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Lista de Siglas e Abreviaturas ADF Asymptotic Distribution of Fit / Estimação Assintoticamente Livre de Distribuição

A NEXO 3 A PROVAÇÃO DO C OMITÊ DE É TICA EM P ESQUISA

2.2 V OZES M ASCULINAS NA I MAGEM C ORPORAL

2.2.4 D ESCONFORTO EM RELAÇÃO AO C ORPO , A VALIADO PELA M ASCULINE B ODY I DEAL D ISTRESS S CALE

2.2.4.3 NOTAS SOBRE O CORPO MASCULINO IDEAL

Como a MBIDS não apresenta muitas evidências fatoriais, procuramos identificar evidências sobre a definição do corpo masculino ideal. Dessa forma, poderemos julgar o conteúdo dos itens da escala com esse suporte teórico para propor o modelo para a MBIDS brasileira.

Dibiase e Hjelle (1968) avaliaram as preferências por tipos de constituição física em 210 universitários, que foram divididos em três grupos – obesos, eutróficos e desnutridos (muito magros) – de acordo com seu peso. A todos os grupos foi mostrada uma sequência de silhuetas com os 3 tipos de constituição física: ectomórfica, mesomórfica e endomórfica e uma escala de diferencial semântico com 21 adjetivos, que deveria ser associada a cada uma das silhuetas. Não foi verificada diferença significante entre os grupos no julgamento das silhuetas. A silhueta mesomórfica foi associada a um maior nível de atividade, energia e dominação e foi escolhida como o tipo físico preferido pela maior parte da amostra.

Outra evidência de que o corpo musculoso era escolhido como ideal e associada a aspectos positivos foi provida por Kirkpatric e Sanders (1978). Os autores avaliaram as descrições e comentários de homens e mulheres sobre o corpo de constituição endomórfica, mesomórfica e ectomórfica.

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A amostra foi constituída por 249 mulheres e 251 homens, divididos em oito grupos de acordo com a idade dos participantes. Desde o primeiro grupo, o mais jovem entre seis e nove anos, ao oitavo, acima de 60 anos, averiguou-se que o corpo mesomórfico foi preponderantemente associado com adjetivos e comentários positivos – como melhor amigo, bonito, educado, saudável, inteligente, feliz (Figura 16).

Figura 16 - Frequência dos julgamentos para cada constituição física

Fonte: Kirkpatrick e Sanders (1978). Modificado pela autora.

A constituição ectomórfica e endomórfica receberam alguns comentários positivos, mas a grande maioria foram comentários negativos. A primeira foi associada negativamente a nervoso, introspectivo, traiçoeiro, triste, fraco e doente. O corpo endomórfico, por sua vez, foi negativamente associado a desleixo, solidão, preguiça, mentira, sujeira, cansaço, estupidez e suscetível à provocações.

Esse valor social do corpo ideal vem passando pelo tempo. Havemos de considerar que na identidade do sujeito, o impacto dessa representação social é variável, pois cada um registra de forma distinta estes modelos e julgamentos, dependendo de quanto o endossam e a importância que assumem.

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Davis, Brewer e Weinstein (1993) avaliaram a ansiedade corporal em rapazes jovens, usando algumas medidas diretas – como percentual de gordura, batimento cardíaco – e escalas atitudinais: a Social Physique Anxiety Scale, The Endler Multidimensional Anxiety Scale,

Body Esteem Scale e Body Cathexis Scale. Entre os vários resultados dessa pesquisa nos

interessa nesse momento, a constatação de que na sua amostra de 71 rapazes universitários de idade média de 22,56 ± 2,66 anos, ocorreu a preferência por um corpo mesomórfico, acentuadamente musculoso.

Muth e Cash (1997) investigaram a natureza e extensão das diferenças entre os sexos na dimensão atitudinal da Imagem Corporal. Os pesquisadores avaliaram 136 homens e 141 mulheres universitários, que responderam aos instrumentos Multidimensional Body-Self

Relations Questionnaire, Body-Image Ideals Questionnaire, Situational Inventory of Body-Image Dysphoria e Body-Image Affect Inventory. Concluíram que há uma diferença entre a

avaliação/afeição e investimento entre os sexos: homens fazem uma avaliação mais positiva de sua Imagem Corporal, investem menos em sua aparência e tem menor desconforto em relação ao seu corpo que as mulheres. Observaram também em seu estudo, que os homens avaliaram de forma mais positiva sua musculatura e vários atributos físicos, quando comparados às mulheres. A contribuição essencial do estudo de Muth e Cash (1997) para este trabalho está na conclusão de que, tanto homens quanto mulheres descontentes e que investem em sua aparência física, experienciam uma aflição intensa em relação a seu corpo.

Stanford e McCabe (2002) avaliaram os ideais de corpos masculinos e femininos, focando-se especificamente nos valores de partes do corpo e nas influências culturais. A amostra deste estudo foi composta por 60 mulheres, entre 18 e 22 anos, e por 50 homens, com idade média de 20,76 ± 1,31 anos. Para avaliar o conceito de corpo ideal, Stanford e McCabe (2002) utilizaram o Body Image Program. Esse software permitia aos sujeitos alterar o tamanho do tórax (parte superior do corpo), cintura e quadris (parte média do corpo) e ainda, coxas (parte inferior do corpo), em uma fotografia do próprio sujeito. No que diz respeito a amostra masculina, os resultados da pesquisa indicaram uma correlação negativa entre o IMC e a parte média ideal do corpo (r=-0,36; p=0,01) e o IMC e a parte inferior ideal do corpo (r=-0,43; p=0,002). Não foi encontrada correlação significante entre o IMC e a parte superior do corpo

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ideal (r=-0,27; p<=0,055). Para os homens da amostra, a parte superior do corpo foi a mais importante para a atratividade física do corpo em geral. O sexo oposto e a família tiveram um papel importante na determinação do corpo ideal, tanto na parte superior, média e inferior para os rapazes desse estudo. Para a parte superior do corpo, o corpo ideal que estes rapazes estabeleceram era marcadamente grande, maior que eles tinham de verdade. A parte inferior do corpo até pode ser pequena. Todavia, a parte média do corpo – área sujeita ao acúmulo do gordura – preferencialmente, deve ser menor, ou interpretando melhor, com menor percentual de gordura. Esse padrão de um grande tórax, ombros e quadris e cintura mais estreitos, já estava bem documentada na literatura prévia ao estudo (MISHKIND et al, 1986; COHN, ADLER,

1992; COHN et al, 1987; LEIT, POPE, GREY, 2001; McCREARY, SASSE, 2000; POPE, PHILLIPS,

OLIVARDIA, 2000) e Stanford e McCabe (2002) forneceram ainda mais evidências.

Numa abordagem qualitativa, Ridgeway e Tylka (2005) entrevistaram 30 homens jovens e trouxeram mais evidências que suportam o ícone do corpo ideal. Na opinião dos entrevistados, os homens em geral preferem um corpo musculoso. Não excessivamente musculoso, mas forte, definido e atlético. Outras características, descritas juntamente com a anterior, são o baixo percentual de gordura e altura, indicando que o corpo ideal é pensado concomitantemente como alto, suficientemente musculoso e magro. Quando as pesquisadoras pediram aos entrevistados para pensar no corpo ideal para eles mesmos, o padrão se manteve: principalmente, ser musculoso. Adicionalmente, ser magro e alto. Ser baixo, gordo ou ainda ser gordo e com pouca massa muscular é o padrão de corpo que os rapazes entrevistados não desejariam ter.

Bottamini e Ste-Marie (2006) usaram a abordagem qualitativa para investigar o físico ideal e o valor dado a ele. Entrevistaram 11 rapazes entre 18 e 25 anos, divididos em dois grupos. Bottamini e Ste-Marie (2006) usaram escalas de figuras e fotografias para evocar comentários dos entrevistados sobre a aparência do corpo masculino que se afastava do ideal. Os dados confirmam o que havia sido achado por Ridgeway e Tylka (2005): o corpo ideal é alto, musculoso o suficiente (não em demasia) e esguio. Sobre o corpo magro, os entrevistados fizeram comentários negativos, que reportaram sobre vaidade e a opção sexual. Quanto ao corpo gordo apresentado na fotografia, os comentários também foram negativos, mas com uma

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conotação diferente: preguiça, desleixo e maus hábitos – como beber em excesso e fumar – foram associados a esse tipo físico. A figura do homem muito musculoso, também gerou comentários negativos, a respeito de vaidade excessiva. Estar longe do padrão do corpo ideal, é estar sujeito a esses julgamentos.

O valor do corpo ideal também foi explorado numa pesquisa qualitativa posterior. Lilleaas (2007) entrevistou 16 jogadores de handball a respeito da relação que eles fazem com o esporte e a masculinidade, emoções, corpo e papéis do homem na família e na sociedade. Oito dos entrevistados integravam uma equipe de elite, com idade entre 25 e 35 anos. A outra metade integrava a equipe master de handball, com idade variando entre 35 e 65 anos. Quanto ao corpo, estes atletas consideram que o corpo ideal deve sempre estar em boa forma. Ter um corpo em boa forma significa ter um corpo que se tem orgulho: rápido, forte e “inteligente”. Ser forte significa estar no controle. O controle do peso e a força muscular suportam a sensação de ter dominância sobre o corpo.

Tager, Good e Morrison (2006) também apontaram para este valor que o corpo forte ganha:

No caso do homem, essa representação parece estar atrelada aos estereótipos de obstinação, dominância, virilidade e controle, os quais podem ser representados por uma cintura magra e músculos grandes. O corpo ideal torna-se um meio para obter status, assim como conquistas sexuais, uma representação de masculinidade que ignora a variedade de tipos de corpo, a riqueza potencial das experiências do sexo masculino e as nuanças de uma identidade complexa, bem desenvolvida .... Como esta imagem física idealizada de masculinidade torna-se mais onipresente, parece provável que os homens jovens que se avaliam frente a esse ideal terão maior dificuldade em aceitar-se e experienciam menor domínio sobre o ambiente enquanto se esforçam para alcançar o irrealista (e muitas vezes doentio) nível de controle (p.235).

Lilleaas (2007) e Tager, Good e Morrison (2006) apontam para o valor emocional desse corpo ideal: não alcançá-lo seria também deixar de ser um pouco menos homem, de ser um pouco menos senhor de sua própria vida, de ter controle.

Galli e Reel (2009) reforçam este último conceito, ao revelar que para homens atletas, o aumento da autoestima e a sensação de que a força física garante a

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dominância no grupo social e vitória no esporte são consequências avaliadas como positivas de alcançar o corpo masculino ideal.

Fontes (2009) nos fornece algumas informações específicas sobre os homens brasileiros. O foco da pesquisadora estava voltado para a beleza e o consumo de produtos relacionados a ela, entretanto, podemos identificar elementos do nosso construto em estudo neste trabalho. A pesquisadora entrevistou 10 rapazes, entre 24 e 33 anos. A pesquisa teve caráter qualitativo, empregando a entrevista semiestruturada em profundidade, com técnica projetiva30 – escolhida para “desarmar” os entrevistados, deixando-os mais a vontade para responder as perguntas relacionadas à beleza masculina. Fontes (2009) verificou que os adjetivos “trabalhado”, “definido”, “sarado”, “forte”, “rasgado” e “seco” são usados para descrever o corpo ideal masculino. Ademais, a pesquisadora verificou que

a comparação com a própria aparência física com a dos modelos retratados nas imagens pareceu gerar, em alguns participantes, um desconforto ao falar de sua beleza. É como se, ao ver as fotos de corpos “perfeitos” se tornasse mais difícil falar sobre as próprias imperfeições. A pesquisadora se deparou … com situações delicadas em que os participantes pareceram estar lidando com insatisfações, inseguranças e questões pessoais percebidas como muito íntimas. Talvez íntimas demais para serem verbalizadas (FONTES, 2009, p.77).

Além de identificar o desconforto sentido por seus entrevistados e da dificuldade de falar sobre o corpo, Fontes (2009) aponta ainda para o valor do corpo ideal dado pelos respondentes de sua amostra. Para ilustrar essa conexão feita entre o corpo ideal musculoso e a virilidade a autora destaca um pedaço do discurso de um de seus entrevistados:

A impressão que eu tenho é que o corpo trabalhado, definido no homem transmite pra mulher virilidade. (...) Eu acho que o corpo definido transmite

30

Fontes esclarece que a técnica projetiva “consiste em um método de questionamento indireto, baseado em situações hipotéticas, cuja utilidade reside em parte na sua capacidade de obter informações dos respondentes livres do viés social, permitindo ao pesquisador desvendar as impressões reais dos indivíduos sobre o tema pesquisado (ROOK, 2006). Nesse sentido, a técnica projetiva tem o intuito de possibilitar a investigação de temas sobre os quais os entrevistados se mostram relutantes ou têm dificuldade de expor seus pontos de vista, através de perguntas feitas de maneira direta” (FONTES, p.51-52, 2009). A referência completa de Rook, 2006, citada pela autora é: ROOK, D. W. Let´s pretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. (org). Handbook of Qualitative

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uma coisa mais primitiva de: ele é homem. (…) Um cara tem um corpo bom, ele sai na frente porque ele dispara um comportamento mais inconsciente de conexão com o sexo oposto (FONTES, 2009, p.77)

O corpo malhado, definido, “perfeito” é, em última instancia, símbolo da virilidade para estes rapazes. É mais que ser apenas forte, é se sentir homem, é ter respeito perante os outros homens, é ser um homem melhor para o sexo oposto. Os desvios em relação ao corpo ideal são descritos com os adjetivos “gordo”, “magrelo”, “mirradinho” e “bombadão”. Ser magro é praticamente inaceitável, como se não se fosse homem adulto ainda, mas sim uma criança. O discurso direto a respeito da gordura nos diz algo a respeito da associação entre esta e a saúde – pois se preocupar com a gordura por uma questão estética é do universo feminino. Entretanto, “barriga é um negócio que incomoda muito o homem” (FONTES, 2009, p.79). Ser “bombadão” é um desvio do corpo ideal também, pois está associado ao consumo de esteroides anabolizantes e ao excesso de vaidade. Assim, o corpo ideal para um homem de verdade seria proporcional: nem magro demais, nem forte demais, nem gordo. Forte o bastante, “seco” o suficiente (FONTES, 2009).