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2.5 Ecovilas e globalização Limites e novas fronteiras do social, do

2.5.3 Tecendo teias sensíveis (e mutáveis) de identidades a partir do lugar

No mundo global, pós-Guerra Fria, crescem fortes sentimentos de revalorização das ideias de pertencimento, de lugar, de tradição (HALL, 2006). Diante da tentativa da cultura ocidental hegemônica, americanizada, de homogeneizar e/ou mercadologizar mentes e lugares, as reações são múltiplas, como são múltiplas as misturas e as ressignificações que surgem neste processo. Em contraposição ou em diálogo com o espírito padronizador da cultura hegemônica, há uma tendência de afirmações identitárias grupais e pessoais singulares que compõem a diversidade cultural do mundo. Do ponto de vista local, em meio à massa amorfa das grandes cidades e aos espaços tênues e transitórios da contemporaneidade (HAESBAERT; GOMES, 1988) diversos grupos, tomando para si a ideia de pertencimento étnico, cultural, de valores e/ou de interesses, se apoderaram de sentidos de singularidade e de diferença como afirmação de um novo paradigma identitário.

Como visto na abordagem de Bauman (2007), as teias culturais e sociais atuais possuem caráter líquido, fluido, tendendo à transitoriedade, à impermanência, ao descarte. Para ele, ao contrário dos contextos mais tradicionais, na vida líquida a amálgama de ligação entre as pessoas e destas com o mundo se constitui em interesses e por opções. Neste contexto, as ideias de pertencimento e identidade são negociáveis na medida em que são escolhas diante de um multiplicid de de ltern tiv s: ―(...) um t ref ser realizada, e realizada muitas vezes e vezes sem cont , e n o de um s t c d ‖ (BAUMAN, 2007, p. 18). Ness concepção, a identidade não mais pode ser compreendida como um único e indestrutível bloco de valores, mas, como processo, algo a ser colocado em cheque pela transitoriedade com que o significado das coisas é definido pelas modas e costumes ditados pelo mercado. Nessa perspectiva, Moura (2005) trata da construção das identidades como projeto, textos construídos a partir do local de enunciação de sujeitos políticos.

Porém, ainda que na fluidez da vida líquida moderna os sentidos de pertencimento das pessoas com o mundo sejam transitórios (ou em construção), há em muitos uma busca por vínculos autênticos, propostos por uma (nova) espécie de sensibilização e rebeldia diante deste próprio mundo. Ao abordar este tema em outra perspectiva, Maffesoli (2004) nos chama a atenção para a intensa racionalização instrumental do mundo, diante da qual surge uma r z o sensível que fund ment ri ―form s sensíveis d vid soci l‖. Ao invés de pen s cumprir funções predeterminadas nas estruturas sociais formalizadas, as pessoas começam a viver o despertar estético, valorativo e ontológico; este não só oferece significado às suas vidas pessoais como tende a levá-las ao encontro e ao agrupamento. Nesse universo, novos tribalismos e coletivos surgem na intenção de aguçamento dialógico e para manterem vivos espaços de simpatia, de afeição ou de rebeldia nos quais a razão sensível pode florescer. Mesmo que de forma transitória e polimorfa, o vivencial, o experiencial tocado pelo sensível, v i jud ndo tecer nov s form s de soci bilid de, rel cion is, em um mundo ―mor list ‖ e cheio de modismos, assoberbado pela razão técnico-instrumental do mundo globalizado. Nas experimentações e fricções entre o indivíduo e o outro, novas conformações grupais e de sociabilidade (tribais) surgem. Maffesoli (2004) sustenta:

(...) Talvez esse tribalismo, bem como a viscosidade que é a expressão dele, seja o que pode permitir-nos compreender como, apesar da falência de inúmeras instituições (o trabalho, a família, a escola, a política, etc.), é possível resistirmos juntos aos diversos golpes do destino que vid nos reserv . Quem diz ―tribo‖, com efeito, está falando em novas formas de solidariedade, no desenvolvimento do trabalho caritativo, nessas múltiplas formas de generosidade de que as novas gerações, em particular, têm exemplos flagrantes (MAFFESOLI, 2004, p.82). No mundo líquido, Bauman (2007) nos fala das possibilidades, fugazes, de busca de uma impressão identitária como uma escolha, isto é, posicionamento diante de alternativas momentâneas, mesmo que este processo dure a vida toda. Por outro lado, Maffesoli (2004) nos f l d s possibilid des de cri o de vid s em grupos empátic s, em ―form s sensíveis d vid soci l‖. T l sensibiliz o tende unir o grupo em identid des que se conform m no movimento e na fricção com o mundo. Neste contexto, se observa que ainda há espaços para o encontro com sentidos autênticos e duradouros de pertencimento, mesmo passíveis de câmbios em suas formas. Em cada uma dessas visões é percebido que as dimensões do simbólico, do identitário e do sensível têm sido elementos fundamentais para uma compreensão das profundas transformações e inquietações que nosso tempo carrega.

O quadro da modernidade líquida, tenazmente diagnosticada por Bauman (2001), não oferece apenas uma única forma de abordá-la. O escopo de respostas aos desafios impostos

aos indivíduos e grupos (ou às tribos) pode ser amplo: ou a esta realidade se vincula sem questionamentos na forma de alienação entorpecida ou a ela se adapta de forma criativa (com certa independência ou autonomia), ou ainda, a ela resiste em forte oposição. Os contornos práticos da divisão entre essas três possibilidades, no entanto, não são definidos claramente. Como visto, em campo fronteiriço de construção identitária (BHABHA, 1998), misturas entre essas posturas ocorrem como respostas singulares, materialmente e simbolicamente localizadas e substancializadas pelo sentido sociocultural de pertencimento grupal (WEIL, S., 2001) e pessoal. Em um mundo onde a solidez parece cada vez mais ausente, as formas de nele estar (alienada, criativa ou reativa) parecem também depender de negociações, arranjos, diálogos. No entanto, o fiel da balança neste processo, marcadamente pendendo para as forças hegemônicas globais, poderá se reverter à medida que grupos e pessoas se tornem conscienciosos com respeito ao poder que carregam.

Em outra abordagem de crítica à globalização capitalista, Zaoual (2003, 2005) propõe uma análise (que alia economia e cultura, geografia e história) com base naquilo que concebe como ―sítio simb lico de pertencimento‖. Mir ndo o ―sítio‖ como enfoque epistemol gico ―p cífico d coexistênci ‖ (PANHUYS, 2006), Z ou l (2003, 2005), observ nos sítios processos de territorialização autônomos e plurais de construção identitária diante da fluidez e descartabilidade dos sentidos da modernidade globalizada. Situado, isto é, pertencendo a um lugar, o homo situs (habitante dos sítios) é capaz de conduzir sua vida de forma emancipada, pois dali tira o sustento material e imaterial para reprodução de sua coletividade. Ao aspecto identitário enraizado na história do grupo e de sua relação com a terra, se junta a determinação política de tecer, em seus lugares, caminhos e formas próprias de garantir sua sobrevivência, tanto física quanto subjetiva e relacional. A tessitura da construção da singularidade de cada sítio torna-se, assim, possibilidade de interconexão plural da totalidade dos sítios. Por isto, P nhuys (2006) propõe que o ―sítio‖, lém de conceito, se torne t mbém p r digm de c ráter polissêmico, ubiquitário e policronológico. Em vistas à espacialização dos lugares a partir de múltiplas temporalidades, os sítios aproximam os campos da expectativa e da experiência (RICOUER, 1988). Nessa perspectiva, a partir do sítio simbólico de pertencimento, Zaoual (2003, 2005) inverte processos contemporâneos de negociação das identidades e enxerga pessoas e grupos (situados) como geradores de significado e de vitalidade diante dos escorregadios valores do mundo globalizado.

Um aspecto fundamental do movimento das ecovilas é o redimensionamento simbólico e de valores, apoiado na construção de uma nova cosmovisão, como base para a reprodução concreta da vida de seus membros. Diante de um mundo fragmentado e competitivo, os

membros de ecovilas genuínas buscam tecer sentidos próprios de pertencimento a partir do lugar, de seu sítio. Pelo menos idealmente, as ecovilas genuínas são espaços para o compartilhamento de uma vida comunitária, enraizada e sensível, a partir de práticas sustentáveis e de uma visão inclusiva, holística e ética com relação a terra-lugar que lhe sustenta materialmente e à Terra-cosmos que lhe alimenta simbolicamente. Nesse contexto, a efetividade da realização de seus propósitos no mundo dependerá, essencialmente, da sólida base identitária e do fortalecimento de suas capacidades produtivas com as quais irão enfrentar os muitos desafios encontrados.