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2.4 Fronteiras do espaço-tempo socioespacial e mudanças paradigmáticas

2.4.1 Novas visões, novos mundos Ecovila e mudança paradigmática

No campo da mudança paradigmática aqui tratada, militantes e investigadores independentes enxergam as ecovilas como modelos para um novo modo de habitar ao realizarem proposições e sínteses criativas diante das crises civilizatórias e societárias atuais. Este é um dos aspectos que unifica experiências particulares em várias regiões do mundo em uma consciência global. Nessa perspectiva, Gabriel Loomans da Ecovila Piracanga (Itacaré, BA) rel t que ―(...) civilização humana está despertando para novas formas de conscientização. É uma nova fase de desenvolvimento cultural onde as áreas humanas da Arte, Ciênci e Espiritu lid de se encontr m e se interlig m‖58

. Se o respondente da Ecovila Piracanga reforça o caráter holístico do processo de mudança, por sua vez, Scortecci (2004) assinala para o caráter exemplar universal das ecovilas:

(...) Estamos introduzindo a ideia de que as ECOVILAS funcionam, têm funcionado, historicamente, como pontos de convergência de esforços de síntese socioculturais, tr vés do que poderí mos ch m r ―redes de consciênci ‖, ou, se preferirem, de um ―inconsciente coletivo‖, vis ndo ―formul o‖ e ―difus o‖, t mbém em rede, de elementos que possam servir de base para as transições de um modelo de civilização para outro, sucessivamente. (...) Estamos, sim, reafirmando, formulando a hipótese de que as ECOVILAS funcionam como centros geradores de valores que, na época e nos lug res certos, v o flor r e, ssim, ―cont min r‖ processos de reconstrução. Funcion ri m como ―di p sões‖ p r o re-afinamento das civilizações ao longo de seus processos de renascimento, vida, morte ou desaparecimento, e renascimento (SCORTECCI, 2004, p. 4).

No contexto de questionamentos dos padrões societários e civilizatórios vigentes, as ecovilas genuínas surgem como reações ao modelo imposto pelos agentes responsáveis pelas crises. De forma geral, elas professam abertamente uma busca por formas de viver que se opõem a modelos societários hegemônicos antiecológicos e antissolidários. Nessa tendência, Kasper (2008), socióloga do Sweet Briar College, EUA, afirma que as ecovilas caminham no sentido de instituir e reforçar um paradigma alternativo. Por sua vez, Wight (2008, p.47, tradução nossa), em sua dissertação pela Universid de de Cincinn ti, EUA, propõe que ―(...) o movimento d s ecovil s represent um nov vis o de mundo‖59

. Assim como o movimento das ecovilas é uma expressão do final do século XX, seu nascimento e expansão evidenciam um processo de esgotamento imposto pela crise da modernidade. Em recente livro sobre alternativas de sustentabilidade, em que várias experiências de ecovilas são relatadas, seus editores escrevem: ―(...) est mos conscientes que o modelo de desenvolvimento impetr nte está levando a vida natural e selvagem a um limite. (...) Estamos vivendo um momento de

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Resposta à questão 23 (missão do grupo) do questionário da pesquisa Survey, no dia 20 out.2008 (Apêndice B).

crise ecol gic e soci l glob l‖ (KURI; JAGER, 2006, p. 9, tradução nossa)60

. Como visto, cada vez mais os limites dessa crise estão colocados e debatidos por diversos setores e instituições das sociedades contemporâneas. O movimento das ecovilas se insere nesse contexto no qual diversos grupos reagem às crises de forma propositiva.

Kuri e Jager (2006, p.9, tradução nossa) firm m que ―(...) fortun d mente, de m neir paralela a este processo de destruição, um núcleo da sociedade está se dedicando a buscar soluções aos problemas ambientais e sociais (...)‖61. Hoje, a busca de muitos por formas simples e sustentáveis de viver cresce na proporção do aumento dos impactos das sociedades humanas sobre os ecossistemas e sobre as estruturas psicossociais. O desenvolvimento da riqueza material e a geração e expansão de uma cultura baseada no consumismo geram inquietude, as quais têm levado muitos a um movimento de retorno a um modelo de vida baseado na simplicidade (TRAINER, 2000, 2000a; CASTREJON, 2007; FISCHETTI, 2008). Diante do crescente artificialismo da vida moderna, muitos têm se sentido provocados pelo desejo de uma vivência mais próxima da Natureza, suas dinâmicas, ritmos e elementos.

No contexto da mudança paradigmática visualizada por Touraine (2007), podemos dizer que as ecovilas se situam no caminho da construção de uma sustentabilidade ética que se oferece como cultura, à medida que propõe novos códigos técnicos e valorativos nas relações da pessoa (indivíduo e coletividade) com o mundo e com a Terra. Nessa abordagem é incorporada uma perspectiva que se apoia no caráter propositivo da construção de uma subjetividade aberta à incorporação das pessoas como sustento substantivo da trama socioespacial. No contexto das ecovilas genuínas, essa nova subjetividade se relaciona tanto com o conteúdo presente nas dimensões incorpóreas quanto com a construção material e territorial do grupo e oferece caráter de enraizamento à aventura de uma vida coletiva zelosa.

Nessa perspectiva, a tentativa de consecução do modelo paradigmático das ecovilas só poderia ter aparecido na década de 1990, no núcleo dos acontecimentos que deram origem à globalização. Em uma realidade socioespacial cada vez integrada e ao mesmo tempo cada vez mais fragmentada as contradições das condições sociais, políticas e econômicas de nosso tempo são peculiares, tanto nos seus desafios quanto nas suas possibilidades. Da mesma maneira, ao tempo que elas têm sido vistas, localmente, como espaços de articulação de novas propostas técnicas e valorativas, as ecovilas (e muitas experiências afins como a permacultura, por exemplo) estão imersas na realidade historial da globalização. É por meio

60 ―(...) Est mos conscientes de que el modelo de des rrollo imper nte está llev ndo l vid n tur l y s lv je um limite. (...) Estamos viviendo un momento de crisis ecol gic y soci l glob l‖.

61 ―Afortun d mente, de m ner p r lel este processo de destrucci n, un núcleo de l socied d se há dedic do busc r soluciones los problem s mbient les y soci les‖.

das práticas no presente, então, que seu ethos é construído e permanentemente desafiado. Em tempos de deserto (UNGER, 1991), a construção do ethos das ecovilas é colocada como um caminho de nova afirmação paradigmática, qual planta que nasce entre rochas e cimentos e vai abrindo espaço até vicejar naquilo que lhe é próprio.

2.5 Ecovilas e globalização. Limites e novas fronteiras do social, do econômico, do