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3. DIAGNÓSTICO DA BACIA DO RIO PRETO: QUADRO FÍSICO,

3.3 HISTÓRICOS DE OCUPAÇÃO E USO DO SOLO

É a partir do século XVII que a ocupação da região, tradicionalmente de cul- tura e aproveitamento econômico indígena das terras, começa a dar lugar à mineração e à pecuária, atividades que, de modo complementar, contribuíram para o processo de formação econômico-social e histórica do território brasileiro.

Na porção sudeste da bacia, município de Paracatu, a exploração do ouro e a criação do gado gerou estabelecimentos humanos através da espacialidade de pequenos povoados, com forte presença de mão-de-obra escrava.

A intensificação da pecuária e a decadência aurífera da segunda metade do século XVIII deram uma nova lógica econômica à região. Porém, a baixa integração regional, em parte relacionada à dificuldade de locomoção e ligação com os mercados do sul e sudeste do país, praticamente levou à estagnação do desenvolvimento urbano e econômico da região (WIRTH, 1982). Com uma economia basicamente centrada na agricultura de subsistência e no parcelamento do solo em grandes escalas, eram pre- dominantes as famílias pecuaristas que viviam basicamente do trabalho no campo.

Segundo aponta WIRTH (1982), entre 1920 e 1940 a economia da região continuou a acompanhar a dinâmica da economia do estado, tendo a agricultura de se- queiro10 e a pecuária como atividades predominantes. Porém, a região não se tecnificou tal qual o ritmo das outras regiões mineiras, permanecendo submetida a práticas agrí- colas predominantemente tradicionais.

Sob os ideais desenvolvimentistas dos governos militares, baseados na pro- moção de grandes projetos de crescimento econômico, sob o formato de pólos de desen- volvimento e centralização do planejamento na esfera estatal, os pesados investimentos incentivaram a agricultura.

Com a construção e a mudança para a nova capital federal na década de 1960, a área do entorno do então Distrito Federal passa a apresentar um elevado poten- cial de crescimento populacional, incrementando a demanda por alimentos e água. No- vas formas de destinação do uso das terras tornaram-se necessárias.

Na década de 1970 os projetos de agricultura irrigada já representavam o principal uso das águas na bacia do rio Preto, apresentando expressivo crescimento, tanto na porção mineira como dentro do próprio Distrito Federal. Este crescimento es- teve atrelado à incentivos advindos principalmente de programas governamentais, como o POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento de Cerrados, que visava corrigir os desequilíbrios socioeconômicos regionais e a consequente pressão sobre Brasília.

O programa aplicou, entre 1975 e 1984, muitos recursos na construção de armazéns, apoio à pesquisa, sistemas de transporte e redes de energia. Em virtude de tais investimentos o cerrado mineiro passou a receber um dos maiores rebanhos bovino do Brasil. A expansão da fronteira agrícola substituiu a cultura de cultivo e pastagem de subsistência pelas culturas de exportação (SEBRAE, 1999).

10 Trata-se de uma cultura sem irrigação em regiões onde a precipitação anual é inferior a 500mm. A agricultura de sequeiro depende de técnicas de cultivo específicas que permitem um uso eficaz e eficiente da limitada umidade do solo (QUARANTA, 2004).

O Plano de Desenvolvimento Integrado do Noroeste de Minas Gerais – PLANOROESTE I, na década de 1970, e PLANOROESTE II, entre 1980 e 1988, enca- beçaram grande parte das ações do Governo Estadual, destinados a fomentar o desen- volvimento. O objetivo era implantar obras de infraestrutura na região que permitissem integrá-la à economia do estado. Para tanto, o governo promoveu a expansão agrícola, criou frentes de trabalho, implantou programas especiais de crédito11 e incentivos fiscais à agropecuária e à indústria (PLANPAR, 2006).

O processo de colonização privada na área foi conduzido na década de 1980 pela CAMPO – Companhia de Promoção Agrícola a partir de recursos do PRODECER – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados. O PRODECER foi implantado no Brasil em 1979 no intuito de ocupar áreas do cerrado na região centro-oeste e incentivar o de- senvolvimento da agricultura moderna por intermédio da mecanização.

O modelo de colonização que foi sendo implantado nessa região foi espe- lhado na experiência agrícola norte-americana, baseada em capacitação gerencial e uso de insumos modernos, um modelo que em quase nada se assemelhava à tradicional pro- dução regional. As terras tinham parcela predominante de colonos oriundos do sul do país, cuja racionalidade produtiva melhor se adaptou a tal modelo (PLANPAR, 2006).

A porção do alto rio Preto teve crescimento das atividades agrícolas com a implantação dos Núcleos Rurais do rio Preto, Jardim, Taquara e do rio Tabatinga, sobre- tudo a partir do início dos anos 1980, com a implantação do Assentamento Dirigido do Distrito Federal – PAD/DF. Desde então a região se tornou altamente produtiva, respon- sável por 80% da produção agrícola do Distrito Federal (MALDANER, 2003; CAR- NEIRO, 2003).

A tendência corrente, desde então, foi a substituição de parte das pequenas propriedades rurais pelas grandes monoculturas irrigadas, via de regra pela compra de pequenas propriedades. Nesses solos foi sendo introduzida uma agricultura de tipo em- presarial, intensiva em mecanização e insumos.

A dinamização, modernização das atividades agropecuárias, o crescimento do trabalho assalariado no campo, os movimentos migratórios e a diversificação econô- mica, contribuíram para o fortalecimento de adensamentos populacionais e o surgi- mento de centros urbanos na região noroeste do estado como, por exemplo, Paracatu e Unaí.

11 O plano teve como fonte de recursos o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e do Governo do Estado.

As atividades agrícolas de maior destaque regional referem-se à produção de leite, grãos e hortaliças, com destaque para as culturas de milho, soja, feijão, sorgo e trigo, concentradas principalmente nas unidades de relevo suave (CARNEIRO et. al., 2007).

Foco de constante preocupação dos órgãos de gestão dos recursos hídricos e da população do Distrito Federal, o aumento da demanda de água para irrigação exerce forte pressão sobre os mananciais hídricos regionais. A região apresenta baixo índice de disponibilidade hídrica por habitante e por ano. Tal qual afirma LIMA (1999), o Distrito Federal possui atualmente disponibilidade hídrica de aproximadamente 1.400 m³ hab./ano. Tal disponbilidade é considerada baixa pela classificação das Nacões Unidas, colocando a região como área sujeita à ocorrência de conflitos pelo uso das águas.

Estudos realizados pela Secretaria de Agricultura do Distrito Federal, quanto à demanda por água em pivôs de irrigação na bacia do rio Preto, apontam a importância do uso de água em sistemas de produção agrícola irrigada. A referida secretaria é um órgão do Governo do Distrito Federal – GDF que, entretanto, em suas ações integram o município de Unaí-MG, o qual faz parte da RIDE – Região Integrada de Desenvolvi- mento do Entorno do Distrito Federal12.

Segundo MALDANER (2003), a área agrícola da bacia do rio Preto é uma das principais regiões produtoras de grãos e hortaliças para o Distrito Federal e municí- pios do entorno nos estados de Goiás e Minas Gerais. Nesse cinturão, limítrofe entre o espaço rural e o urbano de Brasília verifica-se uma dinamização do setor de agronegó- cios, cuja rápida implementação de novas tecnologias possibilitou o surgimento de coo- perativas e associações, proporcionando o fortalecimento das atividades agropecuárias. Inclui-se também na área de estudo, na porção do alto rio Preto, as reconhecidas regio- nalmente como agrovilas, a exemplo os núcleos São José, Jardim, Carirú, Capão Seco e Lamarão.

Nos limites da bacia com o Distrito Federal não se observa ocupações urba- nas consolidadas, nem mesmo captações para abastecimento urbano ou lançamentos de esgotos. A bacia do rio Preto é a única bacia do DF que continua mantendo suas carac- terísticas totalmente rurais, mas com início da especulação imobiliária de condomínios.

12 Criada em 1998, a RIDE/DF objetiva a articulação interinstitucional e intergovernamental, com vistas ao aprimoramento, ampliação dos serviços públicos essenciais e a promoção de atividades econômicas na região.

O Núcleo Rural rio Preto(Figura 10) é hoje o maior produtor de culturas anuais de grãos do Distrito Federal, com destaque para a agricultura intensiva tecnifi- cada aplicada na produção regional do milho e feijão. Segundo dados da EMATER/DF, apresentados nas Tabelas 25 e 26, a distribuição das propriedades na bacia demonstra uma estrutura fundiária concentrada, entretanto com número elevado de empreendimen- tos rurais de natureza familiar.

Figura 10 – Núcleo Rural rio Preto Fonte: GREENTEC/SEDUMA (2010).

Tabela 25 – Propriedades rurais na bacia do rio Preto por classe de área (ha) Até 2

ha 2 a 5 ha 5 a 20 ha 20 a 75 75 a 100 ha 100 a 300 ha 300 a 500 ha >500 ha Total

3 32 53 61 101 96 6 8 360

Fonte: GREENTEC/SEDUMA (2010).

O Pólo Agroindustrial Rural do rio Preto, criado pelo Decreto n.º 22.452, de 05 de outubro de 2001, se constituiu como importante instrumento no desenvolvimento do Distrito Federal e da RIDE. Criado para a instalação de novas agroindústrias, o pólo propicia o fomento do agronegócio local, o incremento da capacidade produtiva da re- gião e a geração de oportunidades de trabalho, emprego e renda (GDF, 2004).

Tabela 26 – Empreendimentos rurais na bacia do rio Preto Familiar Patronal Total

307 112 419

No estado de Minas Gerais o aproveitamento agrícola das águas é intenso. O estado é o segundo maior utilizador de águas para irrigação na região sudeste, perdendo em área apenas para São Paulo. De acordo com as estimativas apontadas por CHRISTOFIDIS (2003), existem 2.801.400 hectares de áreas plantadas em Minas Ge- rais, sendo 313.956 hectares irrigados, algo em torno de 11,2% do total. As informações do estudo, quanto à demanda de água para irrigação no estado, apontam para grandes perdas nos volumes de água entre a captação nos mananciais (3.429.553 mil/m³/ano) e a efetiva aplicação nas atividades agrícolas (2.055.560 mil/ m³/ano).

Unaí, drenado boa parte pela bacia do rio Preto, tem figurado no cenário na- cional como importante município mineiro de agricultura irrigada. Foi o grande des- taque da pesquisa Produção Agrícola Municipal de Cereais, Leguminosas e Oleaginosas (PAM – 2004). Sua produtividade lhe conferiu a posição de maior produção nacional de feijão em 2003, com 66,6 mil toneladas, cerca de 2,25% da produção brasileira e 14,34% da produção mineira14. Além disso, ocupa a oitava posição entre os maiores produtores de sorgo (57,6 mil toneladas) e a 10ª em produção de milho, com 292,8 mil toneladas em 46 mil hectares (IBGE, 2004b).

Como alerta o Comitê da Bacia do rio Paracatu, que tem promovido estudos e ações nas áreas do alto rio Preto em Unaí, os grandes projetos de irrigação constituem a principal fonte de conflitos associados ao uso de água na bacia, e estes conflitos são essencialmente de natureza quantitativa e não qualitativa15.

De acordo com o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paracatu (CBH-Para- catu), que abrange apenas a área mineira da bacia do rio Preto, a sua organização surgiu a partir da preocupação de membros da CAMPO16 com os conflitos de uso da água na região, notadamente os que envolviam os irrigantes17. De acordo DINO (2002) o comitê

14Na área de estudo destaca-se a produtividade agrícola, em feijão irrigado, encontrado na propriedade da família Mânica (Fazenda Varjão e Guaribas), onde o aproveitamento do solo e o manejo de técnicas de irrigação garantem elevada produtividade, contribuindo para que município de Unaí se destaque no cená- rio nacional na produção desse gênero agrícola.

15A questão quantitativa revela-se por demais preocupante, pois em dois dos mananciais que abastecem os três maiores centros urbanos da região - Unaí, Paracatu e João Pinheiro – foi verificada uma queda subs- tancial das vazões de 50 l/s para 8 l/s em um caso, e cerca de metade das vazões usuais em outro caso (DINO, 2002).

16 Empresa mista, de capital nacional (51%) e de capital japonês (49%), foi criada para coordenar o pro- grama de colonização e realizar a aquisição de terras do cerrado para assentamento de colonos.

17 Apesar do Plano Diretor do Comitê referenciar a área da bacia como abrangente de cidades satélites do Distrito Federal e municípios do Estado de Goiás, observa-se no material cartográfico e nas próprias in- formações desse documento que estas áreas não foram contempladas, ou mesmo informações foram inte- gralizadas. Da mesma forma, o Comitê não conta com qualquer representante, em sua atual composição, destas outras porções da bacia.

foi criado pela vontade política estadual, em decorrência da existência de uma lei, que o previa, e pelo governo estadual que estava financiando um Plano Diretor, que precisava de um comitê para aprová-lo.

Desde a sua criação, o CBH-Paracatu esteve predominantemente voltado às questões de sua organização, como eleição da diretoria, discussão e aprovação de seu regimento interno. Ao observar as atas das primeiras reuniões, percebe-se que este ten- tou discutir o Plano Diretor, no entanto, a criação desse organismo parece ter gerado algumas mudanças de comportamento e uma discussão informal sobre assuntos relati- vos à gestão de recursos hídricos.

Segundo DINO (2002), a criação da ANA, pela Lei 9.984, em 17 de julho de 2000, e do comitê, de 03 de novembro de 1998, fez com que os empreendedores se arriscassem menos a usar a água de forma irregular na bacia. Alguns produtores rurais chegaram a mudar seus projetos em decorrência disso. Comentou-se, durante a época, que essa preocupação, em parte, não se justificava, já que a bacia não é de responsabili- dade da ANA e que só o IGAM pode conceder outorga e fiscalizar, com exceção da própria calha do rio Preto. Verificou-se, dessa forma, carência de informação sobre as competências dos órgãos de gestão de recursos hídricos.

A criação do comitê gerou uma maior discussão da população da bacia em relação à questão dos recursos hídricos. Contudo, o processo gerou uma demanda maior pela exploração de novos pontos de captação de água e também pelo aumento dos regis- tros de uso, embora muitos ainda utilizem a água sem qualquer autorização.

Segundo dados do PLANPAR (2006), o setor agropecuarista regional en- volve irrigantes e pecuaristas do ramo leiteiro que são responsáveis pelas maiores de- mandas de água na bacia, estando organizados em sindicatos, associações e coopera- tivas. Esse setor possui considerável força política e econômica na região. É no âmbito do governo e dos núcleos partidários que ocorre a relação entre as elites rurais na bacia do rio Preto. Nesse sentido, ainda existe uma forte relação entre proprietários rurais e o poder público, como meio de manter o domínio da elite sobre as terras e a apropriação dos recursos naturais.

Em decorrência dos citados, projetos de fomento ao desenvolvimento regio- nal, verificou-se forte fluxo migratório em direção à área, entre 1970 e 1980. Em rela- ção à geopolítica mineira, a área carece de maior vinculação com o Estado nos dias atu- ais, voltando-se mais para Brasília enquanto pólo econômico e cultural. Por outro lado,

a região vem definindo cada vez mais seu papel de forte expoente na agropecuária naci- onal, devido às condições agroclimáticas favoráveis, à qualidade dos solos, os recursos hídricos disponíveis, o nível de mecanização e adoção de modernas tecnologias de pro- dução. Porém, a forte presença de usos agrícolas na bacia do rio Preto implica em ele- vadas demandas para irrigação. Neste sentido, operacionalizar instrumentos de gestão das águas exige, necessariamente, uma atenção especial à busca de processos de gestão das demandas e da oferta de água, bem como dos cultivos e das técnicas de irrigação.

A escolha da bacia do rio Preto, como unidade espacial de pesquisa, se faz sob a justificativa da carência de estudos que contribuam para a gestão de recursos hí- dricos em bacias hidrográficas de economia predominantemente agrícola no país e, par- ticularmente, em Minas Gerais. As bacias agrícolas devem ser foco de alternativas e propostas de gestão que busquem compatibilizar a disponibilidade hídrica às elevadas demandas de água oriundas da irrigação, para tanto, devem consideraras demais dimen- sões ecológicas, econômicas e sociais inerentes ao desenvolvimento. Considerando-se que a maior parte das demandas hídricas do país e de Minas Gerais decorre da irrigação, a implementação das políticas nacional e estadual de recursos hídricos, incluindo os seus princípios, fundamentos e instrumentos, somente podem ser eficientes se o uso agrícola das águas for contemplado de modo específico. O que se deve ao fato de que o uso agrícola das águas exerce fortes pressões sobre os mananciais e deve ser objeto de suportes metodológicos que contribuam para a tomada de decisão.

A análise sistematizada de informações, sobre a bacia hidrográfica do rio Preto, possibilitará um melhor conhecimento do atual estágio de apropriação e uso das águas pelo setor agrícola. Permitirá conhecer os focos de maior impacto socioambiental e de comprometimento quali-quantitativo das águas, identificar áreas de potencial con- flito entre usuários, além de auxiliar na implementação de instrumentos de gestão, para o qual se propôs um Painel de Indicadores Ambientais para Gestão do Uso Agrícola das Águas.