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2.1 Ética e modernidade Habitus e habitat na era da crise civilizatória

2.1.3 Hybris contemporânea e o excesso tecnocientífico A desmesura e a

Após a Idade Média, em países do Ocidente Europeu, a instituição de uma cultura laica e autônoma, antropocêntrica, foi se tornando medida civilizatória, libertando pela primeira vez o ser humano para estabelecer um modo de ser racional e autorreferenciado (BARTHOLO, 1986). Fundamentado nos racionalismos baconiano, cartesiano e iluminista, tal projeto demarcou um novo ethos como fundamento das instituições políticas, da indústria e do mercado. Tomado pelas mãos imperialistas dos nascentes Estados Europeus, em poucos séculos, esta nova força histórica transformou completamente a face do planeta e a forma de viver e de ser dos povos. Dinamizado pelo industrialismo capitalista, cresceu articulando o mundo das culturas e a vida da Natureza a uma ordem racional-materialista e procede tendendo à artificialização crescente de territórios e das relações humanas. O ethos da

modernidade moderna se transforma em modelo civilizatório cujo papel principal é a expansão e conquista territorial, epistêmica e moral sobre todos os povos da Terra.

Em seu caráter contemporâneo, tomando a forma de um motor único, tal projeto civilizatório tem sido regido pelo capital, o qual estabelece seu poder sobre o mundo por meio da integração global de redes técnicas, econômicas e culturais, naquilo que Santos, M. (1996, 2000) concebe como o meio técnico científico-informacional. Este se expressa como energia unificadora de sociedades e territórios, na medida em que oferece base para a expansão das forças modernizadoras por todas as áreas do tecido social. A trama que tece o mundo ao modo do meio técnico-científico-informacional avança com pujança sobre as diversas regiões planetárias, ao articular espacialmente conjuntos e fluxos técnicos e de informação. No entanto, a uniformização técnica do espaço mundial sob a égide capitalista tem gerado grande pressão sobre o ambiente (do local ao planetário), bem como ampliado em muito os desníveis sociais entre países, classes e pessoas. Ao originar uma economia com base na produção crescente de bens (e valores) com finalidade do acúmulo, o motor único capitalista oferece-se como uma força de ambivalência inigualável, na medida em que integra as sociedades ao criar fragmentação e excluir grandes parcelas de espaços e populações (HAESBAERT, 1995)26. Ao prometer a todos a abundância de novas e mais mercadorias e de benesses materiais, o caráter fetichista da economia voltada indiscriminadamente para a produção e para o mercado cria o hábito do descarte e do desperdício. Porém, diante da depredação ambiental cresce a percepção de que tanto os ecossistemas quanto os sistemas sociais não poderão suportar tal pressão por muito tempo.

Uma das maiores novidades do projeto civilizatório moderno, sob a engenharia, a ordem do capital e da razão, é que, em meio a maior pujança material jamais observada, crises proliferam não como disfunções momentâneas dos mecanismos do sistema, mas como consequência inexorável (mas não desejável) da forma de seu proceder. No entanto, a relutância em reconhecer esta ambiguidade como fato inerente, pois atrelada aos ditames da mais-valia global27, instaura uma não responsabilização de mentores, agentes e consumidores, proporcional aos seus papeis sociopolíticos. O não comprometimento com as bases de sustentação do presente gera perspectivas incertas. No lastro do ordenamento e da busca por mais ordem surge, inevitavelmente, a desordem, o caos (BRUSEKE, 1993, 1996). As

26 HAESBAERT, R.. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO, I.; GOMES, P. C. C.; CÔRREA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, pp. 165-205.

27 Milton Santos define a mais-valia global como a articulação mundial da exploração capitalista, orquestrada de forma integrada pelas grandes corporações. Ver SANTOS, M., 1996, 2000.

dificuldades daí advindas e não resolvidas, na melhor das hipóteses, são lançadas de volta para avaliação científica ou para serem reprocessadas pelos aparatos tecnológicos no intuito de mitigar seus efeitos danosos. Dada a medida da intensidade de sua ação sobre o mundo, o projeto civilizatório moderno ainda não apresentou suficiente coragem para deixar-se afetar e ser indagado por outras matrizes de saber.

Gianetti (2002) usa as palavras de Mello (um dos personagens que debatem o tema da felicidade em seu livro) para refletir sobre a promessa Iluminista de uma história universal que se garanta por sua lógica linear como progresso: ―(...) o desconcerto do mundo er o efeito de c us s inteligíveis e remediáveis‖ (GIANNETTI, 2002, p. 23). A primeir quest o que aparece aqui é a identificação de uma cosmovisão mecanicista do mundo que enxerga as coisas do mundo (e as ações humanas que as criaram) como passíveis de conserto. Nesse caso, a contradição que se instaura está justamente no encobrimento da análise do telos civilizatório gerativo da crise, isto é, dos fundamentos e finalidades civilizatórias e societárias que geraram o suposto erro. Assim, a interpretação da crise como erro humano ou sistêmico gera equivocadamente a ideia de que com identificação e diagnose (métodos e ferramentas apropriados e melhorados), os problemas podem ser consertados pelos mesmos tipos de instrumentos e processos (técnicos) que o criaram. Bartholo (1992) sintetiza esse credo moderno n perm nente c p cid de de ― utocorre o‖ do sistem industri l moderno por meios tecnocientíficos: ―(...) os problem s origin dos pel model gem científico-tecnológica do espaço existencial humano são equacionáveis e solúveis pela própria tecnologia: a r cion liz o do industri lismo pelo superindustri lismo‖ (BARTHOLO, 1992, p. 27).

Fogo contra fogo. Responder ao caos gerado pela vontade de poder e de ordem com mais ordenamento e mais uso de dispositivos de controle é um dos elementos da cegueira autorreflexiva da moderna civilização tecnocientífica (BARTHOLO, 1987).

Na modernidade moderna, a vontade de libertar-se de freios morais e éticos aumenta à medida que cresce a capacidade de fazer e intervir permitida pela aliança entre ciência e técnica, processada de forma utilitária como instrumento para o crescente avanço mercantil e materialista. Por sua capacidade de produzir sem considerar a essência daquilo explorado, a ação social da tecnociência enxerga o real como o disponível, na intenção de permitir o acúmulo por meio do controle (HEIDEGGER, 2006a). A força dessa operação impele a fixação da tecnociência em toda arena institucional do tecido social, tanto maiores sejam a vontade de poder e os ideais de progresso que nutrem os sujeitos atomizados na construção de sistemas hegemônicos. Assim, a ação tecnocientífica melhor esteia os sistemas socioeconômicos quanto maior a eficácia com que subordine naturezas e sociedades às metas

de poder. Em nível extremo, ao exercer o poder por meio da técnica, o sujeito prende-se nesta teia de onde se esvai a finalidade do humano e ficam somente os princípios da técnica (BARTHOLO; DELAMARO, 2002). Daí decorre que a ação humana (práxis) ―(...) deix de ser ‗étic ‘ e se f z únic e exclusiv mente ‗técnic ‘, o que signific dizer que tod org niz o soci l é hoje, entendid como essenci lmente étic ‖ (OLIVEIRA pud BARTHOLO, DELAMARO, 2002, p. 25). Nessa perspectiva, a regulação social encontra no racionalismo utilitário e pragmático da tecnociência o motivo, o modo e o sentido de construção do mundo, especializado materialmente pelo meio técnico-científico- informacional e unificado pelas forças crescentes do capital.

Nessa perspectiva, o projeto civiliz t rio din miz do pelo ―(...) poder científico- tecnol gico se desenvolve n modernid de no interior de um ‗vácuo ético‘ que potenci liz o risco de utodestrui o do homem lien do de seu vínculo com N turez ‖ (BARTHOLO, 1986, p. 104)28. O crescimento das ações que buscam tecer uma unidade civilizatória em torno do progresso material, tecnocientífico, dinamizado pelas forças de mercado, não esconde as múltiplas faces e aspectos de suas tensões e exclusões. Seu impacto é, hoje, sentido em praticamente todas as áreas que governam a humanidade e seus mundos: não há espaço nem atividade que não seja afetada direta ou indiretamente por uma sensação de intranquilidade quanto às suas perspectivas futuras.

Não estamos mais diante de crises pontuais29. O momento e o caráter da crise já ultrapassou o cadinho alquímico de crise da razão. Por isso mesmo demandam críticas ao mesmo tempo universais e setoriais, horizontais e verticais, para na busca de compreensão de como se transmuta a crise da razão em realidades fractais que perpassam todas as dimensões do tecido social e cósmico, e as brechas entre elas. Pois a razão é o avatar30 terreno que possibilitou a construção da civilização moderna. Nesta perspectiva, o mesmo projeto técnico- civilizacional unificou o espaço global em uma dinâmica civilizatória integradora de (possíveis) visões comuns, também tem atado a humanidade em uma única teia de problemas

28 O conceito de Natureza é tão antigo e abordado de formas tão diversas quanto a própria história da humanidade. Porto-Gonç lves (1989) ssin l que ―(...) o conceito de n turez n o é n tur l, sendo n verd de cri do e instituído pelos homens‖ (PORTO-GONÇALVES, 1989, p.23). Esta questão não é debatida a fundo nesta tese, no entanto, cabe aqui uma alusão ao texto de Rose e Robin (2004), com o qual o pesquisador concorda: ―(...) A n turez é um termo problemático, n o é por c so que, p r r z o, divis o entre natureza/cultura é parte do problema, não a solução. Em sua provocante problemática e violenta história, o termo continua a desafiar-nos, e por essa razão, especialmente, vou continuar a usá-lo‖ (ROSE; ROBIN, 2004, p. 2, tradução nossa). ―Nature is a problematic term, not least for the reason that the nature / culture divide is part of the problem, not the solution. In its problematic, provocative, and violent history, the term continues to challenge us, and for that reason, especially, I continue to use it‖.

29 Ver, por exemplo, Bursztyn, Chain e Leitão (1984).

de difícil solução. Os muitos modos e a intensidade no quais a crise da razão se manifesta na contemporaneidade são desconhecidos nos horizontes conhecidos31 da História. Por isto mesmo, no empenho de compreensão de seu significado e na busca por causas comuns, diversos pensadores têm alertado para a(s) crise(s) da civilização contemporânea por sua abrangência geográfica e por sua singularidade ontológica e ética.

Em torno da crise contemporânea, Herrera (1982) discorre sobre o modelo mecanicista- materialista que fez desenvolver o atual aparato bélico-militar, o qual carrega em si a possível aniquilação da própria humanidade. Para ele, a tensão em torno da incerteza quanto à manutenção da própria condição biológica da humanidade sobre o Planeta faz dessa uma crise da espécie humana. Por sua vez, com base na cosmovisão tradicional, Sá (1988, p.119, grifo nosso) assinala para o fato de a atual crise vivida em muitas dimensões da coletividade hum n n o poder ser reduzid com b se em qu lquer ―p râmetro m teri l‖, pois, ―(...) é essenci lmente um crise de sentido‖. Por outro l do, Perine (1992), com b se em pressupostos filosóficos encontrados em obras de Henrique Vaz, Paul Ricoeur, Eric Weil, entre outros, constr i su reflex o em torno d ―crise d modernid de‖, p rtir de três figur s históricas, ou eixos conceituais. Para ele, ao mesmo tempo, são a sociedade, o Estado e as ideologias modernas que estão em crise. No entanto, a configuração desses aspectos particulares da crise tem sua base única na hipótese de que esta crise, tanto em suas causas como em seus efeitos, é essenci lmente mor l, ―(...) que se revela na insensata pretensão da socied de de se utocompreender em um ciênci ‖ (PERINE, 1992, p. 176). P r o autor,

(...) No mundo racionalizado e desencantado, onde o individualismo utilitário- emotivista, na sua versão original [liberal] ou na sua falida cópia socialista, tornou- se sagrado, não há encanto que possa encantar a todos por muito tempo, e os apelos à racionalidade não fazem senão montar ainda mais a preamar de irracionalismos a que assistimos ao vivo, confortavelmente instados diante da televisão e que, muito provavelmente, tem mesmo tudo a ver conosco. (...) A inépcia do instrumento é apenas a causa instrumental do fracasso das ideologias políticas. A sua causa final é, paradoxalmente, a perda do fim ou a sua substituição por simulacros de fins, que não são mais que meios sem fim, incapazes de realizar, sem contradição, as promessas de um "reino dos fins" e s profeci s de um "reino d liberd de‖ (PERINE, 1992, p. 174)32.

Em abordagem semelhante, Unger (1991) assinala que vivenciamos uma crise civiliz cion l, pois ―(...) o que está em crise é tod tr m de rel ões medi nte qu l os homens tecem sua inserç o no re l‖ (UNGER, 1991, p. 64). Ness bord gem, Morin e Kern

31 Aqui, o autor se refere especialmente às narrações da história, formalmente apresentadas pela leitura ocidental, científica, de medir e avaliar o tempo e a temporalidade da presença humana sobre a Terra.

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Apesar de escrito e rememorando ícones do início da década de 1990, o texto acima continua válido na medida em que a profecia moderna (mesmo que para alguns, pós-moderna) permanece frágil e fragmentada na sua pretensão da busc univers l pelo ―reino d liberd de‖.

(1994) referem-se este processo como cri o d ―er pl netári ‖, urdid os longos de séculos pel ―ocident liz o do mundo‖. O m teri lismo rr ig do n s ões d socied de ocidental engendrou no mundo um novo processo civilizatório, o qual, para ele, se transfigura n ―(...) id de de ferro pl netári , n qu l ind nos encontr mos‖ (MORIN; KERN, 1994, p. 17)33. Outro aspecto da crise do modelo civilizatório moderno tem sido identificado como um modo de ser e habitar o mundo, tendo a dessacralização como medida e sentido da relação humana com a Natureza e o Cosmos. Para Mircea Eliade (1980, p.25), ―(...) o mundo prof no na sua totalidade, o Cosmo totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente na história do espírito hum no‖. As implicações deste fato, emaranhado em uma teia de articulações que vão da Economia à Política, do Direito a Ciência, dos hábitos e práticas cotidianos às artes, forjam uma nova cosmovisão planetária que se adentrará no conhecimento e em todo o tecido social. Para as sociedades tradicionais, o antropocentrismo secular e materialista não só é considerado uma anormalidade, como também uma aberração (GUENON, 1977). No contexto atual, este processo implica na reflexão sobre limites (ou sobre a quebra de limites) na relação das sociedades com a Terra.

Na Tradição34, com base no medo, na fé ou na sabedoria, preceitos e ortodoxias espirituais conformam o ser humano a um espaço seguro em meio à inexorabilidade e inexplicabilidade última da realidade. Porém, para a tradição grega, a violação destes princípios é parte inerente à natureza humana, ou seja, é da condição do ser humano uma aptidão a desmesura, à hybris35. Para Jaeger (1989), ter em conta tal aptidão levou os gregos a

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Para uma crítica contundente do processo de ocidentalização do mundo sob o ponto de vista econômico, político e filosófico, ver Latouche (1994).

34 A referênci à tr di o com ―T‖ m iúsculo diz respeito uma tradição espiritual universal revelada à humanidade no início do presente ciclo temporal e renovada pelas revelações espirituais encontradas em todas as grandes religiões e filosofias espirituais. Nela, o que se destaca é o núcleo puro e inalterável do conhecimento sagrado, ainda acessível por meio das múltiplas doutrinas esotéricas e religiosas tradicionais. Seyyed H. Nasr (1989), um dos gr ndes estudiosos contemporâne s d Tr di o, explic : ―(...) De certo ponto de vist há pen s uma tradição, a Tradição Primordial, que sempre é. É a única verdade que ao mesmo tempo é o coração e a origem de todas as verdades. Todas as tradições são manifestações terrenas de arquétipos celestes relacionados, primordialmente, ao arquétipo imutável da Tradição Primordial, da mesma forma que todas as revelações se vinculam com o Logos ou a Palavra que era no início e que é ao mesmo tempo aspecto do Logos Universal e o Logos Univers l como t l‖ (NASR, 1989, p. 68, tradução nossa). ―From cert in point of view there is but one Tradition, the Primordial Tradition, which always is. It is the single truth which is at once the heart and origin of all truths. All traditions are earthly manifestations of celestial archetypes related ultimately to the immutable archetype of the Primordial Tradition in the same way that all revelations are related to the Logos or the Word which was at the beginning and which is at once an aspect of the Universal Logos and the Universal Logos as such‖.Ver também Shuoun, F. (1991).

35 Hybris é um conceito que em grego pode significar, simult ne mente, ―destino‖, ―p rte‖, ―lote‖ e ―por o‖.

É importante frisar que ao discutir o caráter niilista da ética moderna, usa-se aqui a hybris a partir de seu sentido moral de limite encontrado na tragédia grega (JAEGER, 1989). No entanto, quando se refere ao caráter híbrido das culturas, identidades, espaços, etc., refere-se aqui às misturas, à imbricação de diferentes porções para formar um novo destino.

est belecerem ―(...) doutrin d sophrosyne36

, a exortação a não perder de vista os limites do Homem‖; o s ber do perigo contido em t l excesso pede consciênci e continênci : ―(...) felicidade dos mortais é mutável como o dia. O Homem não deve, portanto, aspirar ao que está lto dem is‖ (JAEGER, 1989, p. 144).

O ― spir r o que está lto dem is‖ é um lus o bem propri d o mito d Torre de Babel presente no Velho Testamento (Gn 10 e 11)37. Nesse relato do mito, pós-dilúvio, a humanidade já havia crescido a partir dos descendentes de Noé, os quais trataram logo de procriar e construir nações e cidades. Em uma dessas cidades, eles decidiram construir uma torre de tijolos cozidos e betume, cujo topo pudesse chegar até os céus. Tendo descido à Terra para ver a construção dos homens, Iahweh logo enxergou perigo naquela empreitada, pois, ―(...) isso é o come o de su s inici tiv s! Agor , nenhum desígnio será irre lizável p r eles‖ (Gn 11, 5-6). Diante da audácia humana de se aproximar dos céus (e querer conquistá-lo, bem como à Terra), Iahweh decide colocar um limite para impedir que os humanos avançassem. Conclama anjos para ajudá-Lo a confundir a línguas dos humanos e, depois, espalhá-los pela Terra. Não podendo mais entender-se entre si, os humanos pararam de construir a torre. No relato da Torre de Babel, a punição divina se inscreve assim na lógica tradicional, segundo a qual desígnios divinos mantêm circunscritas as ações e o livre-arbítrio humano sob imperativos transcendentais prescritivos (e punitivos).

Contudo, no projeto racional-tecnicista e mercantil contemporâneo, esta afirmação g nh conot o de spir r o ―minúsculo dem is‖, o ―extensivo dem is‖, o ― berto dem is‖, o ―oculto dem is‖. Em todos os c sos, el nos remete à hybris grega em seu apelo a algo que deve ser evitado sob pena de o humano encontrar sua própria condenação ao fim das ações desmesuradas. Nas sociedades pré-modernas, ao mistério concebido às realidades naturais e cósmicas é demandado comedimento, pois somente em atitude de reverência (ou contenção) o ser humano encontrará seu lugar na ordem de todas as coisas. Dito de outra forma, tal compreensão se dá na medida em que a esta realidade o ser humano se ajusta, enquanto microcosmo, tanto em vínculos de pertencimento, de retração ou de responsabilidade diante da mesma. Em tal noção, a aptidão à desmesura é supostamente refreada. Porém, Unger (1991) reflete sobre a modernidade a partir da ideia de ser ela a única experiência societária humana que tem na hybris a medida de seu ser civilizacional. A pensadora ainda afirma:

36 Sophrosyne significa justa medida; dom da sabedoria. 37

GENESIS. In: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1981. Jó. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueredo. Rio de Janeiro: Encyclopedia Britânnica, 1980. pp. 389-412. Edição Ecumênica. Bíblia. A. T.

(...) A grande diferença civilizacional é que enquanto outras sociedades fizeram do eixo de sua cultura a elaboração de técnicas para controlar essa tendência, a nossa fez da hybris sua virtude máxima. O projeto de dominação de tudo o que existe, a ruptura da dimensão cosmo-polita do homem, a busca de mais e mais poder sobre a natureza, sobre tudo e sobre todos, o antropocentrismo formam o eixo em torno do qual, enquanto civilização gravitamos (UNGER, 1991, p. 40).

Em torno da desmesura como modo de ser, a civilização moderna se produziu, reproduzindo-se por meio de uma teia de conquistas; primeiro sobre as dimensões interiores do próprio espírito humano, depois por meio dos avanços sobre os territórios de todos os povos. O ethos moderno, a morada do ser moderno, tem sido caracterizado por nunca se considerar pronto, pela permanente insaciabilidade em busca de novidades e por acreditar que limites e horizontes existem para serem ultrapassados. Dessa forma, o modo de ser moderno impulsionou quebras de fronteiras e medidas de ação sobre o Planeta ao tempo em que encobriu o mundo de constructos e artefatos jamais imaginados pelas civilizações anteriores.

Nessa perspectiva, o ethos moderno se densifica na maneira do habitar como construção exploradora do mundo (HEIDEGGER, 2006a; BARTHOLO, 1986), mas torna-se extremamente volátil (mas não menos viril) na vontade e na engenhosidade da conquista. Numa casa sem mistérios, a subordinação da moral religiosa e da ética ao antropocentrismo racionalista e a força humana que se impulsiona para o progresso material é uma ocorrência