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I MAGEM C ORPORAL N EGATIVA EM HOMENS : A D ISMORFIA M USCULAR

Lista de Siglas e Abreviaturas ADF Asymptotic Distribution of Fit / Estimação Assintoticamente Livre de Distribuição

A NEXO 3 A PROVAÇÃO DO C OMITÊ DE É TICA EM P ESQUISA

1.3 E STRUTURA DA T ESE

2.1.3 I MAGEM C ORPORAL N EGATIVA EM HOMENS : A D ISMORFIA M USCULAR

Ao final de década de 1980 já se admitia que os homens não estavam satisfeitos com seu corpo. Além disso, desenhava-se na população masculina um corpo ideal difícil de ser alcançado.

Inicialmente considerada como a psicose de fisiculturistas, o conceito de Anorexia Reversa surge numa carta ao editor da revista Lancet (POPE, KATZ, 1987). O conteúdo da carta descrevia não só um quadro de percepção corporal alterada entre os halterofilistas, mas também chamava atenção para a presença de insatisfação corporal e uso de esteroides anabolizantes neste grupo (POPE, KATZ, 1987).

A Anorexia Reversa foi mais detalhadamente descrita por Pope, Katz e Hudson (1993) como uma desordem caracterizada pelo medo de ser muito pequeno, mirrado; pela percepção de ser muito fraco e pequeno mesmo quando se é, na verdade, grande e musculoso; estando associada a um alto índice de mortalidade e abuso de esteroides anabolizantes. Os pesquisadores encontraram evidências que suportavam a ligação entre a Anorexia Nervosa e a Anorexia Reversa ao detectar na sua amostra de 108 sujeitos, dois que haviam no passado sido diagnosticados com Anorexia Nervosa e na atualidade apresentavam características da Anorexia Reversa. Concluem em seu estudo que os dois quadros, Anorexia Nervosa e Anorexia Reversa podem ser relacionados a formas de distúrbio da Imagem Corporal ou Transtorno Dismórfico Corporal, cada uma refletindo expectativas culturais distintas; que a Anorexia Reversa pode ter como fator desencadeante o uso de esteroides anabolizantes, com os demais sintomas crescendo a medida que o sujeito tinha contato com outros homens maiores que ele, entrando num círculo vicioso de julgamento irreal de seu tamanho real, exercícios, uso de esteroides anabolizantes.

Poucos anos despois, Pope et al. (1997) reconhecem um quadro independente de Transtorno Dismórfico Corporal: a Dismorfia Muscular. Diferentemente dos pacientes típicos com Transtorno Dismórfico Corporal que se preocupam com partes específicas do corpo, os autores argumentam, as pessoas com Dismorfia Muscular estão preocupadas com a aparência

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do corpo como um todo; com o fato de não serem suficientemente grandes e musculosas. Suas vidas se organizam em torno dos treinamentos de força, dietas e atividades associadas ao desenvolvimento muscular. As consequências incluem um desconforto social profundo em relação ao corpo, problemas de relacionamentos afetivos e relacionados à carreira, além do uso de esteroides anabolizantes e outras drogas.

Pope et al. (1997) sugerem substituir o termo Anorexia Reversa por Dismorfia Muscular, por julgarem que a nova descrição é mais precisa, incluindo características aplicáveis tanto para homens como para mulheres. Estas descrições foram derivadas de estudos anteriores dos autores, focado nos Transtornos Alimentares, no Transtorno Dismórfico Corporal e no uso de anabolizantes. Inicialmente, Pope et al. (1997) propõem que a característica central da Dismorfia Muscular é a preocupação crônica de que não se é suficientemente musculoso – sendo que em alguns casos, especialmente para mulheres, consideraram que a preocupação também se estendia a não ter um baixo percentual de gordura no corpo. Esta preocupação pode aparecer inclusive em pessoas que são visivelmente muito musculosas, mais musculosas que uma pessoa comum. Estas pessoas podem até

compreender que são fortes e grandes, mas não se sentem seguras quanto a isso. Alguns

comportamentos de evitação e checagem corporal acompanham esta preocupação central: uso de calças e blusas largas, para evitar expor o corpo julgado como inadequado; evitam ir às piscinas para lazer ou nadar, praias, trocar de roupas em vestiários públicos. Ademais, o treino excessivo e a preocupação constante com alimentação interferem nos relacionamento íntimo e na carreira: a perda de um dia de treino ou o desvio da dieta provoca uma grande sensação de ansiedade, e por isso, todas as outras atividades são colocadas subordinadas a estas. Por último, pode ocorrer um grande comprometimento dos recursos financeiros do sujeito com esteroides anabolizantes e o treinamento, podendo ocorrer queda do padrão de vida e endividamento (POPE et al., 1997). Destas descrições pormenorizadas é que os autores propõem os três critérios diagnósticos para a Dismorfia Muscular (Quadro 1).

Pope, Phillips e Olivardia (2000) viriam a descrever um quadro mais complexo que o de Dismorfia Muscular: o Complexo de Adônis. Chamam atenção para dois fatores: primeiro, que apesar de parecerem bem, os homens por eles entrevistado se angustiavam com

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questões relativas ao corpo e a masculinidade, mas que não conseguiam falar a respeito disso, sofrendo profundamente; segundo, não conseguiam reagir às mensagens midiáticas de corpos musculosos, associados ou não ao sucesso profissional ou sexual: não rejeitavam e nem atingiam o ideal, o que aumentava sua angústia. O Complexo de Adonis, a crise secreta da obsessão masculina em relação ao corpo, foi descrito como um quadro que congrega diferentes formas de obsessão com o corpo, desde a preocupação com a calvície e o tamanho do pênis – incluindo implantes de cabelo e uso de perucas, abuso de medicamentos para prolongar ereção e técnicas para aumentar o tamanho do pênis – passando pelas dietas bizarras, pelas plásticas e esteroides anabolizantes. É a busca pelo super-homem, a qualquer preço. E claro, esse super- homem tinha que ser forte, muito forte.

Pope, Phillips e Olivardia (2000) retomam o conceito de Dismorfia Muscular e descrevem uma entrevista dada a eles, por um rapaz que tinha dificuldades de se dedicar ao trabalho, dificuldades em manter relacionamentos pessoais por causa da sua constante preocupação em ficar gordo e fraco, por sua excessiva dedicação aos treinos de musculação, por seu comportamento alimentar bizarro, por sua agressividade que explodia ao ser impedido de treinar, por sua ansiedade em relação ao seu corpo, por se achar fraco e pequeno... e por não conseguir sair desta “armadilha”. Foi a partir desta e de outras entrevistas com conteúdos semelhantes que os autores trouxeram mais informações a respeito da Dismorfia Muscular.

Nós chamamos isso de “dismorfia muscular” – uma excessiva preocupação com o tamanho do corpo e a musculatura. Muitos destes homens... revelaram que esta preocupação tornou-se fora de controle e afeta profundamente suas vidas – causando mudanças de carreiras ou destruindo relacionamentos com pessoas que eles amam. Porém, praticamente nenhum deles procurou tratamento – normalmente porque eles duvidaram que algum tipo de profissional realmente entenderia ou estaria apto a ajudar(POPE, PHILLIPS, OLIVARDIA, 2000, p.10).

A Dismorfia Muscular faz parte do Complexo de Adônis, assim como Transtornos Alimentares, o Transtorno Dismórfico Corporal e a Dependência de Exercícios. Pope, Phillips e Olivardia (2000) creditam a fatores biológicos e psicológicos, combinados com as mensagens midiáticas que enfatizam o corpo ainda mais musculoso, ainda mais em forma e

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cada vez mais inalcançável, o aparecimento das diversas formas de obsessão corporal que compõem o Complexo de Adônis.

Atualmente, a Dismorfia Muscular não está incluída na versão mais recente do Manual Diagnóstico de Perturbações Mentais (DSM-IV) (American Psychological Associtation, 1994). Ela aparece como uma subcategoria do Transtorno Dismórfico Corporal e como um

spectrum dos Transtornos Obsessivos Compulsivos (GRIEVE, 2007). Entretanto, os critérios

diagnósticos propostos por Pope et al. (1997) e aperfeiçoados por Pope, Phillips e Olivardia (2000) são amplamente utilizados em pesquisas e prática clínica (OLIVARDIA, 2007) (Quadro 1).

Quadro 1 - Critérios diagnósticos para Dismorfia Muscular

A. Preocupação com a ideia de que o corpo não seja suficientemente musculoso e magro (com baixo percentual de gordura). Quanto ao comportamento, observa-se longas horas de exercícios com pesos e atenção excessiva à dieta.

_________________________________________________________________________________ B. A preocupação é manifestada em pelo menos 2 dos 4 critérios abaixo:

1. O sujeito frequentemente perde importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas por causa da necessidade compulsiva de manter seus treinamentos e dietas conforme planejado.

2. O sujeito evita situações onde ele (ela) tem de expor seu corpo, ou suporta tais situações com muita angústia ou ansiedade.

3. A preocupação com a inadequação do tamanho do corpo ou da musculatura causa sofrimento clínico significativo ou perdas sociais, ocupacionais ou em outras áreas importantes da vida.

4. O sujeito continua a se exercitar, mantém sua dieta ou uso recursos ergogênicos (recursos de aumento de performance) mesmo sabendo de consequências físicas ou psicológicas.

_________________________________________________________________________________

C. O foco primário das preocupações e do comportamento é ser muito pequeno ou inadequadamente musculoso, um medo distinto de ficar gordo presente na Anorexia Nervosa ou da preocupação com outros aspectos da aparência, como nas outras formas de Transtorno Dismórfico Corporal.

Fonte: Pope, Phillips e Olivardia (2000). Adaptado e traduzido pela autora

Pope, Phillips e Olivardia (2000) afirmam que a Dismorfia Muscular constitui-

se um problema da Imagem Corporal negativa13 do homem, cujos comportamentos de

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Os problemas com a imagem do corpo podem se ordenar num continuum de moderada insatisfação e preocupação com o corpo e progredir para uma preocupação extrema com a aparência física, levando a uma

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acomodação incluem: exercícios e levantamento de peso compulsivo, uso/abuso de esteroides anabolizantes, alterações alimentares, ingestão de diuréticos, uso de roupas que evidenciam a musculatura num momento e noutro roupas que escondem o corpo, pesagem constante,

indução ao vômito e binge eating14. Foi a revelação de uma condição da Imagem Negativa do

corpo que passou a ser considerada tão comprometedora para a Imagem Corporal de homens quanto a distorção vivida pela mulher no transtorno alimentar.

A insatisfação ou a depreciação profunda da musculatura pode levar a um quadro de Dismorfia Muscular e à possibilidade do uso de esteroides anabolizantes. Entretanto, como aponta Olivardia (2007), a etiologia da Dismorfia Muscular é multifatorial. Socialmente, considera-se que a exposição de imagens de homens musculosos associadas ao ideal de corpo masculino, à atratividade física e à masculinidade é um fator importante.

Para Pope, Phillips e Olivardia (2000) experiências de ter sido caçoado na infância/adolescência por amigos, por outros adultos e mesmo pelos pais têm sido consideradas um fator relevante. Essas experiências podem acentuar uma preocupação com alguma parte do corpo ou mesmo iniciar a direção da atenção para alguma parte do corpo. Iniciada ou intensificada pela caçoagem, o sujeito pode transformar aquela experiência embaraçante em uma tentativa compulsiva de reparação, que pode ser manifestada na prática abusiva de exercícios físicos e/ou cirurgias plásticas estéticas recorrentes e/ou dietas excessivas, dependendo da parte do corpo ou do conteúdo da caçoagem. Olivardia (2002, 2007) ainda destaca a baixa autoestima, a possível influência genética de familiares com Transtorno

Imagem Corporal negativa. A Imagem Corporal negativa que se instala implica numa condição mais estressante e inibitória que a insatisfação corporal inicial (ROSEN, OROSAN e REITER, 1995). O estilo de vida que passa a se impor é especialmente elaborado para acomodar a Imagem Corporal negativa. Todas as situações que podem provocar alguma preocupação sobre a aparência física e/ou função do corpo, passam a ser taxativamente evitadas ou vivenciadas com o uso de “muletas” – como, por exemplo, usos de diuréticos para parecer mais magro - comprometendo a vida pessoal e social do sujeito. As conclusões negativas a respeito de si mesmo, a depreciação da aparência e do corpo físico e os comportamentos de evitação e checagem podem ser os responsáveis pela manutenção da Imagem Negativa do corpo (THOMPSON et al., 1998; ROSEN, OROSAN e REITER, 1995; ROSEN et al., 1991).

14Binge eating: episódio de ingestão compulsiva de alimentos caracterizada pela ingestão de uma grande

quantidade de calorias num espaço curto de tempo, geralmente escondido dos outros. É acompanhado pelo sentimento de falta de controle, de vergonha e repulsa sobre o comportamento alimentar (SMITH et al, 1998)

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Obsessivo Compulsivo (TOC) e questões de identidade com o papel de gênero como fatores pessoais para a Dismorfia Muscular.

Considerando o que já expusemos sobre o Drive for Muscularity e sobre a Dismorfia Muscular é oportuno considerar que se referem a situações distintas. Pope et al (1997, 2005) chamam a atenção para este ponto, esclarecendo que dedicar-se ao aumento da musculatura – inclusive os fisiculturistas, assim como outros atletas, não considerados em “grupos de risco” – não é sinônimo de Dismorfia Muscular. Morrison, Morrison e McCann (2006) reafirmam essa ideia, afirmando que a motivação para aumentar a massa muscular e a adoção de comportamentos para esse fim não é equivalente à Dismorfia Muscular, mesmo quando isso ocorre em grupos nos quais se observa maior incidência de Dismorfia Muscular, como fisiculturistas, halterofilistas, jogadores de futebol americano, por exemplo. É oportuno lembrar que desde a década de 1990 já se reconhece que moderada dedicação ao exercício e dietas balanceadas associam-se com atitudes positivas e comportamentos voltados ao cuidado do corpo (THOMPSON, 1990). Essas breves pontuações já ajudam a não estigmatizar a dedicação do sujeito ao aumento de sua musculatura, assim como aconteceu com mulheres no passado, onde dietas para perda de peso alertavam diretamente para transtornos alimentares.

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