vai ser narrado.

(26) [...] uma outra experiência fantástica que eu passei... foi o seguinte... a escola pública em mil novecentos e oitenta... não... setenta e nove... tava numa sacanagem tão grande... a escola pública ... que resolveu adotar outro sistema ... [...]

Fonte: Relato de Experiência/Corpus Discurso e Gramática/Natal.

Finalmente, os MON Bem/Bom ocorrem na Orientação, sempre para marcar o início ou a retomada da interação entre os interlocutores no processo de produção da narrativa, chamando a atenção do interlocutor, tanto na oralidade (em que a interação é fisicamente mais próxima) quanto na escrita (cuja proximidade é virtual).

(27) [...]E: Como é essa pedra do talhado?

M56-01: Não! Essa pedra do taiado, ói... era...tu num sabe cumo é aquele mininu...daquele Paulim quele sempre era mêi pertubado da cabeça? ... o Vaval? ...que chamava de Vaval? bẽi... aí dêcha que um dia... toda vida quele quano discia

presse canto... [...]

Percebe-se nessa ocorrência que a narradora começa sua narração, descrevendo o cenário (a pedra do talhado) e os personagens. Como a situação comunicativa geradora do material linguístico é de entrevista, ela faz uso de uma pergunta para certificar-se de que o interlocutor, no caso, o entrevistador, conhece o personagem (o Vaval), após o que retoma o fio da narrativa, utilizando, para isso, o tipo bem (bẽi...)

seguido pelo aí, articulador prototípico de sequenciação.

Na ocorrência (28), a seguir, essa instanciação (bẽi...) aparece em uma situação

de língua escrita, como se o narrador, após ter anunciado o tema sobre o qual vai escrever, procurasse codificar uma pausa de reflexão antecedendo a narrativa propriamente dita. É importante lembrar que a escrita desse texto foi feita como procedimento de coleta do Corpus Discurso e Gramática, imediatamente após a gravação da produção oral do Relato de experiência.

Observe-se que o narrador inicia o texto colocando o título, após o qual, como se para marcar, também na escrita, o processo interativo resultante da entrevista recém- realizada, faz uso do MON Bem, antes de iniciar propriamente o Relato do fato.

(28) O som no Shoping - Bem, Em uma noite de sábado alugaram o meu equipamento de som para por em um desfile de modas no shoping de campo grande, aconteceu um imprevisto [...]

Fonte: Relato de Experiência/Corpus Discurso e Gramática/RJ.

No fragmento (29), foi identificado o uso de bom, na modalidade oral, quando o informante passa a responder à pergunta/pedido do entrevistador, iniciando o Relato de uma história que aconteceu consigo. O uso desse tipo é semelhante ao de bem, anteriormente descrito e, por isso, está descrito como o MON Bem/Bom.

(29) [...] E: Zé... conta pra mim uma história que tenha acontecido com você... que tenha sido alegre... triste... engraçada...

I: bom... no sábado passado... aliás... sábado retrasado... eu fui... botar um... um... um